Instituições financeiras despontam em financiamento de pesquisas eleitorais; entenda

Conheça as regras do TSE e saiba quem tem bancado os principais levantamentos

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São Paulo

O cenário de pesquisas eleitorais divulgadas ao público amplo, na corrida para as eleições de 2022, tem sido marcado não só por uma maior frequência de resultados como de mais atores envolvidos.

Uma das novidades é que parte relevante das pesquisas divulgadas em 2021 foi financiada por empresas ou grupos do mercado financeiro ou corretoras de investimentos, para além dos veículos de comunicação.

Fora isso, por ser ano eleitoral, ao longo de 2022 as pesquisas devem ser registradas na Justiça Eleitoral antes de serem divulgadas, além de seguir uma série de regras.

Novas urnas eletrônicas, que devem ser usadas a partir das eleições de outubro - Abdias Pinheiro-13.dez.21/SECOM/TSE/Divulgação

Entenda as regras e saiba quem financia as principais pesquisas.

Quais as regras sobre pesquisas eleitorais? Pesquisas realizadas em ano de eleição têm regras específicas. Com isso, desde o dia 1º de janeiro, qualquer instituto ou empresa que queira divulgar uma pesquisa de intenção de voto deve antes registrá-la na Justiça Eleitoral com pelo menos cinco dias de antecedência.

Quem contratou a pesquisa, o valor despendido para sua realização e a origem dos recursos estão entre as informações que devem ser obrigatoriamente informadas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ao fazer o registro.

O que significa divulgar uma pesquisa? Ainda que, no senso comum, divulgar uma pesquisa possa parecer equivalente a publicá-la em veículos de comunicação, do ponto de vista jurídico, a divulgação a terceiros, mesmo que seja para públicos limitados, já configura divulgação. Uma exceção seriam as pesquisas para consumo interno de partidos.

Por que essas regras existem? As normas existem para evitar a propagação de pesquisas fraudulentas e de desinformação, conforme explica José Paes Neto, que é advogado e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).

"Vão permitir que todos que estão envolvidos no processo eleitoral consigam depois verificar a correção dos dados, se as questões de estatística foram seguidas. Por isso todas essas regras precisam ser cumpridas antes que seja feita a divulgação das pesquisas."

O que acontece com quem divulga pesquisa sem registro? A divulgação de pesquisa sem registro está sujeita a multa. No caso de a pesquisa ser fraudulenta, além da multa, o ato pode ser punido com detenção de até um ano.

Quais dados devem ser informados ao TSE? Além do contratante e valor da pesquisa, também a metodologia, o período de realização, intervalo de confiança e margem de erro da pesquisa são dados requisitados. Um dos pontos fundamentais da metodologia é definir uma amostragem representativa do eleitorado.

Os dados das pesquisas registradas ficam disponíveis no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais.

Existe alguma regra sobre enquetes? No período de campanha eleitoral, que começa em 15 de agosto, é proibida a realização de enquetes relacionadas ao pleito.

As diferenças entre enquetes e pesquisas de opinião são muitas. Enquetes não possuem metodologia nem definição de amostras representativas da população. Elas são respondidas apenas por quem toma a iniciativa de participar delas.

Empresas do mercado financeiro podem financiar pesquisas? Não há impedimento de quem pode ou não financiar as pesquisas.

Paes Neto diz que uma das lacunas das regras que valerão em 2022 é a manutenção da possibilidade de a pesquisa ser autofinanciada.

Uma proposta prevista no novo Código Eleitoral que tramita no Congresso proíbe a realização de pesquisa eleitoral com recursos da própria empresa ou entidade de pesquisa. A única exceção seriam pesquisas com finalidade jornalística feitas por empresas integrantes de grupos de comunicação social.

Para ele, essa ideia é positiva porque "enfraquece o caixa 2 e a possibilidade de manipulação dos resultados" por parte de empresas de pesquisa sem vínculo jornalístico ou de contratantes que não declaram a origem dos recursos.

Quanto à participação de empresas do setor financeiro como patrocinadoras de pesquisa, ele não vê um problema a priori e diz que, no caso de haver uso indevido para manipulação financeira, a questão foge da seara eleitoral e é competência dos órgãos reguladores dos respectivos setores.

​​A questão é colocada frente à possibilidade de determinados grupos terem acesso a resultados que podem ter impacto no mercado financeiro, antes de serem amplamente divulgadas.

Qual o impacto das pesquisas? O fato de empresas ou grupos financiarem pesquisas não é inédito. Conforme aponta Sérgio Trein, que é doutor em ciência política e professor de comunicação politica, um dos interesses das empresas para encomendar tais levantamentos era a definição de quais candidatos iriam apoiar e destinar doações. Neste caso, elas não seriam necessariamente divulgadas amplamente.

Para Trein, considerando o distanciamento da população da política, a divulgação das pesquisas e a escolha de quais possíveis candidatos entram nelas têm também um caráter de marketing e de consolidação de determinados candidatos em detrimento de outros.

"Diante desse quadro [de desinformação], a pesquisa eleitoral serve quase como um balizador, um canal de informação para as pessoas saberem quem são os candidatos efetivamente e qual o desempenho desses candidatos", diz. "Quanto antes você conseguir sair na frente melhor."

Veja o que se sabe sobre algumas das principais pesquisas divulgadas em 2021:

Datafolha

Quem conduz a pesquisa: Datafolha
Quem financia: Folha de S.Paulo

Ao longo de 2021, o Datafolha realizou quatro pesquisas de intenção de voto de caráter nacional, publicadas e pagas por esta Folha. As duas empresas fazem parte do Grupo Folha, mas são independentes.

O Datafolha possui regras específicas em relação a pesquisas eleitorais e não aceita encomendas de partidos políticos. Conforme consta no site do instituto, os levantamentos são realizados para divulgação e uso público de grandes veículos de comunicação, e uma das obrigações do veículo contratante é tornar público o resultado do levantamento.

De acordo com Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, outra política do instituto é a divulgação dos resultados assim que a coleta de dados é concluída.

"Isso é importante, porque pesquisa de intenção de voto passou a ser um instrumento de especulação no mercado financeiro", diz. "Tudo que os investidores querem saber às vésperas da divulgação de uma pesquisa é o resultado antecipado que os institutos mais tradicionais vão dar."

Futura/Modalmais

Quem conduz a pesquisa: Futura Inteligência
Quem financia: Modalmais

Também são divulgadas as pesquisas de intenção de voto realizadas pelo instituto Futura Inteligência e financiadas pelo banco digital e plataforma de investimentos Modalmais.

De acordo com a Futura, o Modalmais recebe os resultados das pesquisas assim que a coleta de dados está finalizada e os resultados tabulados. A última rodada da pesquisa foi realizada entre os dias 7 e 13 de dezembro e divulgada no dia 14.

Questionado se o Modalmais ou seus clientes tinham acesso antecipado às pesquisas, o Banco Modal afirmou: "O Banco Modal contrata a Futura Inteligência para realização de pesquisa e divulga para a mídia de acordo com a norma do TSE". O TSE, contudo, não determina a divulgação, além disso suas regras só se aplicam a anos eleitorais.

Em resposta à Folha, a Futura afirmou também realizar pesquisas de intenção de voto pagas por outros grupos ou empresas, bem como partidos políticos, mas que tem como previsão para 2022 fazer isso apenas em caráter regional e não em pesquisas nacionais.

Ideia/Exame

Quem conduz a pesquisa: Instituto de Pesquisa Ideia (antes, Ideia Big Data)
Quem financia: Revista Exame, que pertence ao banco BTG Pactual

Desde 2020 vêm sendo divulgadas pesquisas de intenção de voto conduzidas pelo Ideia e financiadas pela Revista Exame –que foi adquirida no final de 2019 pelo banco BTG Pactual. A parceria une o instituto de pesquisa e o braço de análise de investimentos da Exame, a Exame Invest Pro.

A rodada mais recente da pesquisa foi realizada entre os dias 6 e 9 de dezembro, e divulgada em 10 de dezembro.

Questionada se a Exame Invest Pro, o BTG Pactual ou seus clientes têm acesso antecipado aos dados das pesquisas que são divulgadas pelo veículo de comunicação ao público geral, a Exame respondeu que "o tempo entre o encerramento da coleta de dados e a divulgação para o público é sempre o mínimo possível". "A Exame recebe os resultados após o fechamento do mercado e divulga em seus canais oficiais antes da próxima abertura."

De acordo com a Ideia, em resposta à Folha, a empresa também realiza pesquisas para outros grupos ou empresas, mas divulgações públicas ocorrem somente com a Exame. "Nosso foco nas eleições de 2022 é o setor privado e não partidos, políticos e campanhas", disse em mensagem.

Ipec, antigo Ibope

Quem conduz a pesquisa e financia: Ipec

O Ipec (Inteligência, Pesquisa e Consultoria) foi fundado por ex-executivos do Ibope Inteligência, que deixou de existir no início de 2021. Márcia Cavallari, que era presidente do Ibope, é a CEO do Ipec.

Ao longo de 2021, a nova empresa realizou quatro pesquisas de intenção de voto. De acordo com Cavallari, os custos com a realização do levantamento são do próprio Ipec.

Ela explica que as perguntas são incluídas nas pesquisas Bus do instituto, que inclui perguntas de diversas empresas em uma única pesquisa, com custos compartilhados. "A gente rateia, junto com os demais clientes, os custos da execução dessa pesquisa nacional", afirmou.

Cavallari diz que os resultados foram distribuídos para veículos de comunicação como a TV Globo e o jornal O Estado de S. Paulo. O Ipec aceita encomendas de pesquisas de partidos ou políticos.

Ipespe/XP

Quem conduz a pesquisa: Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas)
Quem financia: XP Inc.

Ao longo de 2021, uma das pesquisas que teve maior frequência foi a Ipespe, encomendada pela XP, que possui a corretora de valores XP Investimentos. Parte delas está disponibilizada no site da empresa.

A última rodada, em dezembro de 2021, foi realizada entre os dias 14 e 16 de dezembro e divulgada no dia 20 do mesmo mês.

Questionado se a XP ou seus clientes têm acesso antecipado aos dados antes da divulgação a veículos de imprensa, o Ipespe afirmou que: "Pelo código de ética do Instituto e por cláusula contratual, o Ipespe não fornece informações inerentes aos nossos clientes". A XP informou que "clientes e áreas da XP que têm posição ou qualquer ligação com os mercados não têm acesso antecipado a esses resultados" e que a divulgação dos resultados segue a legislação pertinente.

Quaest/Genial

Quem conduz a pesquisa: Quaest
Quem financia: Genial Investimentos

Outra parceria envolve a corretora de investimentos digital Genial Investimentos, que é controlada pelo Banco Genial, com a empresa de consultoria e pesquisa Quaest.

Existe uma página online da parceria, na qual estão disponibilizadas seis pesquisas de 2021, uma por mês, abrangendo o período de julho a dezembro.

Em resposta à Folha, a Quaest afirmou que a divulgação dos resultados "é feita de forma uniforme, simétrica e universal". "A Genial recebe o resultado da pesquisa assim que ele é concluído na terça (geralmente a primeira terça do mês). Seus clientes e os veículos de comunicação recebem na quarta pela manhã, juntos."

A Quaest aceita encomendas de diversos grupos, empresas, universidades e partidos políticos, mas afirma que, em 2022, pesquisas de intenção de voto serão realizadas exclusivamente para a Genial Investimentos. "Nosso contrato impede que sejamos contratados por outras instituições financeiras."​

PoderData

Quem conduz: PoderData
Quem financia: Poder360

O PoderData é uma empresa de pesquisas de opinião do grupo de comunicação Poder360. De acordo com a empresa, os resultados de suas pesquisas de intenção de votos são usados para fins jornalísticos.

Conforme consta em seu site, o PoderData não atende a governos, partidos ou políticos. "A condução dos levantamentos é baseada nas regras de excelência do jornal digital Poder360 e expressa na sua política editorial."

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