Moro e MBL tentam conter crise e evitar ruptura após fala sexista de Arthur do Val

Apoio se mantém, mas nova candidatura ao Governo de São Paulo é impasse entre movimento e Podemos

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São Paulo

O presidenciável Sergio Moro (Podemos) e o MBL (Movimento Brasil Livre) adotaram recuos políticos e retóricos para pacificar a relação e manter o apoio do grupo à candidatura do ex-juiz depois do episódio envolvendo as falas de cunho sexista do deputado estadual Arthur do Val (sem partido-SP).

De acordo com membros do MBL, que se filiaram em massa ao Podemos em janeiro para reforçar a campanha nacional, o movimento segue com o plano de lançar pelo partido três nomes à Câmara dos Deputados e quatro para a Assembleia Legislativa de São Paulo.

O presidenciável Sergio Moro e o deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei (SP), no evento de filiação dele ao Podemos, em janeiro - Adriano Vizoni - 26.jan.2022/Folhapress

Um impasse a ser resolvido, porém, é a candidatura ao Governo de São Paulo —enquanto o MBL defende que o vereador Rubinho Nunes (Podemos-SP) ocupe o espaço vago de Arthur, a legenda passou a cogitar a presidente da sigla, deputada federal Renata Abreu (SP), para o posto.

Passado o estranhamento inicial após a eclosão do escândalo —Arthur chegou a dizer em entrevista à Folha ter ficado chateado com a nota de repúdio do ex-juiz—, as partes buscaram entendimento no início desta semana para evitar que a aliança eleitoral fosse contaminada.

Em jogo está o interesse de Moro em manter a seu lado a estrutura de redes sociais e mobilização digital do MBL, no momento em que tenta fazer sua campanha deslanchar, e a vontade mútua de preservar as candidaturas do MBL ao Legislativo abrigadas no Podemos.

Depois da estratégia para isolar Arthur do Val das tratativas partidárias, representantes de ambos os lados dizem que o caso está sendo superado. O deputado pediu desfiliação da legenda, confirmada na terça (8), e desistiu da candidatura ao governo e à reeleição, além de se afastar do MBL.

A reviravolta é fruto do escândalo causado pelo vazamento de áudios do parlamentar com comentários sexistas sobre as mulheres da Ucrânia, para onde viajou com a justificativa de ajudar vítimas da invasão russa. Disse, por exemplo, que as ucranianas são "fáceis" por serem pobres.

Com a desvinculação de Arthur do Podemos, o MBL passou a concentrar esforços na defesa dele na Assembleia Legislativa, onde deve enfrentar um pedido de cassação que, se confirmado ao final pelo plenário, pode levá-lo a ficar oito anos inelegível.

Moro, que na sexta (4) repudiou as falas imediatamente após a divulgação e afirmou que jamais dividirá palanque com "pessoas quem têm esse tipo de opinião", emitiu nota na segunda (7) em que nega a chance de afastamento e diz entender "que o MBL irá superar esse episódio negativo".

Dentro do MBL, houve reclamação e irritação com a primeira nota de Moro, que falava em crime. "As declarações são incompatíveis com qualquer homem público. [...] Jamais comungarei com visões preconceituosas, que podem inclusive ser configuradas como crime", disse na ocasião.

No entanto o movimento não deu continuidade ao tom ressentido de Arthur na entrevista de segunda-feira, quando ele disse: "A minha sensação é de frustração, de tristeza da parte dele [Moro]".

Os integrantes passaram a dizer que entendem a posição de Moro, pela necessidade de blindar sua candidatura do escândalo. As novas declarações, mais favoráveis ao MBL, caíram bem no grupo.

Moro ainda enviou mensagem ao deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), um dos cabeças do movimento, afirmando querer manter a proximidade e a campanha conjunta.

De acordo com participantes do movimento, apesar do desgaste da nota do ex-juiz, consolidou-se a avaliação de que a melhor opção, ao menos por ora, é manter o acordo. Uma negociação com outro partido para receber candidatos do grupo teria que começar do zero e em meio à janela partidária.

Líderes do MBL ressaltam que a organização trabalha pela terceira via, que tem em Moro seu representante da centro-direita com maior intenção de votos —9% no Datafolha de dezembro. Mas, mesmo entre eles, há desconfiança sobre as condições do ex-juiz de levar a candidatura até o fim.

A ideologia liberal e a tentativa de quebrar a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) justificariam a manutenção do apoio a Moro, de acordo com membros do MBL.

Para eles, o outro lado da moeda é mais pragmático —Renata e Moro sabem da necessidade de uma aliança com o grupo, que tem militância e promove o ex-juiz nas redes. Não seria bom tê-los como inimigos.

"Nós confiamos no Moro e na terceira via. Não é momento de egoísmo da nossa parte, é importante seguir na construção da terceira via", diz à Folha Renan Santos, coordenador do MBL.

Renan afirma ainda que o grupo não vai se omitir no processo eleitoral. "Se estamos tomando pedrada é porque sabem que a gente vai incomodar nas eleições", completa.

"Nosso apoio a Moro está preservado e não há mudança na nossa situação no Podemos", diz Kim Kataguiri. O deputado afirma que vai se filiar à legenda de Moro no fim de março para concorrer à reeleição.

"Eu entendo a posição do Moro", diz Rubinho Nunes. "Mas fizemos um trabalho pela terceira via e ele é o nome da terceira via. O Brasil tem problemas imensos para resolver. A nossa preocupação em encontrar a melhor alternativa para o país não vai ser abalada por uma situação individual."

Para sustentar a candidatura de um nome do MBL ao Palácio dos Bandeirantes, o grupo menciona a carta-compromisso assinada na época da filiação em que o Podemos se comprometia a garantir legenda aos integrantes, "assegurando aos indicados pelo movimento, especialmente, vagas para disputa dos cargos" de governador, vice, senador e deputado federal e estadual.

Na terça, porém, enquanto Moro fazia postagem em rede social com a sugestão de Renata Abreu como candidata ao governo, Rubinho afirmou à reportagem que não sabia do arranjo proposto, mas evitou polemizar.

"Respeito a Renata. Dadas as circunstâncias, a gente está analisando os caminhos. O documento previa a indicação ao MBL, mas naturalmente podemos dialogar e construir um [outro] nome. Não vejo o nome da Renata de forma negativa", disse o vereador.

Nesta quarta-feira (9), porém, Rubinho afirmou que o tema deve ser objeto de conversa entre o MBL e o partido. Ele pretende usar a carta como argumento em favor de seu grupo.

Kim adota a mesma linha. "Ainda precisamos conversar com o Podemos, porque o acordo inicial era a gente ter a candidatura ao governo", afirma o deputado, para quem a carta continua valendo e a possibilidade da candidatura de Rubinho a governador segue de pé.

Ele pondera que o candidato do MBL ao Executivo iria alavancar a votação da chapa de membros do movimento para o Legislativo.

Assim como a nota de Moro, a ação do Podemos para driblar o MBL e lançar Renata também caiu mal em parte do movimento. Líderes do MBL não acreditam que a deputada levará a candidatura até o fim e cogitam até que a legenda acabe apoiando Rodrigo Garcia (PSDB), como quer uma parte dos prefeitos.

Renan minimiza a questão. "Respeitamos muito o lançamento da candidatura da Renata. É importante que um partido do tamanho do Podemos tenha candidato em São Paulo", diz.

A movimentação pró-Renata também teve o apoio do senador Alvaro Dias (PR), articulador de Moro.

Para assumir a empreitada, a deputada teria que abrir mão de sua tentativa de reeleição. Em nota, a assessoria disse que ela "foi surpreendida com o convite" de Moro, mas neste momento está "focada justamente na montagem dos palanques para a reforçar a candidatura presidencial".

Aliados do ex-juiz reforçaram a mensagem de que os ruídos com o MBL foram solucionados sem traumas e que é natural que o novo quadro eleitoral, sem Arthur, leve a uma rediscussão de acordos.

Para o deputado federal Junior Bozzella (União-SP), entusiasta e articulador da candidatura de Moro, o envolvimento do MBL na campanha continua sendo bem-vindo, ainda que as falas de Arthur tenham sido reprováveis.

"O MBL agrega. Eles são aguerridos, defendem princípios como transparência e retidão, têm militância, atingem o público jovem e possuem capilaridade nas redes sociais. Por mais que tenha havido alguns deslizes no meio do caminho, a participação [do movimento] mais ajuda do que atrapalha", diz.

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