Lei das fake news é alvo de pressão de big techs, e especialistas veem risco de judicialização

Facebook, Google e Twitter falam em consequências negativas para pequenas empresas; relator diz que empresas divulgam notícia falsa

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Brasília

Em meio à ofensiva das plataformas para tentar flexibilizar o projeto de fake news em tramitação na Câmara, especialistas dizem haver risco de judicialização de pontos da atual versão, como o do compartilhamento de dados para uso em publicidade.

A proposta atual, aprovada em dezembro por um grupo de trabalho de deputados, ainda deve sofrer ajustes.

O relator, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), já se reuniu com a maior parte das bancadas partidárias e pretende conversar com senadores e com o governo antes de entregar o parecer final ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) —o que deve ocorrer até o fim de março.

As gigantes de tecnologia intensificaram a pressão e publicaram, em diferentes veículos de comunicação, anúncios afirmando que o projeto traria consequências negativas às pequenas empresas que usam publicidade online em seus negócios.

Logo do Facebook, empresa da Meta - Olivier Douliery - 17.ago.2021/AFP

O anúncio direciona para uma carta aberta publicada no site da Meta —dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, entre outras.

No documento, assinado por Facebook e Instagram, Google, Mercado Livre e Twitter, as empresas afirmam que o texto relatado por Orlando Silva "passou a representar uma potencial ameaça para a internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje e que transforma a vida dos brasileiros todos os dias."

Segundo o texto, pequenas e médias empresas não poderão mais anunciar seus produtos com eficiência e a custo baixo na internet. "O PL das fake news deveria combater fake news, e não a lanchonete do seu bairro", diz o anúncio.

O argumento é que o artigo 7º do projeto afeta a publicidade dirigida feita pelas plataformas, o que não ocorre nem na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Especialistas veem eventual conflito do texto como está na versão atual com as regras estipuladas pela LGPD, que versam sobre a utilização de dados por qualquer empresa.

Na avaliação de Camila Borba Lefèvre, advogada do escritório Vieira Rezende, o projeto relatado por Orlando Silva pode dar margem para judicialização ao trazer uma exceção à LGPD, sem alterar essa lei.

"Essa lei vem dizer que os dados não podem ser usados pelas plataformas em combinação com terceiros provedores de outros serviços. Isso é muito estranho e está em contradição com a LGPD."

É a mesma avaliação de Pedro Henrique Ramos, advogado e conselheiro da associação IAB Brasil, que atua em publicidade digital e tem cerca de 230 empresas associadas.

"Isso afeta diretamente a publicidade. Quando eu tenho jornal, por exemplo, e eu combino dados para poder oferecer publicidade, eu já não poderia oferecer a publicidade porque aquilo não é minha função principal, minha função principal é oferecer o jornal. Então, isso é uma vedação inédita no mundo", afirmou.

Segundo ele, o dispositivo cria insegurança jurídica. "No direito, você utiliza a regra da lei mais recente ou da lei mais especial. Nesse caso, você vai ter um conflito, porque a lei mais especial seria a LGPD. Ao mesmo tempo, você tem uma lei específica que vem depois da LGPD. Vai dar briga se passar esse artigo, com certeza."

Cris Camargo, CEO da IAB Brasil, exemplifica. "Você tem uma perda de receita. Eu quero vender pneu. Eu já tenho uma lista de possíveis compradores de pneu que compraram meu carro há quatro anos. Como eu faço para dirigir essa publicidade dentro de outros portais, veículos de comunicação? Você cruzaria, talvez, as bases, os dados, chegaria nessa audiência. Então, você perderia esse possível impacto", ponderou.

Além disso, diz, a outra ponta, que recebe o dinheiro da publicidade, também é afetada. "Tem uma perda em toda a cadeia, desde o anunciante perde negócio, a agência de publicidade não vai poder oferecer esse tipo de solução", complementou.

Ela destaca ainda que a versão atual do PL dificulta o impulsionamento de mensagens.

Já a advogada Patricia Peck, sócia-fundadora do Peck Advogados, reconhece que os requisitos dispostos na versão atual do texto impactam os modelos de negócios de hoje, mas ressalta que são como efeitos colaterais de medicamentos.

"Se você tem hoje um modelo de mercado em que você construiu toda uma forma de publicação de conteúdos e anúncios que, quando você impulsiona, isso pode ser, de alguma forma, desvirtuado com a utilização de fake news, ou seja, posso acabar tendo mais audiência, mais tráfego e mais ganho financeiro devido à própria disseminação de fake news, existe uma distorção dentro do modelo", argumenta.

Eles criticam ainda pontos como a remuneração de conteúdo jornalístico, afirmando que não há regras claras, o que poderia favorecer "apenas os grandes e tradicionais veículos de mídia, prejudicando o jornalismo local e independente, e limitando o acesso das pessoas a fontes diversificadas de informação".

Orlando Silva afirmou que o Facebook não quer diálogo. "Eu estou aqui [na última quinta, 3] na porta de entrada de uma reunião com o Tik Tok. Amanhã [sexta, 4] eu tenho uma reunião com o YouTube. Na semana passada, [tive] com o Google. Todo mundo senta à mesa para conversar, menos eles", afirma.

Segundo o relator, a empresa não quer se submeter às regras de publicidade aplicadas no mercado brasileiro.

"Eles querem manter regras próprias, um sistema próprio de contratos de publicidade", disse. "E o pior. Ter diferença, para mim, não é problema. O problema é você ter uma postura intransigente e fazer chantagem."

O deputado citou as conversas que manteve com diferentes partidos, frentes parlamentares e com a sociedade civil para negociar o texto.

"A publicação que eles compraram a peso de ouro nos jornais é inclusive uma fake news, como se houvesse uma ameaça aos micro e pequenos empresários do Brasil. É risível a posição."

Em resposta às críticas de Orlando Silva, a Meta afirmou manter diálogo constante sobre o texto com o Congresso e lembrou que participou de audiências públicas e reuniões a respeito do tema.

"No texto atual proposto, o artigo 7º, que não versa sobre desinformação e foi inserido sem passar por nenhum debate, impede o uso responsável de dados pessoais para entrega de anúncios e serviços online, prejudicando empresas de todos os portes, mas principalmente os pequenos negócios que possuem hoje na internet um canal de marketing para encontrar clientes, vender mais e movimentar a economia", disse, em nota.

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