Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Prefeito cita pedido de dinheiro em troca de evento do MEC com Milton Ribeiro

Chefe do Executivo de Piracicaba (SP) diz que se negou a pagar; ministro esteve em cidade vizinha com pastores suspeitos

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Brasília

O prefeito de Piracicaba (SP), Luciano Almeida (União Brasil), diz que recebeu um pedido de dinheiro para que o município abrigasse um evento com a presença do ministro da Educação, Milton Ribeiro, em agosto de 2021.

O gestor municipal afirma que se recusou a fazer o pagamento e que o encontro acabou não se concretizando.

A Folha ouviu de dois servidores do alto escalão do MEC (Ministério da Educação) que os pastores com supostos privilégios dentro da pasta estariam à frente dessa negociação.

Equipes técnicas do ministério e do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) já se mobilizavam, segundo esses relatos, para o atendimento em Piracicaba. Isso foi interrompido após o pedido de pagamento ter sido recusado.

A reportagem conversou com o prefeito Luciano Almeida após receber essas informações. Ele confirmou o pedido, mas disse não se lembrar do nome de quem fez a abordagem.

Palco com um telão ao fundo. Ministro fala no púlpito, à esquerda, e oito pessoas estão sentadas.
Ministro Milton Ribeiro participa de evento em Nova Odessa (SP), em agosto de 2021; Participam da solenidade os pastores Arilton Moura (sem terno) e Gilmar Santos (de terno cinza) - Catarina Chaves/MEC

"Alguém em nome do MEC ligou para perguntar se queria fazer o evento em nossa cidade e disseram que, para isso, haveria um custo, um dinheiro, que eu deveria dar toda uma estrutura, tinha que arranjar hotel, dar suporte, pagar passagens para pessoas deles", disse o prefeito. "Esse evento não aconteceu depois que falei que não pagava nada."

Luciano Almeida diz não lembrar se o interlocutor citou valores fechados. Dentro do MEC, a informação é de que haveria um custo de R$ 70 mil na proposta dos pastores.

Dias depois, relata o prefeito, o município recebeu um convite oficial do MEC para um encontro, com as mesmas características, mas em Nova Odessa (SP). As cidades ficam a 40 km de distância.

Milton Ribeiro esteve em Nova Odessa em 21 de agosto de 2021 junto com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

Ambos, que não têm cargos oficiais na pasta, foram responsáveis pela organização do encontro no município, sentaram na mesa da solenidade ao lado do ministro e do presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, e tiveram falas no púlpito como se fizessem parte do governo.

Cerca de 80 gestores municipais de cidades da região estiveram no local. No extrato de viagem do ministro para Nova Odessa está registrado que ele se encontraria com pastores na cidade, sem citar nomes. Na agenda oficial não há essa menção, mas os pastores aparecem nas fotos oficiais do MEC.

A Folha revelou na segunda-feira (21) áudio em que Ribeiro afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelo pastor Gilmar Santos —Arilton Moura trabalha para Gilmar e estava na reunião em que o ministro deu as declarações.

Milton Ribeiro diz no áudio que a prioridade ao pastor Gilmar atende solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL) e menciona pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas.

Os pastores negociavam com prefeituras transferências de recursos do FNDE, órgão vinculado ao MEC. A atuação dos pastores foi publicada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Após a revelação do áudio, a pressão política sobre Ribeiro disparou. Ele disse, em entrevista dois dias depois da publicação do áudio, que enviou à CGU (Controladoria-Geral da União) uma suposta denúncia anônima que envolveria tentativa de intermediações.

Esse envio teria ocorrido exatamente em agosto, mês em que Nova Odessa recebeu o evento após Piracicaba ter recusado o pedido de dinheiro.

O presidente do partido Avante em Piracicaba, José Edvaldo Brito, disse ao portal Metrópoles que ele próprio denunciou ao ministro uma suposta atuação ilegal dos pastores.

Edvaldo Brito estava presente no encontro em Nova Odessa. "Eu sou uma das pessoas que comuniquei ao ministro, e já fui ouvido pela CGU", disse ele à Folha, sem dar detalhes se os fatos da denúncia surgiram na cidade.

Ele afirma que participou da organização da agenda em Nova Odessa. Segundo ele, o evento "poderia ter sido em Piracicaba", mas não ocorreu, diz ele, por causa da Covid.

Em Nova Odessa também teria ocorrido distribuição de Bíblias, cuja compra seria uma forma de repassar recursos paras os pastores, de acordo com reportagem dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo.

O prefeito de uma cidade paulista relatou à Folha, sob anonimato, que isso teria ocorrido em Nova Odessa e em outras duas cidades.

Em nota, a Prefeitura de Nova Odessa negou que tenha havido distribuição de Bíblias no evento. O município afirma que apenas cedeu um ginásio e que a "organização do encontro de trabalho foi feita por pessoas indicadas pelo próprio MEC".

A reportagem insistiu com a prefeitura sobre quem foram essas pessoas indicadas pelo MEC, mas o município não respondeu.

Ainda na nota, disse que "não houve qualquer pedido de vantagem por terceiros ao prefeito" ou ao secretário de Educação "por parte das lideranças religiosas citadas nas reportagens". Os recursos solicitados pela Prefeitura de Nova Odessa ao MEC e ao FNDE ainda não foram liberados, cita a nota.

Segundo os dados oficiais públicos, a prefeitura não teve empenhos ou pagamentos autorizados desde agosto do ano passado.

O MEC foi questionado, mas não respondeu. Em nota e entrevistas, o ministro negou que os pastores tenham intermediado liberações de recursos federais com prefeituras.

Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura foram procurados, mas não responderam. Em nota divulgada nesta semana, Gilmar negou qualquer intermediação e acesso privilegiado aos processos do MEC e do FNDE.

O ministro Milton Ribeiro atravessa uma crise desde que veio à tona a existência de um balcão político para liberação de verbas do FNDE, que concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios. Um prefeito relatou ter recebido pedido de 1 kg ouro em troca de liberação de obras.

A prioridade aos indicados dos pastores, a pedido de Bolsonaro, foi citada pelo próprio ministro, em áudio revelado pela Folha. O jornal ainda mostrou que, sob Ribeiro e com o centrão no FNDE, o órgão virou uma espécie de balcão político.

Dados oficiais mostram uma explosão de aprovações de obras, ausência de critérios técnicos, burla no sistema e priorização de pagamentos a aliados.

Após a divulgação do áudio do ministro, houve reação da polícia, Judiciário e parlamentares.

A Polícia Federal abriu nesta sexta-feira (25) inquérito para apurar a atuação de pastores na liberação de verbas no Ministério da Educação. Esse inquérito ficará na superintendência da PF do Distrito Federal e não tem, por ora, a atuação do ministro Milton Ribeiro entre os fatos investigados.

Em outra frente, nesta quinta-feira (24), a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia já havia autorizado que a PGR (Procuradoria-Geral da República) abrisse um inquérito sobre o ministro Milton Ribeiro.

Os membros da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovaram nesta quinta-feira (24) requerimento de convite ao ministro Milton Ribeiro para explicar a existência de um balcão político para liberação de verbas para municípios.

Bolsonaro defendeu seu ministro em live nesta quinta (24) dizendo que bota a cara no fogo pelo auxiliar.

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