Bolsonaro engrossa agenda eleitoral contra Lula com viagem à Bahia

Presidente tem destinado boa parte de seus compromissos para eventos com vistas à sua reeleição

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Brasília, Salvador e Recife

Em mais um indicativo do forte caráter de campanha eleitoral antecipada, o presidente Jair Bolsonaro (PL) participou em Salvador, nesta quarta-feira (16), de cerimônia de "lançamento da pedra fundamental da unidade de ressonância magnética" do Hospital Santo Antônio.

O ato foi acompanhado pelo ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos), também pré-candidato ao governo da Bahia, e se inseriu na tentativa do presidente de apostar em agendas no Nordeste para alavancar a popularidade na região, onde Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem larga vantagem nas pesquisas eleitorais.

Também esteve presente no evento o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ele, João Roma e Bolsonaro não utilizaram máscaras de proteção facial, que seguem obrigatórias em Salvador em espaços abertos e fechados em razão da pandemia de Covid.

Os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Gilson Machado Neto (Turismo) também participaram da cerimônia. Na Bahia, Bolsonaro também almoçou com empresários.

Bolsonaro, acompanhado de ministros, durante visita a instalações do Senai-Cimatec - Alan Santos/PR

Bolsonaro tem reservado boa parte de seus compromissos, de suas entrevistas e manifestações para atividades com claro viés eleitoral e de crítica a adversários. Em Salvador, no entanto, adotou comportamento diferente, ao fazer um discurso de um minuto sem caráter eleitoral. O presidente optou apenas por enaltecer a agenda institucional.

Após a solenidade de lançamento, foi ao lado de fora cumprimentar apoiadores, não falou com a imprensa e deixou o local na carroceria de uma caminhonete.

O presidente também visitou a sede do Senai-Cimatec, onde participou da assinatura de um convênio para liberação de R$ 536 milhões do Banco do Nordeste para reforma do Porto de Aratu (BA).

Anteriormente, em evento promovido pelo BTG, em fevereiro, por exemplo, Bolsonaro usou sua fala para cobrar apoio do mercado financeiro à sua reeleição, atacando Lula e listando, um a um, os pontos que devem moldar sua campanha eleitoral.

Nos últimos dias, Bolsonaro reuniu em Brasília, em diferentes eventos, ruralistas e evangélicos, dois segmentos que formam os pilares de sua base de sustentação, também com o objetivo de fortalecer os laços de sua campanha. Aos evangélicos, disse que irá dirigir o país para o caminho que eles definirem.

Em sua live da última quinta-feira (10), chegou a listar um a um os ministros que devem deixar os cargos para disputar mandatos eletivos, deixando claro o viés de campanha do anúncio.

"Temos muita esperança no Tarcísio [de Freitas, ministro da Infraestrutura] em São Paulo, mas todos esses aqui realmente têm chance de se eleger", afirmou.

Pela lei, a campanha oficial só começa a partir de 16 de agosto. Aproveitando-se de certa leniência da Justiça Eleitoral e de órgãos de controle como o Ministério Público, tanto Bolsonaro como outros candidatos têm, há muito tempo, colocado o bloco eleitoral na rua.

Como mostrou a Folha, os partidos, por exemplo, têm claramente burlado a lei e promovido eleitoralmente seus presidenciáveis nas propagandas partidárias no rádio e na TV, o que é proibido.

No caso do presidente, porém, parte dessa campanha antecipada é feito com amparo na máquina pública e com recursos federais.

No começo de março, o presidente usou evento de concessão de rodovia em São Paulo para enaltecer seu pré-candidato ao governo paulista, o ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas. O evento, em São José dos Campos, teve tom de campanha eleitoral, com direito a motociata e uma bandeira erguida com a imagem do presidente.

No mês anterior, o presidente havia feito uma série de visitas pelo Nordeste. Em Jardim de Piranhas, no interior do Rio Grande do Norte, ele participou de ato que chamou de "jeguiata".

Já em janeiro, em Macapá (AP), voltou a falar de fraude nas urnas e prometeu combater o MST em discurso feito após inspeção de cerca de 40 minutos em projeto de implantação de estrutura de fibra ótica.

O hospital que Bolsonaro visitou nesta quarta na Bahia é administrado pela instituição filantrópica OSID (Obras Sociais Irmã Dulce).

A Bahia é governada por Rui Costa (PT), que deve ficar no cargo até o fim do mandato, em dezembro. O secretário estadual de Educação, Jerônimo Rodrigues, como pré-candidato do partido ao governo.

No fim de 2021, o presidente recebeu críticas e causou mal-estar entre aliados por protagonizar cenas dos momentos de folga no litoral catarinense, enquanto a Bahia enfrentava crise gerada pelas fortes chuvas, têm constrangido aliados e membros do governo federal.

Segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Lula, Bolsonaro tenta modular alguns pontos de seu discurso, por exemplo, sobre as vacinas da Covid-19, ainda que insista em não se imunizar.

Em setembro de 2021, o Planalto preparou parecer jurídico para se blindar de possíveis acusações de propaganda eleitoral antecipada. No documento, a área jurídica do governo recomendava "observar a prudência e a cautela" nos eventos de mil dias de governo para "afastar possíveis interpretações que conduzam para uma situação de campanha eleitoral antecipada".

A Folha questionou o TSE e o Ministério Público sobre atos do presidente em tom de campanha eleitoral, mas ainda não recebeu resposta.

O Palácio do Planalto disse que as viagens oficiais do de Bolsonaro não têm caráter eleitoral.

O Ministério da Saúde afirmou que a atual gestão investiu mais de R$ 9,4 milhões para equipar o setor de imagem (ressonância magnética e tomografia computadorizada) do hospital.

Em Salvador, Bolsonaro ouviu da superintendente da Osid, Maria Rita Pontes, que a instituição passa pela maior crise financeira desde sua fundação em 1959. A atual dívida da instituição, hoje em torno R$ 24 milhões, pode alcançar R$ 44 milhões até o final do ano.

O déficit se deve, em boa parte, ao congelamento dos repasses feitos pelo SUS nos últimos cinco anos, cujo contrato com a entidade não prevê reajustes, apesar da inflação.

"Pedimos um aporte de recursos financeiros para cobrir essa dívida, por causa da falta de cláusula de reajuste no contrato com SUS. O governo sinalizou positivamente, mas disse que aguardaria que a Secretaria de Saúde do Estado enviasse as informações sobre o contrato", disse a superintendente.

A organização realiza procedimentos de saúde gratuitos a pacientes oncológicos, idosos, pessoas com deficiência, dependentes de substâncias psicoativas, pessoas em situação de rua, pessoas em vulnerabilidade social e demais usuários do Sistema Único de Saúde. A entidade presta ainda assistência à população de baixa renda nas áreas da Assistência Social, Pesquisa Científica, Ensino em Saúde, Ensino Fundamental e na preservação e difusão da memória de sua fundadora.

Na véspera de sua viagem para a Bahia, o presidente foi a um estande de tiro da Receita Federal na tarde de terça (15).

Bolsonaro visita estande de tiro da Receita Federal, em Brasília
Bolsonaro visita estande de tiro da Receita Federal, em Brasília - 15.mar.22/Sindifisco Nacional de Brasília

A escapada de Bolsonaro ocorreu entre 16h e 17h e fora da agenda oficial. A visita só se tornou pública quando o Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita) divulgou a informação.

O presidente é defensor de políticas armamentistas e já enviou projetos ao Congresso facilitando o acesso ao porte e à posse de armas.

De acordo com a nota divulgada pelo sindicato, o chefe do Executivo disse estar ciente da pauta dos auditores e busca fazer o seu melhor.

"O gesto foi recebido por parte da categoria como um avanço na mudança da relação do presidente, que em algumas situações se disse perseguido pelo órgão, com a instituição", afirmou o texto.

Bolsonaro já se queixou de perseguição contra sua família por auditores, em especial que atuam no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que produziu relatórios sobre movimentações de ao menos um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

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