Olavo de Carvalho deixa vácuo na direita, e ex-alunos divulgam ideias de escritor

Morte alçou ideólogo bolsonarista a um patamar celestial entre seus 'olavetes', até com campanha para que ele seja canonizado

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São Paulo

Entre os seus, Olavo de Carvalho até que era um cara doce. Colocava metade de açúcar, metade de café nas xícaras que entornava durante o curso que dava de sua casa na Virgínia (EUA), "o único que pode ajudar você a praticar a filosofia em vez de apenas repetir o que outras pessoas, ilustres o quanto se queira, disseram a respeito dela".

Pouco edulcorada, contudo, era a oratória de "um dos maiores pensadores da história do nosso país", em palavras do presidente Jair Bolsonaro que tão bem condensam a mentoria intelectual que a chamada nova direita encontrou no homem que praguejava contra o marxismo cultural antes de virar modinha.

A morte de Olavo, no fim do mês passado, o alçou a um patamar celestial entre seus "olavetes", e a campanha para que ele seja canonizado provoca soluços de vida real nessa metáfora.

Por outro lado, deixou um vácuo ainda a ser preenchido no pensamento extremista. Não há herdeiros óbvios do espólio olavista. Muitos ex-alunos se ocupam de difundir as ideias de seu mestre, sem que apontem um substituto natural para ele.​

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O escrito Olavo de Carvalho, um dos principais representantes do conservadorismo brasileiro - Vivi Zanatta - 6.out.2017/Folhapress

Os pitacos do autor do best-seller "O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota" ressoaram primeiro no coração do deputado Eduardo Bolsonaro e depois na Presidência de seu pai.

A primeira equipe de Esplanada de Bolsonaro contou com dois discípulos de Olavo, Ricardo Vélez Rodríguez (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores). Também pelo MEC passou Abraham Weintraub, que no fim de 2021 defendeu o ex-professor de fogo amigo.

Olavo acusou Bolsonaro de o usar como "poster boy" para se eleger, daí atrair para si a fúria de seguidores do presidente. "Professor Olavo traidor? Comunista? Precisa ser destruído? Vocês estão loucos?"

Os mosqueteiros do guru de Virgínia estão por toda parte. No Congresso tem Filipe Barros, Bia Kicis, Carlos Jordy. Também deputada, Carla Zambelli traça um "antes e depois" de Olavo. "Não há substituto para quem tenha um legado deste tamanho."

Das redes sociais vêm o foragido Allan dos Santos, do site Terça Livre, e o youtuber católico Bernardo Küster.

A Brasil Paralelo, produtora audiovisual conservadora, divulgou na quarta (2) um "in memoriam" que beira à hagiografia. De quebra, resgata episódios curiosos da trajetória de Olavo —como sua temporada comunista, nos anos 1960, quando morou com os futuros petistas José Dirceu e Rui Falcão na Casa dos Estudantes.

O pelotão olavista no governo é encabeçado por Filipe Martins, o assessor de assuntos internacionais que, um ano atrás, reproduziu no Senado um gesto associado a supremacistas brancos —três dedos esticados que simbolizariam o "w" de "white" (branco), e um círculo feito com indicador e polegar, formando o "p" de "power" (poder). Poder branco.

Absolvido por um juiz, Martins sempre negou que a intenção tenha sido essa.

Outros pupilos que engrossam o Executivo federal: Carlos Nadalim, chefe da secretaria de Alfabetização, e André Porciuncula, encarregado de gerenciar recursos da Lei Rouanet.

Para Josias Teófilo, o cineasta que biografou Olavo em "O Jardim das Aflições", o professor não deu frutos apenas à direita.

"Todos esses intelectuais de esquerda que atuam publicamente estão usando Olavo como modelo. Ele fez algo que ninguém nunca fez: ser um intelectual totalmente sem intermediários. Não precisa de editora, de jornal. Já escreveu pra Folha, pro Globo. Dispensou isso tudo e mesmo assim foi relevante, entende?"

Teófilo acompanhou aulas presenciais de Olavo, em 2015. "Quase uma meditação", resume. "Ele não preparava as aulas e não deixava que a gente ficasse andando, tirando foto, porque isso o desconcentrava."

Mais alunos foram chegando, a maioria com participação virtual. Teófilo calcula que ao menos 20 mil passaram pelo COF (Curso Online de Filosofia).

Marco Feliciano foi um deles. Mais tarde, o deputado viajou aos EUA para conhecer o católico fervoroso que, em 2020, enfureceu pastores ao dizer que "tudo o que acontece de mau no Brasil" vem de "uma ou várias" instituições, inclusive igrejas evangélicas.

Na época, chegou a ser achincalhado —"AstrOlavo de Carvalho"— por seu gosto por astrologia, ofício pagão para esse segmento religioso.

Olavo mostrou seu arsenal de rifles e desarmou o aprendiz. Feliciano foi chamado de burro por Olavo e, anos depois, concordou com ele.

"Ele me atacou em vídeos, no episódio da Comissão de Direitos Humanos [o pastor entrou em atrito com ativistas após ser eleito presidente da comissão, em 2013]. Disse que eu era despreparado. Fui ouvir o que ele falava. Eu não conhecia a esquerda profundamente. Ele estava com toda razão."

"Olavo tem razão" é um mantra entre asseclas.

"Quando houver no Brasil uma direita organizada, com certeza Olavo será para ela um ícone, muito mais do que foi Paulo Freire para a esquerda. Não era perfeito, mas quem sabia separar ‘as espinhas da carne do peixe’ aprendia muito", afirma Feliciano.

Para Ronald Robson, doutorando em Teoria e História Literária na Unicamp convocado por Olavo a transformar seus ensinamentos em livros, o polemista será "uma figura tão central quanto foi Gilberto Freyre no século 20".

Só não vê sentido em comparar sua influência na direita com a do educador na esquerda. "Olavo jamais será institucionalizado como um Paulo Freire. Deus o livre dessa desonra póstuma."

Após problemas de saúde, Olavo trocou o cigarrinho de praxe por um cachimbo que, segundo o próprio, lhe deu um "sex appeal geriátrico". Ainda resta dissipar a fumaça que paira sobre o futuro do olavismo agora que seu prócer se foi.

Um dos temas mais caros a Olavo: uma suposta investida marxista para dominar a cultura ocidental e a corroer por dentro.

Também tinha problemas com o globalismo. Já escreveu que o livre comércio era usado para fulminar "soberanias nacionais e construir sobre suas ruínas um onipotente Leviatã universal".

"Quanto aos ‘expoentes do olavismo’, eles simplesmente não existem no debate público ainda", afirma Robson. "As pessoas que estão se esforçando para levar a filosofia do Olavo adiante são ilustres desconhecidos, entre os quais me incluo. É bom que permaneçamos assim, sem nos distrair com a política do dia."

Olavo tinha seus prediletos, nem sempre habitués do mainstream bolsonarista.

O escritor e tradutor Pedro Sette-Câmara, aluno das antigas, "escreve coisas muito boas no Instagram", segundo Teófilo.

"Não admira que a direita tenha pouca expressão cultural, e, mesmo tendo elegido um presidente da República, não consiga eleger um presidente de grêmio de escola. Ela quer se fechar dentro da bolha blindada", afirma Sette-Câmara num post que intitulou "A ‘Guerra Cultural’ É Para Idiotas".

Stella Caymmi, neta de Dorival que organizava alguns de seus cursos, também era próxima.

O historiador Murilo Cleto, que pesquisa a nova direita, diz que até no seu método de ensino Olavo "era reacionário".

"Enquanto a educação formal vinha passando por uma série de transformações para tornar as aulas mais atraentes, tomando o professor mais como mediador do que dono do conhecimento, ele encarnava a figura do professor sabe-tudo, vivendo de monólogos autocentrados."

"Exagerava nos adjetivos, nos palavrões, nas teorias conspiratórias para ilustrar seu argumento", diz. "Mas Olavo era muito hábil em mexer com o brio de estudantes por algum motivo ressentidos com a universidade e eventualmente mais propensos à radicalização."

Resta aos olavetes, agora, fazer o dever de casa.

Colaborou Fábio Zanini

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