A Justiça Federal em São Paulo mandou intimar o Telegram para que a plataforma se manifeste sobre uma série de informações solicitadas pelo MPF (Ministério Público Federal).
A ordem é desdobramento de uma ação de cooperação internacional movida pela Procuradoria na 24ª Vara Cível Federal da capital paulista e foi dada no último dia 25 de fevereiro.
O uso do Telegram na disseminação de fake news é alvo de preocupação para as eleições deste ano, após a plataforma ter escapado de algumas ordens e pedidos de autoridades brasileiras.
Mais do que um pedido de informações, frisou o MPF nos autos, a recente iniciativa é uma tentativa de obtenção de "provas documentais" no âmbito de um inquérito civil em andamento naquele órgão que "visa uma melhor regulação da esfera pública digital brasileira".
Um eventual silêncio da empresa frente à intimação judicial será considerado um fato jurídico relevante e pode abrir caminho para ações mais drásticas.
As notificações devem ser enviadas à sede do Telegram em Dubai, nos Emirados Árabes, e a um escritório da empresa localizado em Londres, Inglaterra.
O MPF deverá fornecer a tradução juramentada dos documentos necessários à instrução das cartas rogatórias, indicar o modelo de documento adequado para cada destino e apontar as autoridades das centrais da Justiça dos dois países que devem ser acionadas.
O Telegram conta com um representante no Brasil há sete anos, conforme revelou a Folha, com o propósito exclusivo de representá-lo em processo de registro da marca junto ao INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), órgão do governo federal.
No pedido de cooperação internacional, a Procuradoria argumentou que a intimação judicial dos responsáveis se mostra importante pois permitirá que seja avaliada a possibilidade de resolução do caso pela via extrajudicial ou se outras providências serão necessárias.
"A intervenção desse juízo mostra-se medida indispensável para que se tente obter provas documentais sobre a regulação do Telegram em face de práticas de desinformação", afirmou.
Para a Justiça Federal, o pedido do MPF deve ser atendido porque a entrega da solicitação de informações ao aplicativo, a depender do grau de colaboração do destinatário, permitirá que se defina qual medida deverá ser adotada, seja o arquivamento do inquérito civil, a propositura de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta ou o ajuizamento de uma outra ação demanda.
"O fato de o destinatário Telegram FZ LLC não possuir representação estabelecida no Brasil, a despeito de oferecer seus serviços ao público brasileiro, demanda esta utilização da cooperação judicial internacional para formalização da notificação, sob pena de infração à jurisdição e à soberania do Estado em que sediado o destinatário", afirmou o juiz federal Victorio Giuzio Neto, da 24ª Vara Federal.
O juiz salientou, porém, que não cabe nesta ação que busca a produção antecipada de provas entrar no mérito quanto aos deveres e obrigações a que devem estar sujeitas as plataformas digitais ou quanto às consequências jurídicas de eventual silêncio do destinatário, "dado que tais fatos hão de ser solucionados, se for o caso, oportunamente em demanda ajuizada com finalidade específica".
Em decisão do mês passado, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a plataforma bloqueasse três canais do influenciador bolsonarista Allan do Santos. No último dia 26, em atitude inédita, o serviço de mensagens cumpriu a ordem.
Para os investigadores, ministros do Judiciário e parlamentares envolvidos no debate do projeto de lei das Fake News, porém, cumprir medidas pontuais, como a que ocorreu em relação a Allan, não basta. O bolsonarista segue com um outro canal na plataforma, com quase 30 mil inscritos.
A Folha mostrou que o Telegram descumpre há mais de seis meses decisão do ministro para que fosse apagada publicação de agosto de 2021 do canal do presidente Jair Bolsonaro (PL) com informações falsas sobre a violabilidade das urnas eletrônicas. A mensagem segue no ar.
A Procuradoria toca uma ampla investigação sobre a postura das principais plataformas que operam no Brasil diante de práticas organizadas de desinformação e discurso de ódio.
São cobradas informações dos responsáveis por Twitter, Instagram, Facebook/Meta, YouTube, WhatsApp e Telegram a respeito de providências que estão adotando para regular comportamentos abusivos na internet.
Dentre as plataformas investigadas, o Telegram é o único que ainda não respondeu. O aplicativo vem escapando de ordens e pedidos também do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com demandas envolvendo publicações na rede social.
O que, segundo a decisão da Justiça Federal de São Paulo, na ação de cooperação internacional, "não afasta seu dever de observar a legislação brasileira, notadamente o Marco Civil da Internet, no que tange aos serviços que oferece ao público brasileiro".
O aceno ao cumprir a decisão de Moraes não deve arrefecer também a pressão do TSE sobre o aplicativo. Ao assumir a presidência da corte eleitoral, o ministro Edson Fachin afirmou que o Judiciário pode ser acionado para garantir a "paridade de armas" nas eleições. Seu antecessor, Luís Roberto Barroso, chegou a defender o banimento da plataforma.
A dificuldade de alcançar o Telegram está inserida em um debate sobre os desafios de tornar legislações nacionais efetivas em um mercado de serviços na internet cada vez mais globalizado.
Nesse cenário, as opções seriam: aceitar o crescimento desenfreado de uma plataforma que não atende aos contatos do Judiciário brasileiro ou bloquear o aplicativo até que a empresa passe a dialogar.
Nas últimas semanas, a corte eleitoral subiu o tom nas críticas ao serviço de comunicação e não descarta a medida mais drástica, que é o bloqueio.
A possibilidade do bloqueio do Telegram, como mostrou a Folha em recente reportagem, gera preocupação de parte dos especialistas na área, dadas as possíveis consequências da medida, que está inserida em um complexo debate não só da perspectiva legal como técnica.
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