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Projeto na Câmara cria a polícia secreta do presidente da República

Proposta é de estrutura paralela de segurança pública, com capacidade de atuar à margem das garantias constitucionais

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Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, membro fundador da Comissão Arns de Direitos Humanos e do Conselho da Conectas Direitos Humanos

Camila Asano

Diretora de programas da Conectas Direitos Humanos

A Câmara dos Deputados poderá vir a deliberar, ainda que não em regime de urgência como pretendia o governo, projeto de lei que cria uma estrutura paralela de segurança pública, diretamente ligada à Presidência da República, isenta de controles legais e com capacidade de atuar à margem das garantias constitucionais.

Sob o pretexto de combater o terrorismo no Brasil, o PL 1595/19, de autoria do deputado governista Vitor Hugo (PSL/GO), pretende estabelecer o Sistema Nacional Contraterrorista e a Política Nacional Contraterrorista, ambos disparates jurídicos subordinados a órgão a ser definido pelo chefe do Executivo.

Bolsonaro e o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) durante cerimônia na Câmara - Pedro Ladeira-15.jul.19/Folhapress

Na prática, o texto estabelece uma polícia política que poderá atuar secretamente, não prevista na estrutura constitucional de segurança pública do Brasil, diretamente subordinada ao presidente da República, que passará a ter amplo acesso a dados privados e informações privilegiadas de cidadãos e organizações políticas, inclusive de opositores ao seu governo.

Esse mecanismo terá como finalidade coordenar o preparo e emprego das forças militares, policiais e de unidades de inteligência nas ações contraterroristas, além de fornecer informações para possíveis decretos de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio em caso de "ações repressivas em território nacional".

O projeto tem ainda o agravante de ferir o pacto federativo ao prever a coordenação do emprego das forças de segurança estaduais, em ações sigilosas, à revelia dos governadores.

Para garantir que a atuação dessa nova polícia política possa se dar à margem da legalidade, o texto determina um salvo-conduto para abusos, trazendo mais uma vez à pauta do Congresso uma das obsessões do governo Bolsonaro, que é a excludente de ilicitude.

Com isso, fica excluída de antemão a possibilidade de investigações e responsabilização da conduta de agentes que, por força de sua atuação, provoquem a morte ou ferimentos de outras pessoas, por exemplo

Tamanha concentração de poderes em mãos de qualquer presidente da República já representaria uma ameaça ao Estado democrático de direito.

Mas, considerando o perfil autoritário do atual governo, que repetidas vezes ameaçou intervir ou desrespeitar os demais poderes, quando contrariado, o PL 1595/19 faz acender o sinal vermelho.

O uso indiscriminado da Lei de Segurança Nacional, recentemente revogada pelo Congresso ou a elaboração de dossiês ilegais, com a finalidade de intimidar críticos e opositores, além de constantes interferências indevidas na cúpula da Polícia Federal, e mesmo das Forças Armadas, são uma grave amostra de como o atual governo emprega o aparato repressivo com a lógica de perseguir e reprimir aqueles que toma como inimigos.

As dificuldades para tipificar condutas consideradas terroristas, por meio de cláusulas demasiadamente abertas, já haviam sido enfrentadas por ocasião da discussão da Lei 13.260, de 2016.

Tanto naquela ocasião quanto agora, servem os mesmos argumentos de que o Código Penal brasileiro já dá conta de responsabilizar eventuais atentados terroristas e de que a cruzada contra diversas concepções de "terrorismo" não pode atropelar garantias constitucionais.

O PL 1595/19 vai ao extremo da indeterminação legal ao estabelecer que a lei também será aplicada para prevenir e reprimir a execução de ato que, "embora não tipificado como crime de terrorismo", possa ser considerado "perigoso para a vida humana" ou "potencialmente destrutivo em relação a alguma infraestrutura crítica" ou, ainda, "aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil".

Ou seja, o presidente e sua nova polícia política, de modo absolutamente discricionário e a partir de conceitos mais do que impreciso, poderão tratar atos não classificados como terroristas como se terroristas fossem.

Conforme explicitou o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, em artigo para o Metrópoles, o projeto "propõe codificar crimes com tal amplitude, que torna quaisquer manifestações públicas, alvos de ação da Autoridade Nacional Contraterrorismo".

Dessa forma, sem expressamente alterar a lei de 2016, o PL 1595 revolve pontos já superados pelo Congresso Nacional, aprofundando a trilha de construção de um Estado policial, autoritário e centralizado, como em velhas e novas ditaduras.

Aprovado em Comissão especial em setembro, o texto aguarda, nesta semana, a votação de um requerimento de urgência para seguir ao plenário da Câmara.

Esperamos que o presidente Arthur Lira, bem como os demais deputados e deputadas, não contribuam para a criação de um aparelho que ameaça não apenas os direitos individuais, mas o aprofundamento do processo de erosão do próprio Estado democrático de direito criado pela Constituição de 1988.

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