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Bolsonaro libera classe executiva para ministros em voos ao exterior

Decreto muda regra e permite benefício em viagens acima de 7 h; governo fala em atenuar 'déficit de ergonomia'

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Brasília

Citando a necessidade de atenuar os efeitos de um "déficit de ergonomia", o governo Jair Bolsonaro (PL) editou um decreto permitindo que ministros de Estado e cargos de confiança de alto nível da administração federal possam viajar em classe executiva durante missões oficiais ao exterior.

A norma, publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (12), estabelece que o bilhete em classe executiva poderá ser adquirido se o voo internacional for superior a sete horas, quando o passageiro for ministro de Estado ou servidor ocupante de "cargo em comissão ou de função de confiança de nível FCE-17, CCE-17 ou CCE-18 ou equivalentes".

O benefício também vale para os servidores que, na missão internacional, estejam substituindo ou representando ministros e as demais autoridades alcançadas pelo decreto.

O presidente Jair Bolsonaro, em cerimônia em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, em cerimônia em Brasília - Ueslei Marcelino - 25.nov.2021/Reuters

O decreto é assinado por Bolsonaro e pelo ministro Paulo Guedes (Economia).

Segundo nota da Secretaria-Geral da Presidência, o objetivo da alteração é "mitigar o risco de restrições físicas e de impactos em saúde dos agentes públicos que precisam se afastar em serviço da União ao exterior a fim de tentar atenuar eventuais efeitos colaterais em face de déficit de ergonomia e evitar que tenham suas capacidades laborativas afetadas".

A última alteração no decreto que trata do tema foi feita em 2018, no governo Michel Temer (MDB), e estabelecia que o transporte aéreo dos servidores em missão e dependentes seria sempre em classe econômica.

A norma fixava ainda que cabia ao servidor pagar a diferença caso quisesse viajar em classe superior.

Com a nova redação, Bolsonaro adota um entendimento parecido ao que existia antes do decreto de Temer.

Antes do decreto de 2018, ministros e ocupantes de cargos de natureza especial do Executivo Federal, comandantes e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas podiam viajar de classe executiva em voos internacionais.

Havia ainda autorização para que o presidente e o vice viajassem em primeira classe —algo que hoje teria pouco efeito, porque essas autoridades costumam se deslocar em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira).

As restrições impostas em 2018 ocorreram na esteira de um impasse, uma vez que havia entendimentos conflitantes sobre o tema.

Temer havia vetado no Orçamento daquele ano regras que permitiam gastos com bilhetes em executiva e primeira classe. Mas o decreto que estava em vigor —de 2015, no governo Dilma Rousseff (PT)— autorizava a aquisição dos assentos mais confortáveis para altas autoridades.

Também na nota sobre a mais recente modificação, a Secretaria-Geral da Presidência argumentou nesta quarta que a possibilidade de aquisição de bilhetes em classe executiva já existe nos Poderes Judiciário e Legislativo.

"No caso do Poder Executivo, essa possibilidade de emissão de passagens se restringe apenas a ministros de Estado e servidores ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança de mais alto nível, bem como seus substitutos ou representantes em efetivo exercício", afirmou o órgão no comunicado.

A norma editada pelo presidente foi criticada por parlamentares que fazem oposição ao governo.

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) ironizou o benefício.

"Gasolina aumentando pro povo. Classe executiva pra ministros. A mamata não só não acabou, como aumenta mais que a inflação!", disse no Twitter.

Sâmia Bomfim (PSOL-SP) também criticou a medida.

"Bolsonaro acaba de liberar classe executiva a seus ministros e servidores em voos para o exterior. Antes, era apenas permitida a utilização de classe econômica. A mamata não acabou, está aí pra quem quiser ver. Cara de palhaço", escreveu, também na rede social.

O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ingressou com uma representação junto ao Tribunal de Contas da União pedindo que sejam suspensos cautelarmente os efeitos práticos do decreto.

A representação ainda pede que seja estabelecida uma multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento. O documento protocolado pelo senador menciona que a população brasileira vem sofrendo com a alta da inflação e que não há qualquer justificativa, em particular nesse momento, para a emissão de passagens em "áreas de luxo" das aeronaves.

"Não podem os gestores do Executivo Federal entender que os agentes públicos são mais cidadãos do que boa parte da população brasileira, que vive, no máximo, nos limites da cesta básica, sem conseguir sequer abastecer o próprio veículo —isso quando tem um", afirma o texto da representação.

"O dinheiro público vem justamente dos tributos, em essência (dada a regressividade do sistema tributário), da classe mais baixa da população. Tais atos são uma verdadeira ofensa aos princípios que devem reger a atuação administrativa, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência", completa.

Eleito com discurso que repudiava benesses a aliados, Bolsonaro assistiu, ao longo de seu mandato, a casos em seu entorno que contrariam o pregado na campanha de 2018.

Ministros do governo chegaram a levar parentes, pastor e lobistas em voos oficiais com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira).

Jair Renan, por exemplo, pegou ao menos cinco caronas em deslocamentos solicitados por diferentes ministros.

O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) levou ao Rio de Janeiro, em agosto, o seu advogado Marcos Meira. No mesmo voo estava Davidson Tolentino, então diretor da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Os três foram mencionados em investigação da Lava Jato.

Dados enviados à reportagem mostram ainda que o pastor Arilton Moura, da Igreja Cristo para Todos, participou de viagem do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de Brasília a Alcântara (MA), em maio de 2021.

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