Não há ameaça real, superamos ciclos do atraso, diz Barroso sobre democracia e eleições

Presidente do TSE fala sobre ataques de Bolsonaro e afirma não crer que militares queiram se envolver na política

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Brasília

O ministro Luís Roberto Barroso deixará a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na próxima terça-feira (22), após os quase dois anos em que organizou uma eleição municipal ainda no primeiro ano da pandemia da Covid-19, criou uma comissão de transparência com um indicado das Forças Armadas e fez parcerias com redes sociais para evitar compartilhamentos de desinformações.

Nesse período, ele e a Justiça Eleitoral também foram alvo de intensos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL), por meio de xingamentos e de acusações sem comprovação de fraudes. Barroso será substituído no cargo pelo ministro Edson Fachin, que comandará o TSE até agosto.

O ministro Luís Roberto Barroso - Antonio Augusto - 23.abr.2021/Secom/TSE

"Eu optei por não entrar com ação penal, queixa-crime [contra o presidente], por muitas razões, mas a principal é que eu não trato isso como uma questão pessoal. A democracia foi a causa da minha geração e eu me mobilizo para defendê-la, mas eu não paro para bater boca", afirmou o ministro, em entrevista à Folha.

Nos últimos dias, o TSE enviou uma série de respostas para as Forças Armadas sobre 80 dúvidas apresentadas em relação às urnas eletrônicas. O documento tem 700 páginas e, a pedido dos militares, estava sob sigilo. Diante de vazamentos sobre seu teor, porém, Barroso decidiu divulgá-lo na tarde desta quarta-feira (16).

Antes, o ministro disse à Folha que vinha considerando essa possibilidade. "Eu apenas não divulguei porque havia um trato feito no âmbito da Comissão [de Transparência Eleitoral] de que as coisas ali debatidas seriam mantidas sob reserva e que, ao final, se faria um relatório noticiando o que foi discutido."

O ministro Edson Fachin apontou uma preocupação do TSE com ameaças autoritárias. O sr. acha que existe uma ameaça real e que ela pode prejudicar as eleições? Eu não acho que haja uma ameaça real, mas houve momentos de preocupação, como o comício na porta do quartel-general do Exército, como tanques de guerra na Praça dos Três Poderes, como ataques infundados ao sistema eleitoral, o pronunciamento do 7 de Setembro com ofensas ao ministro do Supremo e a declaração de que não cumpriria mais decisões judiciais.

Esses são sinais preocupantes. Mas acho que as instituições brasileiras, tanto as instituições formais quanto as informais, reagiram de uma forma muito positiva, demonstrando a vitalidade da democracia.

Eu me refiro à imprensa, ao presidente da Câmara, ao presidente do Senado, ao presidente do Supremo e à intelectualidade de maneira geral.

Acho que nós já superamos os ciclos do atraso e que não há risco de retrocessos, mas eu gosto de citar uma frase da Legião Urbana em que eles dizem "não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas".

O dano dos ataques que o presidente Jair Bolsonaro tem feito ao sistema eleitoral pode ser revertido? Eu acho que a percepção crítica do sistema eleitoral é de uma parcela muito pequena da população. O próprio Datafolha fez a pesquisa e deu pouco mais de 20%.

Portanto, o presidente falando todos os dias contra o sistema gerou desconfiança em pouco mais de 20% da população. Certamente, gente que não conviveu com todas as fraudes que havia no tempo do voto em papel.

Quando o sr. assumiu o TSE, estava preparado para tantos ataques, inclusive pessoais, do presidente da República ou esperava uma postura mais institucional? A gente tem de viver a vida como vem. Eu não tinha muitas previsões e trato ataques pessoais com a pouca relevância que eu acho que eles merecem. Mas reagi imediatamente aos ataques institucionais, no tom que me parecia próprio.

O presidente deve ser responsabilizado por esses ataques, na sua visão? Eu optei por não entrar com ação penal, queixa-crime [contra o presidente], por muitas razões, mas a principal é que eu não trato isso como uma questão pessoal. A democracia foi a causa da minha geração e eu me mobilizo para defendê-la, mas eu não paro para bater boca. Acho que algumas pessoas são espiritualmente desencontradas, mas eu não dou a elas o poder de me tirar do meu centro.

Mas e em relação aos ataques institucionais, não só pessoais? Nesses, onde havia acusações falsas de fraude, o Tribunal Superior Eleitoral fez uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal para apuração. Depois, fiz outra notícia-crime quando do vazamento de dados da arquitetura do TSE que estavam em inquérito sigiloso da Polícia Federal.

Essas apurações vão ter conclusão em breve? Quem conduz os inquéritos é o ministro Alexandre de Moraes.

O vereador Carlos Bolsonaro vai comandar a campanha digital do pai, o presidente. Ele tem um histórico de ataques e desinformação nas redes sociais. Ex-ministros também estão apresentando desinformações em relação à viagem à Rússia. Vai ser um problema nas eleições? A desinformação em si é um problema. Eu não falo de pessoas, mas a desinformação é um problema tão grande que nós temos, no TSE, uma comissão permanente de enfrentamento à desinformação.

Ontem [terça-feira, 15], assinamos parcerias com todas as principais redes sociais que operam no Brasil para o enfrentamento da desinformação, sobretudo dos chamados comportamentos inautênticos, que é a utilização de robôs, perfis falsos e trolls —pessoas contratadas para difundir notícias falsas—, e para minimizar o risco dos disparos em massa ilegais. Estamos tomando as providências possíveis, sobretudo para a proteção do sistema eleitoral.

O TSE tem investido bastante em transparência a respeito do processo de votação. Nesse sentido, as respostas dadas aos militares a respeito das urnas não poderiam ter sido públicas? [O conteúdo foi divulgado nesta quarta após a entrevista] Olha, não há nenhum problema, nem nas perguntas nem nas respostas, que impeça a divulgação.

Apenas não divulguei porque havia um trato feito no âmbito da Comissão [de Transparência Eleitoral] de que as coisas ali debatidas seriam mantidas sob reserva e que, ao final, se faria um relatório noticiando o que foi discutido. Mas, para ser sincero, diante do vazamento, nós estamos considerando divulgar publicamente, porque não há nenhum problema. Não tem nada comprometedor, não tem nenhuma crítica. São só perguntas e respostas técnicas. Para falar a verdade, é um documento técnico de leitura árdua.

Os srs. chegaram a conversar com o general indicado para a comissão a respeito disso? Porque a falta de divulgação tem dado munição ao presidente para fazer ataques ao TSE e às urnas. Não conversamos a respeito.

O general [da reserva e ex-ministro da Defesa] Fernando Azevedo não vai ser mais diretor-geral do TSE. Isso dá uma sinalização ruim? Primeiro, é uma pena, porque ele é um quadro altamente qualificado, mas, se uma pessoa alega motivos de saúde, tudo o que você pode fazer é aceitar a decisão.

Mesmo sem Azevedo, os militares vão ter uma participação maior nessa eleição do que nas anteriores, já que fazem parte da Comissão de Transparência Eleitoral e solicitam informações. Isso dá mais segurança às eleições ou traz riscos? Eu não acho que são [todos] os militares. Tem um representante das Forças Armadas indicado pelo ministro da Defesa. Em mais de 30 anos de democracia do Brasil, os militares não se envolveram em política e não creio que queiram se envolver em política, e é bom que seja assim.

O sr. tem conversado com plataformas de redes sociais e muito já se discutiu sobre como elas lucram com desinformação. Isso continua sendo um problema? Existe um problema que não é propriamente das plataformas, é um problema da condição humana.

O ódio, a mentira e sensacionalismo geram muito mais engajamento do que um discurso racional e moderado. O post ou a notícia absurda dão muito mais cliques, e a remuneração das plataformas em geral se dá em função do número de acessos.

Portanto, há um problema que precisa ser neutralizado. Para isso, existe a legislação e existem os acordos que nós estamos fazendo, pelos quais, consensualmente, se procura evitar esse tipo de abuso.

O sr. disse que o Telegram vai estar no acordo que o TSE fez com as plataformas ou "não vai estar". O que quis dizer com isso? Eu acho que, para atuar no Brasil e ser um ator relevante no processo eleitoral brasileiro, qualquer plataforma e qualquer entidade precisa estar submetida à legislação brasileira e às decisões da Justiça brasileira. Não é [só] o Telegram.

Mas o Telegram, necessariamente, teria de participar do acordo com o TSE? Eles têm de ter uma representação que possa receber e cumprir as ordens e seguir a legislação brasileira. Já há um projeto na Câmara dos Deputados, aprovado no Senado, que diz isso. É uma questão de fazer valer.

Eu tenho dito que o ideal é que o Congresso tome essa deliberação, mas, se o Congresso não tomar essa deliberação, a matéria provavelmente vai chegar, se não ao TSE, ao menos no Supremo.

O acordo seria um passo à frente que o Telegram teria que tomar, não? Mas é que um acordo exige um consenso. A característica de acordo é que é um ato de vontade, e portanto ninguém é obrigado a fazê-lo. Mas, a cumprir a lei, é.

O presidente da Câmara disse que deseja que essa lei das fake news não seja contra o Telegram especificamente e que seja moderada... Eu estou de acordo. Uma lei não deve ser especificamente contra ninguém. A característica de uma lei é ser uma norma geral e abstrata. Vale para todo mundo.

Em 2020, os usuários tiveram bastante dificuldade em justificar ausência no aplicativo do TSE. Esse problema está resolvido para esse ano? Está bem equacionado. É preciso lembrar que o TSE, no dia das eleições, sofreu um massivo ataque –chama-se ataque de negação de serviço.

Milhares de computadores de diferentes partes do mundo tentaram derrubar o sistema do TSE, sem conseguirem. Eu sou muito convencido de que a coordenação desses ataques veio daqui de dentro do Brasil, mas a Polícia Federal infelizmente nunca conseguiu chegar nos atores.

Há proteção para um novo ataque massivo? O que eu posso assegurar é que não há risco de um ataque interferir no resultado das eleições, porque as urnas nunca entram em rede.

Você pode derrubar o sistema do TSE, mas não tem como fraudar a eleição, porque a urna eletrônica, às 17h, quando termina a votação, imprime o boletim com o resultado da eleição. Esse boletim é impresso em muitas vias, é distribuído aos partidos e é colocado na internet.

O envio desses dados ao TSE é só para fazer a totalização. São quase 6.000 municípios, milhares de candidatos e você faz uma totalização centralizada, mas dá para fazer a conta à mão. Não tem como fraudar a eleição.

Eu não posso garantir que não vá haver ataque, nem posso garantir que não vão derrubar o sistema. Posso dizer que até agora nunca conseguiram. Mas, se derrubarem, não acontece nada de ruim no tocante ao resultado das eleições.

Luís Roberto Barroso, 63
Nascido em Vassouras (RJ), o ministro se formou, fez doutorado e deu aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Além de atuar na advocacia privada, foi procurador do estado no Rio. Foi indicado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013

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