Modelo para eleição ao Legislativo completa 90 anos ainda sob disputa

Sistema proporcional, usado para definir deputados e vereadores, abriu espaço para oposição

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São Paulo

Hoje, nas eleições para o Legislativo, com exceção do Senado, o eleitor pode estar ajudando a eleger não o candidato a quem deu seu voto, mas um outro candidato mais bem votado deste mesmo partido.

Isso ocorre porque o Brasil adota o sistema eleitoral proporcional, em que as cadeiras na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais são distribuídas não simplesmente com base em quais candidatos receberam mais votos, mas sim de modo proporcional à votação total de cada partido.

A introdução deste tipo de sistema no país acaba de completar 90 anos. Em fevereiro de 1932, Getúlio Vargas decretou um novo Código Eleitoral que, além da representação proporcional, trazia outras inovações como a criação da Justiça Eleitoral e a introdução do voto feminino.

Plenária da Assembleia Nacional Constituinte, em 1934, no Rio de Janeiro, primeira eleita sob o Código de 1932 - Congresso Nacional

"Porque a eleição exige um número menor de votos neste tipo de sistema político, ele tende a favorecer minorias", explica Andréa Freitas, que é professora de ciência política da Unicamp e coordenadora do Núcleo de Estudos das Instituições Políticas e Eleições do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

"Ele não é um sistema completamente fechado só para os grandes partidos, como é o caso de sistemas majoritários como o dos Estados Unidos", diz.

O sistema proporcional aprovado em 1932, contudo, além de considerado complexo, ainda não era totalmente proporcional. Feitos os cálculos dos eleitos pelos quocientes eleitoral e partidário, a distribuição das sobras das cadeiras era feita apenas com base nos mais votados.

A Constituição de 1891, a primeira promulgada após a proclamação da República, determinava que a Câmara dos Deputados seria composta "mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria".

Por minorias, à época, entendia-se os grupos políticos de oposição ao governo, as minorias políticas. Apesar da previsão constitucional, a realidade foi outra.

Ao longo da Primeira República (1889-1930), a tônica eleitoral era marcada pela hegemonia dos partidos republicanos estaduais e pela política dos governadores, em que as elites locais garantiam apoio ao governo federal e vice-versa.

Nesse período, para além da discussão sobre como combater as fraudes eleitorais generalizadas, também se fazia presente o debate a respeito de mudanças nas leis, de modo a permitir que a oposição ganhasse assentos no Parlamento.

Em 1916, por exemplo, a legislação previu o voto cumulativo, o que permitia ao eleitor concentrar em um mesmo candidato todos os votos de que dispunha, ao invés de distribuí-los entre diferentes candidatos. A regra poderia favorecer grupos de oposição, na medida em que elas apresentassem apenas um candidato, o que permitiria concentrar votos.

Outras regras, até anteriores à República, chegaram a ser implementadas, contudo sem que se convertessem em uma garantia efetiva de acesso das oposições a assentos no Legislativo.

Em 1868, o político e romancista José de Alencar, conhecido por clássicos da literatura como Iracema, alertava para a necessidade de representação das minorias no livro "O systema representativo".

Já em 1893, o político gaúcho Assis Brasil defendia, em "A Democracia Representativa", a adoção do sistema que, de fato, quase 40 anos mais tarde seria implementado.

Assis Brasil foi nomeado por Vargas como um dos membros da comissão que reformaria as regras eleitorais do país. O jurista foi um dos integrantes da chamada Revolução de 1930, movimento que depôs a Primeira República e que tinha como uma de suas bandeiras a moralização das eleições.

Se antes da reforma eleitoral os partidos com mais votos nas urnas raramente viam seus candidatos derrotados, o cenário pós-32 é outro, aponta o pesquisador e professor de ciência política Paolo Ricci, da USP.

Ricci é organizador do livro "O Autoritarismo Eleitoral dos Anos 30 e o Código Eleitoral de 1932", que reúne artigos de pesquisadores de diferentes instituições.

"Um caso clássico de São Paulo é o PRP (Partido Republicano Paulista), que dominou a cena partidária da Primeira República", diz. "Com o sistema proporcional, isso significa que há um mecanismo institucional, ou seja, uma regra que permite às oposições serem representadas, mesmo elas ganhando poucos votos."

Ao calcular as taxas de sucesso dos partidos vitoriosos nos pleitos da Primeira República e da década de 30, Ricci aponta que houve diferenças consideráveis. Tal taxa vem da quantidade de candidatos do partido mais bem votado em cada estado que foram eleitos.

Enquanto a média da Primeira República foi de 95,2%, nas eleições dos anos 1930, ela passou para 77,1%.

"Isso mostra que nos anos 1930 os partidos mais bem-sucedidos não conseguem eleger todos os candidatos que concorrem ao pleito, diferentemente da Primeira República.", analisa Ricci.

Em São Paulo, o valor percentual das derrotas do PRP vai de 4,8%, entre 1899 e 1930, para 22% e 35%, respectivamente, nas eleições de 1933 e 1934.

Ao mesmo tempo em que Vargas parece acenar para uma postura democrática com introdução de uma regra que dá espaço à oposição, especialistas apontam que é preciso analisar com mais cuidado as motivações do grupo que tinha ascendido ao poder com o golpe de 1930.

Com os estados nas mãos de interventores, que tinham sido nomeados pelo próprio Vargas, o gaúcho buscou tirar vantagem na reorganização das forças políticas e no alistamento de eleitores.

Ainda assim, de acordo com o cientista político e professor da USP Glauco Peres, que assina artigo em conjunto com Ricci sobre o tema, é preciso levar em conta que, nas décadas anteriores, era esse grupo que estava na oposição e não havia garantias de que eles venceriam, nas urnas, as oligarquias locais.

"No fundo, apesar de ter acesso ao governo, eles não tinham braço, não tinham uma organização forte o suficiente para disputar com as oligarquias anteriores", analisa Peres. "Criar a legislação proporcional era uma forma de que, nos lugares onde eles fossem minoria, eles ganhassem assentos também."

"Essa proposição era conservadora, do ponto de vista de quem estava no governo, porque reconhecia nos adversários, que eram as elites de Minas e São Paulo em particular, um potencial enorme para permanecer no poder."

O levantamento dos pesquisadores mostra, ainda assim, que as eleições de 1933 e 1934 viram um aumento no número de partidos em todos os estados em comparação ao período anterior.

Enquanto na Primeira República, entre 1899 e 1930, o número médio de siglas disputando vagas para a Câmara dos Deputados foi de 1,9%, esse valor subiu para 4,9% em 1933, e para 6% no ano seguinte.

Pelos dados coletados nos boletins eleitorais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foram contabilizados 109 partidos em 1933 e 128 partidos em 1934. Naquele momento, o Brasil ainda não possuía partidos nacionais, as agremiações tinham atuação estadual, daí o número tão grande.

Para Ricci, a variação é uma consequência direta da introdução da proporcional, pois com a possibilidade de os partidos conseguirem acessar cadeiras na Câmara, também a disputa entre as correntes políticas em todos os estados aumentou.

Como explica a cientista política Freitas (Unicamp), o aumento de partidos é uma das marcas do sistema representativo.

De acordo com a professora, entretanto, o número elevado foge do padrão visto em outros países que adotam o sistema. Com mais de 30 agremiações, o número excessivo de partidos no desenho brasileiro é alvo de constantes críticas.

"Essa quantidade absurda de partidos que a gente tem no Brasil não é reflexo do sistema proporcional propriamente dito, mas de outros mecanismos institucionais", diz ela, citando como exemplo as maneiras como sãos distribuídos os fundos eleitoral e partidário, assim como o horário eleitoral gratuito.

Como a depender do total de votos de cada partido também pode acontecer que um candidato pior posicionado, mas de um partido mais bem votado seja eleito, muitos partidos buscam por campeões de voto ou puxadores de votos.

Freitas ressalta que seria importante a população ter conhecimento sobre como o voto é convertido em cadeiras. "O nosso sistema funcionaria melhor se as pessoas tivessem clareza das escolhas que elas estão fazendo", analisa. "Você está dando uma cadeira primeiro ao partido e não ao candidato."

Ao longo dos últimos anos, o Congresso já tentou mais de uma vez abandonar o sistema proporcional.

No ano passado, por 423 votos a 35, o modelo chamado distritão foi rejeitado pelo plenário da Câmara pela terceira vez —as duas vezes anteriores ocorreram em 2015 e 2017.

No distritão, seriam eleitos para a Câmara, Assembleias e Câmaras Municipais os candidatos mais bem votados.

Entre os pontos negativos do modelo, segundo especialistas, está o fato de que ele favoreceria que pessoas mais conhecidas, como celebridades, sejam eleitas. Além disso, enfraqueceria os partidos políticos.

Outra diferença entre os dois modelos é que, com o sistema majoritário, os votos dados em candidatos não eleitos são desperdiçados, enquanto, no proporcional, eles podem ajudar a eleger outros concorrentes do mesmo partido.

Nas últimas eleições para o Senado em São Paulo, por exemplo, os dois candidatos eleitos tiveram respectivamente 25,8% e 18,6% dos votos válidos. Isso implica que mais da metade dos votos foi dada a candidatos não eleitos.

Para Peres, não se tem clareza sobre quais problemas as propostas que têm sido colocadas sobre a mesa no Brasil buscam resolver.

"Quando se diz, a gente tem baixa representatividade do sistema político, isso passa pelos partidos também. Então a gente poderia imaginar alterações que mudem a maneira como os partidos funcionam sem alterar o código eleitoral", diz.

"Distritão, por exemplo, não tem sentido nenhum, encarece a eleição e vai tornar ainda mais elitizada. As propostas que apareceram, até agora, elas não têm muita razão de ser, porque você não sabe que problemas elas vêm resolver."

Como funciona o sistema proporcional hoje

A QUAIS CARGOS SE APLICA

  • Câmara dos Deputados
  • Assembleias Legislativas
  • Câmaras Municipais

COMO É CALCULADO

Quociente eleitoral: Após a apuração dos votos, primeiramente, é calculado o número mínimo de votos que um partido tem que ter para ter direito a pelo menos uma cadeira

Quociente eleitoral = votos válidos totais dividido pelo total de cadeiras

Quociente partidário: Sabendo o equivalente de votos mínimo para obter uma cadeira, são calculadas as cadeiras a que cada partido tem direito. O número é obtido pela soma dos votos obtidos por todos os candidatos de um partido (ou federação partidária), que é então dividida pelo quociente eleitoral.

Quociente partidário = votos válidos do partido são divididos pelo quociente eleitoral

QUEM É ELEITO

  • Apenas os candidatos de partidos que atingiram o quociente eleitoral obtém cadeiras

  • Os candidatos eleitos de cada partido são aqueles que tiveram mais votos, dentro de cada partido, até atingir o quociente partidário
  • Para evitar que candidatos com votação inexpressiva sejam eleitos, puxados por campeões de voto, desde as últimas eleições nacionais, cada candidato precisa ter obtido sozinho pelo menos 10% do quociente eleitoral para ser eleito
  • Depois disso, se sobrarem cadeiras, elas também são distribuídas de modo proporcional entre os partidos

Sistema majoritário

A QUAIS CARGOS SE APLICA

  • Presidência da República

  • Governos estaduais

  • Prefeituras

  • Senado

QUEM É ELEITO

Os candidatos mais votados

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