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FHC revê trajetória em documentário e deixa recados para o presente

'A briga é quem é que manda', diz ex-presidente no filme, ao expressar ceticismo sobre alianças políticas

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São Paulo

Indagado sobre os 21 anos em que o país viveu sob ditadura militar, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso responde com a cabeça voltada para o presente. "Como agora, quando polariza você não sabe onde vai dar", diz. "Quem não é polarizado fica no meio, fica ali e sua voz some."

Em outro momento de "O Presidente Improvável", documentário sobre sua trajetória política que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (31), ele fala com o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias sobre a unidade alcançada pela oposição ao regime autoritário durante o processo de redemocratização.

"Naquele tempo havia realmente uma frente única", diz FHC. Quando o ex-auxiliar lhe pergunta sobre a possibilidade de formar aliança semelhante nos dias de hoje, o tucano é taxativo: "Não se consegue. Hoje tem liberdade, o pessoal não tem mais medo. Naquele tempo, ou ficava junto, ou morria."

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - Zanone Fraissat-13.mai.21/Folhapress

O ex-ministro Nelson Jobim lembra de quando estavam na Assembleia Nacional Constituinte, que redigiu a Constituição de 1988. "Fomos vítimas de um regime fechado", diz o ex-presidente. "Valorizávamos mais as regras, as normas, a cultura democrática. Com o tempo, é preciso renovar essa crença".

Dirigido por Belisario Franca, o filme é organizado em torno de uma sequência de conversas que Fernando Henrique teve durante a pandemia com amigos, ex-ministros e colaboradores, do historiador Boris Fausto ao ex-presidente americano Bill Clinton, que participou por videoconferência.

Os 21 encontros, filmados na sede da Fundação FHC, ocorreram entre setembro de 2020 e junho de 2021. O nome de Jair Bolsonaro não é pronunciado em nenhuma cena, mas as tensões criadas por sua ascensão ao poder e pela proximidade das eleições de outubro são indisfarçáveis no pano de fundo.

O filme estreia no dia em que se completarão 58 anos do golpe que depôs o governo João Goulart e abriu caminho para a ditadura militar. A data foi uma escolha dos realizadores para marcar posição contra Bolsonaro, capitão reformado do Exército e defensor do regime autoritário instalado em 1964.

No ano passado, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) chegou a vetar o projeto do documentário, o que impediria os produtores de captar recursos para financiá-lo, mas a decisão acabou sendo revista. O filme contou com patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro e dos bancos BTG Pactual e Itaú.

O petista Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas para o pleito deste ano, aparece em vários momentos. Fernando Henrique, que o venceu em duas eleições presidenciais, conta como se conheceram nos anos 1970 e examina os motivos que levaram ao afastamento entre os dois mais tarde.

"O PT estava em fase de propaganda e ascensão", diz, ao rememorar os anos em que ocupou a Presidência, de 1995 a 2002. "O inimigo tinha que ser o governo. Então, em vez de entender que nós podíamos jogar juntos, jogou contra. Dificultaram muito as coisas. Votaram contra tudo, impiedosamente."

"É claro que para o Brasil seria melhor, eu creio, se tivesse havido uma aliança entre várias forças", acrescenta para o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. "Não era viável isso. Não por razões ideológicas, [mas por] razões de poder. A briga por quem é que vai tomar conta, quem é que manda."

FHC, que disse ter anulado seu voto nas eleições de 2018, afirmou no ano passado que votará em Lula em outubro se for necessário para impedir a reeleição de Bolsonaro. Os dois ex-presidentes se encontraram para um almoço em maio, quando as filmagens do documentário estavam perto do fim.

Fernando Henrique apoiou o governador João Doria (SP) nas prévias realizadas pelo PSDB para definir seu candidato e tem se mantido longe das articulações que visam relançar o nome do governador Eduardo Leite (RS), derrotado nas prévias, se Doria não crescer nas pesquisas de intenção de voto.

Quase todos os interlocutores de FHC que aparecem no documentário são pessoas que têm intimidade com ele, e a maioria o trata com reverência. A intenção dos realizadores foi criar um ambiente confortável para o ex-presidente, em que ele estivesse desarmado quando as câmeras fossem ligadas.

Fernando Henrique exibe bom humor em vários momentos e chega a imitar as vozes do deputado Ulysses Guimarães (1916-1992) e do ex-governador Leonel Brizola (1922-2004) ao narrar alguns episódios. Contam-se nos dedos de uma mão as passagens em que é submetido a questionamento crítico.

Num desses raros momentos de desconforto, o ex-presidente discute seu empenho pela aprovação da emenda constitucional que permitiu sua reeleição em 1998, ao final do primeiro mandato. Ele reconheceu a mudança como um erro histórico pela primeira vez num artigo publicado em setembro de 2020.

O assunto surge no filme durante uma conversa com o ex-ministro da Saúde Barjas Negri, eleito três vezes prefeito de Piracicaba (SP) após deixar o governo. O ex-presidente lamenta ter pressionado o Congresso a aprovar a emenda sem ter considerado consequências de longo prazo para o sistema político.

"Eu não teria forçado tanto a barra quanto forcei", ele diz. "Porque isso tem consequências depois. Dá a sensação, mesmo que não seja verdade, que o presidente, mal chegou lá, só pensa no outro mandato. Se for um mandato mais longo, mais confortável, e só um mandato, talvez seja mais razoável."

FHC afirma que o ideal seria ampliar o mandato do presidente de quatro para cinco ou seis anos, sem possibilidade de reeleição. Ele diz que decidiu trabalhar pela emenda em 1997 porque as pesquisas da época indicavam que ele teria apoio para continuar no cargo se pudesse se candidatar mais uma vez.

"O povo queria. Tinha pesquisa o tempo todo. A população queria a minha reeleição", afirma. "Não é a reeleição, como instituto da reeleição. Queria a minha reeleição. Ganhei, então está provado que queriam a minha reeleição. Isso será que é suficiente para você mudar uma regra? Talvez não fosse."

O Presidente Improvável

  • Quando Estreia nos cinemas na quinta (31)
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Belisario Franca

A Folha promoverá um debate sobre o documentário nesta terça (29), após exibição do filme no Espaço Itaú de Cinema (Rua Augusta, 1.475). Ingressos gratuitos serão distribuídos a partir das 19h na bilheteria do cinema aos primeiros que chegarem.

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