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Ministério Público pede condenação de Bolsonaro por manter funcionária fantasma

Caso Wal do Açaí foi revelado pela Folha em 2018, quando Bolsonaro era deputado federal

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Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro

O Ministério Público Federal apresentou à Justiça uma ação de improbidade administrativa contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ex-secretária parlamentar da Câmara dos Deputados Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí.

Os procuradores pedem a condenação dos dois por improbidade e solicitam o ressarcimento dos recursos públicos indevidamente desviados.

As suspeitas sobre Wal surgiram em 2018 em reportagem da Folha.

Em janeiro daquele ano, o jornal revelou que a ex-assessora trabalhava em um comércio de açaí na mesma rua onde fica a casa de veraneio de Bolsonaro, à época deputado federal, na pequena Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis.

Wal do Açaí, Carlos (esq.) e Jair Bolsonaro
Wal do Açaí, Carlos (esq.) e Jair Bolsonaro - Wal Bolsonaro no Facebook

Segundo vários moradores da região ouvidos pela reportagem, Wal também prestava serviços particulares na casa de Bolsonaro. Ainda segundo eles, o marido dela, Edenilson, era caseiro do presidente.

Na ocasião, Bolsonaro não soube detalhar serviços legislativos prestados pela assessora na cidade. Depois, afirmou que ela trabalhava na loja de açaí porque estava de férias na data em que os repórteres estiveram na vila.

Em agosto de 2018, em horário de expediente da Câmara, a reportagem voltou ao estabelecimento e encontrou Wal trabalhando na pequena venda.

A reportagem comprou um açaí e um suco de cupuaçu e conversou com a assessora, que afirmou que trabalhava na loja que leva seu nome, Açaí da Wal, todas as tardes. Em nenhum momento deu indicativo ou soube dizer que tipo de serviço legislativo prestaria a Bolsonaro.

Nesse mesmo dia, ela pediu demissão do cargo. Ao anunciar a saída da assessora, o então candidato à Presidência disse em Brasília que o "crime dela foi dar água para os cachorros" de sua casa de veraneio.

Wal figurava como secretária parlamentar do gabinete parlamentar de Bolsonaro em Brasília desde 2003, e recebia, em 2018, salário bruto de R$ 1.416,33 (em valores não corrigidos).

Em determinados momentos desses 15 anos, ela chegou a receber valores superiores, integrando uma leva de assessores que tiveram uma frequente variação salarial no gabinete no então deputado federal e hoje presidente da República.

A análise dos documentos relativos aos 28 anos em que Jair Bolsonaro foi deputado federal, de 1991 a 2018, mostra uma intensa e incomum rotatividade salarial de seus assessores, atingindo cerca de um terço das mais de cem pessoas que passaram por seu gabinete nesse período.

O modelo de gestão incluiu ainda exonerações de auxiliares que eram recontratados no mesmo dia, prática que acabou proibida pela Câmara dos Deputados sob o argumento de ser lesiva aos cofres públicos.

Desde a primeira reportagem da Folha sobre o caso de Wal do Açaí, Bolsonaro deu diferentes e conflitantes versões sobre a assessora para tentar negar irregularidades, todas elas não condizentes com a realidade.

Fachada da loja de açaí de Walderice Santos da Conceição em Mambucaba, Rio de Janeiro
Fachada da loja de açaí de Walderice Santos da Conceição em Mambucaba, Rio de Janeiro - Lucas Landau - 2.mai.2018/Folhapress

Na primeira entrevista que deu ao Jornal Nacional, da TV Globo, após ser eleito, Bolsonaro atacou a Folha e voltou a usar argumentos pela metade e sem respaldo fático para dizer que, "por si só esse jornal se acabou".

"Aproveito o momento para que nós realmente venhamos fazer justiça aqui no Brasil. Tem uma senhora de nome Walderice, minha funcionária, que trabalhava na Vila Histórica de Mambucaba e tinha uma lojinha de açaí", disse Bolsonaro na entrevista, acrescentando:

"O jornal Folha de S.Paulo foi lá, nesse dia, 10 de janeiro, e fez uma matéria e a rotulou de forma injusta como 'fantasma'. É uma senhora, mulher, negra e pobre. Só que nesse dia 10 de janeiro, segundo boletim 'A iniciativa da Câmara', de 19 de dezembro, ela estava de férias. Então, ações como essa por parte de uma imprensa, que mesmo a gente mostrando a injustiça que cometeu com uma senhora, ao não voltar atrás, logicamente que eu não posso considerar essa imprensa digna."

A investigação do MPF confirmou a apuração da Folha de que Wal não exercia nenhuma função relacionada ao cargo e, no período em que recebia da Câmara, ela e seu marido Edenilson Garcia prestavam serviços particulares a Bolsonaro.

Segundo os procuradores, entre esses serviços prestados estava o cuidado com a casa e com os cachorros de Bolsonaro na Vila Histórica de Mambucaba.

A investigação também revelou que as movimentações financeiras de Wal do Açaí seguem o padrão de outros funcionários de gabinetes de familiares do presidente investigados pelo esquema de "rachadinha".

"A análise das contas bancárias de Walderice revelou, ainda, uma movimentação atípica, já que 83,77% da remuneração recebida nesse período foi sacada em espécie, sendo que, em alguns anos, esses percentuais de saques superaram 95% dos rendimentos recebidos", diz o Ministério Público.

O volume do salário sacado na boca do caixa foi considerado um indício de envolvimento em esquema da "rachadinha" na investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro na apuração contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Ex-funcionários do senador que sacavam grande parte do salário foram alvos de mandados de busca e apreensão no curso da investigação. As provas, porém, foram todas anuladas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O Ministério Público afirma na ação de improbidade que Bolsonaro tinha conhecimento das irregularidades na atuação de Wal e sabia que ela não prestava os serviços correspondentes ao cargo.

Bolsonaro, diz o MPF, mesmo sabendo das irregularidades "atestou falsamente" a frequência da funcionária para comprovar a jornada e possibilitar o recebimento dos salários pela então servidora.

"As condutas dos requeridos e, em especial, a do ex-deputado federal e atual presidente da República Jair Bolsonaro, desvirtuaram-se demasiadamente do que se espera de um agente público."

"No exercício de mandato parlamentar, não só traiu a confiança de seus eleitores, como violou o decoro parlamentar, ao desviar verbas públicas destinadas a remunerar o pessoal de apoio ao seu gabinete e à atividade parlamentar", diz trecho da ação.

A Procuradoria enviou a ação à Justiça e o caso foi distribuído à 6ª Vara Federal do Distrito Federal. Nesta segunda (21), a 6ª Vara mandou intimar o presidente e Walderice para que eles apresentem contestação às acusações no prazo de 30 dias.

A Folha procurou a Presidência da República, mas não houve manifestação até a publicação desta reportagem. A Folha não conseguiu contato com Wal do Açaí nesta terça.

Em 2020, a ex-assessora de gabinete se lançou candidata ao cargo de vereadora em Angra dos Reis, com apoio do clã Bolsonaro, mas obteve apenas 266 votos e não foi eleita.

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