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Código eleitoral histórico faz 90 anos com legado de inovações e uso político de Vargas

Marco histórico, decreto introduziu os votos secreto e feminino e criou a Justiça Eleitoral

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São Paulo

Em 24 de fevereiro de 1932, Getúlio Vargas assinava o decreto que instituiu o primeiro Código Eleitoral do país em meio a um período de grande instabilidade política.

Marco histórico da regulação sobre as eleições no país, o decreto introduziu diversas inovações importantes que até hoje integram o sistema eleitoral brasileiro, como o voto secreto, o voto feminino, o sistema de representação proporcional, além de ter criado a Justiça Eleitoral.

Foto em preto e branco, mostra oito homens todos em pé, um ao lado do outro. Parte usa terno e dois deles utilizam uniformes militares
Getúlio Vargas (ao centro), então chefe do governo provisório, e lideranças da Revolução de 1930. À direita de Vargas, o político Assis Brasil, um dos autores do Código Eleitoral de 1932 - CPDOC/FGV

Desde a Revolução de 1930, quando o movimento liderado por Vargas tomou o poder, o Congresso Nacional e demais órgãos legislativos estavam dissolvidos e as eleições, suspensas, assim como a Constituição anterior. Vargas governava por meio do poder discricionário.

Após o então presidente Washington Luís (1926-1930) apoiar Júlio Prestes, um paulista, para sua própria sucessão, indo contra a alternância estabelecida pela política do café com leite, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba se reuniram na Aliança Liberal.

Com a vitória de Prestes e diante de acusações de fraudes, o movimento decidiu depor Washington Luís.

Apesar de formalmente as novas regras eleitorais apontarem para um caminho de democratização e de combate às fraudes da Primeira República (1889-1930), especialistas que pesquisam o período avaliam que, naquele contexto, a opção pelas novas regras não foi pautada por um anseio democrático.

Para Jaqueline Zulini, que é professora e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV (Fundação Getulio Vargas), há um equívoco comum em se associar o Código Eleitoral de 1932 à democracia.

"Como se trata de um amplo pacote de reformas, criador de inovações institucionais históricas que atualmente seguem em vigor, muitas delas consideradas indispensáveis para uma representação política democrática, tende-se a perder de vista o caráter autoritário do governo provisório de Vargas", avalia.

Zulini assina parte dos artigos que integram o livro "O Autoritarismo Eleitoral dos Anos 30 e o Código Eleitoral de 1932", que reúne pesquisadores de diferentes instituições e foi organizado pelo professor de ciência política Paolo Ricci, da USP.

A análise é que sancionar o Código Eleitoral era importante para conferir legitimidade ao Governo Provisório, instituído após a Revolução de 1930.

"Seria muito custoso para um movimento que derrubou o regime anterior alinhavando todo o seu discurso reformista em cima deste conjunto de medidas passar a renegá-las no momento de repensar as novas regras eleitorais", diz Zulini.

Além de serem medidas encampadas pela Revolução de 1930, a maior parte das principais mudanças já era reivindicada há décadas. Exemplo disso é o voto feminino, que já tinha sido colocado em pauta, mas barrado na formulação da primeira Constituição republicana, em 1891.

"Havia amplos setores nacionais que almejavam, que cobravam o presidente pela construção de um novo pacto eleitoral que não fosse aquele da Primeira República, marcado pelas fraudes, pelo voto aberto, pelas violências envolvendo isso", afirma professor do Instituto Federal Fluminense Raimundo Helio Lopes, que tem como um de seus focos de pesquisa o período do Governo Provisório.

De acordo com ele, apesar de as reformas eleitorais representarem uma bandeira do próprio movimento que o levou ao poder, havia muita incerteza quanto à posição efetiva de Vargas, além de claros indicativos de que ele titubeava em relação à reconstitucionalização.

"Esse imediato pós-30 foi um processo muito confuso. Onde aliados pouco depois viram inimigos, correntes se formam, outras se dissolvem", afirma Lopes. "É um momento muito nebuloso de uma organização política. Não só institucional, mas dos sujeitos históricos de uma organização política. Para saber para onde iriam."

Código Eleitoral é considerado vitória de revolucionários

A publicação do Código Eleitoral de 1932 é considerada uma vitória do grupo de revolucionários que defendia a constitucionalização do país. Isso porque, dentro do próprio Governo Provisório, havia correntes que não queriam novas eleições, tampouco uma nova Constituição.

Entre os que pressionavam o chefe do governo para que mantivesse o regime fechado estavam os tenentistas. Movimento de jovens oficiais insatisfeitos com a situação do país e que se insurgiu no início da década de 20, o tenentismo fez parte do grupo que derrubou a Primeira República em 1930 e disputava espaço no governo.

Inaugurada por Vargas em maio de 1931, a comissão responsável pela reforma eleitoral sofria críticas à época pela demora para concluir seu trabalho. Composta por Assis Brasil, João Chrysostomo da Rocha Cabral e Mario Pinto Serva, ela publicou um anteprojeto para consulta pública em agosto de 1931.

Além disso, seus trabalhos só teriam agilidade a partir de dezembro de 1931, quando Vargas troca o ministro da Justiça que liderava a comissão. Saiu Osvaldo Aranha, tido como contrário à constitucionalização naquele momento, que foi substituído pelo jurista Maurício Cardoso –favorável à restauração das eleições.

Meses depois da sanção do Código em fevereiro, em 14 de maio de 1932, Vargas publicou um decreto que convocava, para dali um ano, as eleições que definiriam os integrantes da Assembleia Constituinte a ser realizada em 1933. A medida não foi suficiente, contudo, para diminuir a desconfiança e oposição dos paulistas ao governo.

Em 9 de julho de 1932, estava oficialmente declarado estado de guerra entre São Paulo e o governo federal, conflito que ficou conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932, e que tinha como uma de suas bandeiras, como o próprio nome indica, a constitucionalização do país.

Inovações favoreceram governo, dizem pesquisadores

Além da resistência que se deu em meio ao Governo Provisório para que voltasse a haver eleições, a avaliação dos pesquisadores é que, da maneira com que as inovações do Código Eleitoral foram implementadas, houve favorecimento do governo.

Na avaliação do professor Paolo Ricci, a reforma mais importante de 32 é a representação proporcional. "O que acontece de fato na Segunda República, que seria os anos 30, é justamente a aceitação de que as oposições têm direito a serem representadas."

Além das fraudes sistemáticas e coação de eleitores, regra ao longo da Primeira República, um outro problema para a oposição era a falta de participação das chamadas minorias. Com a representação proporcional, a ideia é que mesmo grupos menos votados consigam ganhar postos no Legislativo.

Ele avalia que os resultados das pesquisas mostram que medidas como o voto secreto, o voto feminino e mesmo a criação da Justiça Eleitoral tiveram efeitos ainda limitados no período que vai da publicação do novo Código até 1937, quando tem início o período ditatorial do Estado Novo.

"O Código não acaba com a fraude, no máximo a modifica, ou seja modifica a forma como os próprios partidos buscam controlar o processo eleitoral", afirma Ricci.

Ainda que a efetivação do novo Código tenha encontrado obstáculos, a nova lei promoveu mudanças institucionais consideradas importantes e que foram incorporadas pelas legislações posteriores.

"Se havia limites? Havia. Mas havia, pela primeira vez, uma Justiça Eleitoral que julgava, investigava equívocos, erros e fraudes eleitorais", ressalta Lopes (IFF).

"Houve ali de alguma maneira, pela primeira vez na história republicana brasileira, podemos dizer assim, uma imprevisibilidade eleitoral. Uma oposição minimamente organizada, mas, ao mesmo tempo, com os limites impostos por aquela conjuntura da época", diz.

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