Descrição de chapéu Folhajus Entrevista da 2ª

TJ-SP não persegue juízes liberais nem os rígidos, diz presidente eleito da corte

Ricardo Anafe, atual corregedor do maior tribunal do país, promete eficiência e quer auxiliar a mais para desembargadores

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São Paulo

Eleito para a presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país, no biênio 2022-2023, o desembargador Ricardo Anafe, 62, promete fazer da eficiência a marca da sua gestão.

O magistrado assumirá o posto em janeiro com a corte em situação financeira mais confortável que nas gestões de antecessores.

Os presidentes anteriores enfrentaram restrições devido a uma mudança de cálculo do TCE (Tribunal de Contas do Estado) que pôs a corte sob risco de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Entre as suas propostas de campanha, Anafe defendeu a criação de um cargo a mais de auxiliar de desembargadores e o aumento do auxílio-saúde aos magistrados. Em ambos os casos, afirma que o impacto econômico não será grande.

O presidente eleito do TJ-SP, desembargador Ricardo Anafe
O presidente eleito do TJ-SP, desembargador Ricardo Anafe - Ronny Santos/Folhapress

Atual corregedor da corte, ele rebate críticas de que o TJ é excessivo em prisões preventivas e que a cúpula tem sido rígida administrativamente com juízes mais garantistas —aqueles com uma visão de mais respaldo às alegações das defesas.

"Imagine o tribunal perseguindo os juízes que são mais liberais. Está certo? Está redondamente errado. Agora pode perseguir os mais rígidos? O fundamento é o mesmo, também não pode", diz Anafe à Folha.

"Ou seja, essa crítica esquece um lado. Na hora que estou criticando porque 'ele solta menos’ ou porque 'ele prende mais’, seja qual for o termo utilizado, eu não ouvi falar em relação aos garantistas. É igual para todo mundo, o tribunal não faz exceções."

Anafe respondeu a perguntas de teor administrativo do tribunal, e evitou comentar assuntos como a possibilidade de redução da idade de aposentadoria de ministros dos tribunais superiores, que pode gerar um efeito cascata e impactar todo o Judiciário nacional.

Nos últimos anos, o TJ teve que firmar acordos com o TCE para não descumprir os limites de gastos com pessoal da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Qual a perspectiva para os próximos dois anos? Em novembro de 2019, nós estávamos bem abaixo do limite prudencial e houve uma alteração abrupta do critério quanto ao Fundeb [mudança que endureceu o cálculo da LRF].

Com isso, o tribunal no ano de 2020 teve que se adequar. Diminuiu gastos vertiginosamente, até porque o nosso orçamento foi menor, e já em 2021 nós nos estabilizamos. Estamos fechando o ano [com percentual de gastos com pessoal] mais baixo do que estávamos em 2019. Não temos grandes problemas de orçamento em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal.

​​​​Em suas propostas para a presidência, o sr. previa aumento de receitas para o tribunal. Como conseguir? Não sou eu quem previa. Nós tínhamos até 2019 uma arrecadação mensal de R$ 29 milhões por mês de custas [processuais]. A corregedoria adotou em 2020 e 2021 uma série de procedimentos de fiscalização da arrecadação e hoje nós temos uma arrecadação [de custas] em torno de R$ 73 milhões a R$ 78 milhões por mês. Ou seja, nós tivemos um incremento da arrecadação apenas e tão somente no controle.

Este ano eu apresentei o anteprojeto da Lei de Custas [que aumenta as custas processuais], que foi aprovado em plenário [do Órgão Especial, a elite do TJ], à unanimidade. Nós conversamos com o Executivo, com o Legislativo e enviamos o projeto [à Assembleia Legislativa, que votará o assunto], que prevê um aumento relativamente pequeno.

A nossa Lei de Custas, hoje em vigor, é a mais baixa do país. Com essa alteração, passa a ser a terceira mais baixa do país. Mesmo assim, nas três primeiras faixas, continua sendo a mais baixa.

No orçamento enviado com anuência do Executivo, a nossa verba de custeio é zero. E todo custeio sai da Lei de Custas. Essa foi a razão pela qual houve a apresentação do projeto da Lei de Custas, para dar uma estabilidade de custeio ao Tribunal.

O sr. apresentou uma proposta de criação de cargos que implica em aumento de custos de pessoal. Não influencia na questão da Lei de Responsabilidade Fiscal? Esse é o caso do quinto assistente. Em todo o Brasil, todos [os desembargadores] têm assistentes nos seus gabinetes. São Paulo hoje detém 46,7% da movimentação [processual] nacional, a maior produtividade e tem o menor número de assistentes de todo o país.

Se tiver um número maior de assistentes, com o mesmo número de processos, eu tenho naturalmente melhor qualidade, porque eu tenho mais tempo de exame e tenho uma repercussão na produtividade. São 360 [para desembargadores] mais 95 assistentes [para juízes substitutos de 2ª instância] e a repercussão econômica não é tão grande. Nós temos hoje 38 mil servidores em atividade.

E em relação a outras despesas propostas [em campanha], como majoração do auxílio-saúde, o orçamento comporta? O tribunal paga hoje menos em auxílio-saúde que o fixado pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. Nós vamos pagar aquilo que foi fixado pelo CNJ, mas pouco além do mínimo, que não é grande coisa. Outra coisa: São Paulo não paga indistintamente, paga em reembolso.

Na pandemia foi implantado o teletrabalho e o próprio tribunal divulgou que houve aumento da produtividade dos processos digitais. Como o sr. vê a forma de trabalho que magistrados e servidores vão ter nesses próximos dois anos? Nós baixamos a resolução 850, que estabelece um regime híbrido, parte para o primeiro grau, parte em home office e a maior parte em trabalho físico.

Para as comarcas com menos de três varas, o juiz pode ficar um dia em home office. Pode, não é obrigado. Naquelas acima de três [varas], dois dias. Imagina o [fórum da capital] João Mendes, há mais de 100 juízes. Nunca vai faltar um juiz na vara. Ao mesmo tempo, se aproveita o melhor do telepresencial. [O juiz] tem que atender o advogado quando estiver em home office e não pode sair da comarca, salvo se ele for autorizado a residir em outra próxima.

O TJ tem sido alvo de algumas críticas nos últimos anos, sobretudo pelo ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça] Rogerio Schietti. Ele diz que o TJ desconsidera entendimentos dos tribunais superiores, especialmente em relação à aplicação de prisões preventivas. Isso deve ser mudado? Isso é matéria jurisdicional. Não é matéria administrativa nem da corregedoria e muito menos da presidência. Eu sou do direito público, não sou da área criminal.

Tudo o que tiver efeito vinculante tem que ser cumprido e é cumprido em São Paulo. O que não tem efeito vinculante, ainda que seja a jurisprudência majoritária ou não, não existe cumprimento obrigatório, e cada juiz decide como acha que tem que decidir. Eu, como corregedor, não posso interferir, e muito menos como presidente.

Pergunto isso também porque o tribunal chegou a aplicar algumas sanções em relação a juízes que eram considerados muito garantistas e que soltavam pessoas demais. Não fica uma contradição? Não foi bem isso, não fica não. Isso foi na outra gestão, no caso de um único juiz. E não foi só isso, havia outras coisas —isso é só o que foi divulgado. Não existe isso de perseguir um juiz porque decide assim ou decide assado.

Como vê o respeito à independência judicial no TJ-SP? Eu acho que tem que ser mantida sempre. O livre convencimento do juiz tem que ser mantido. O que acontece é que nós temos decisões de repercussão geral, de repetitivos, de assunção de competência, que têm efeito vinculante. Se tem efeito vinculante há de ser obedecido, salvo se houver a operação do distinguishing —em que aquela situação não se aplica àquele efeito vinculante.

Essa mesma liberdade é que faz com que alguns juízes sejam mais liberais, que são chamados de garantistas, e outros menos liberais. Imagine o tribunal perseguindo os juízes que são mais liberais. Está certo? Está redondamente errado.

Agora ele pode perseguir os mais rígidos? O fundamento é o mesmo, também não pode. Ou seja, essa crítica esquece um lado. Na hora que estou criticando porque "ele solta menos" ou porque "ele prende mais", seja qual for o termo utilizado, eu não ouvi falar em relação aos garantistas. É igual para todo mundo, o tribunal não faz exceções.

Não havendo efeito vinculante, o juiz pode decidir de acordo com os parâmetros da lei como ele achar que deve, sempre. Isso é uma coisa sagrada na magistratura desde a sua essência. Se eu retirar a liberdade de convencimento do juiz, eu não tenho garantia do estado de direito. O juiz presta um serviço de estado. Quando ele julga, ele declara a vontade do estado. Ele não pode ser preordenado a julgar dessa ou daquela forma.

Schietti ​fez uma crítica no sentido de o TJ prender muito e não respeitar entendimentos dos tribunais superiores. Ao mesmo tempo, outros juízes dizem que os magistrados que soltam muito estão sendo punidos. Isso não acontece no Tribunal de Justiça? Não. Nem com os que são rígidos nem com os que são liberais. A administração tem que ser igual em relação a todos. Essa quebra de isonomia é uma quebra de transparência, de credibilidade e de previsibilidade.

Pode haver um reclamo ou outro, faz parte. Mas uma coisa é certa: não é todo o tribunal, e ele se mantém justamente pela garantia do Estado de Direito. No dia que o juiz decidir contrariamente a uma tese com efeito vinculante e não formular o distinguishing, ele vai sofrer inclusive eventual processo administrativo.

Em 2019, o então presidente Manoel Pereira Calças tinha algumas ideias de reformas administrativas nos prédios do TJ. Queria construir um prédio e discutia a construção de túneis. Isso parou de ser discutido na gestão do atual presidente, Geraldo Pinheiro Franco. Como o sr. vê essa situação para os próximos anos? Eu acho que a ideia do prédio, em si, que contenha todos os gabinetes, fantástica. Só que o que aconteceu: no final da gestão do desembargador Paulo Dimas foram desapropriados os prédios do direito privado, que tem 190 desembargadores. Eles têm mais desembargadores que a soma do público e do criminal, que são 90 e 80. Ou seja, não tem mais sentido construir um prédio tendo esses dois prédios. E hoje não é prioridade, de forma nenhuma.

Quando os prédios são todos alugados e você vai construir um prédio e com isso você absorve aqueles valores dos alugueis e vai ganhar em 20, 30 anos, lógico que vale a pena. O problema é quando você tem prédios que foram desapropriados. Ademais, com o teletrabalho, eu tenho uma frequência menor nos prédios. Ou seja, hoje falar em construção de um prédio para colocar todos os desembargadores é difícil. Muito difícil.

O que o sr. pretende deixar de marca na sua gestão? Eficiência. É o que procurei fazer na seção de direito público e o que procurei fazer na corregedoria. Temos que otimizar nossos instrumentos para darmos a melhor produtividade com a melhor qualidade.

RAIO-X

Ricardo Anafe, 62, é corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo e foi eleito presidente para o biênio 2022-2023. Nascido no Rio de Janeiro, é formado pela PUC-SP. Iniciou a carreira de magistrado em 1985 e foi promovido a desembargador em 2008. Entre 2014 e 2015, presidiu a seção de direito público do ​TJ-SP.

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