Descrição de chapéu Eleições 2022

Recuo de Moro e vaivém de Doria mudam xadrez da 3ª via e podem fortalecer polarização

Movimentações repentinas geram desconfianças e são vistas como benéficas por aliados de Lula e Bolsonaro

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Brasília

O vaivém de João Doria (PSDB-SP) e a desistência de Sergio Moro (União Brasil) de disputar a Presidência da República ampliaram as indefinições na chamada terceira via para criar uma candidatura competitiva às de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

A mudança no xadrez político das eleições deste ano ocorreu com movimentações repentinas dos dois postulantes no mesmo dia.

Moro saiu do Podemos, se filiou à União Brasil e, em meio a resistências dentro do novo partido, anunciou que abria mão, neste momento, da disputa à Presidência.

Doria ensaiou se manter no cargo de governador de São Paulo e abandonar a pretensão de concorrer ao Planalto, mas recuou horas depois e manteve a candidatura —vista com desconfiança após a oscilação que irritou inclusive seus apoiadores.

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O governador de São Paulo, João Doria, entrega a medalha Ordem do Ipiranga, no grau Grã-Cruz, ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, em 2019 - Eduardo Knapp - 28.jun.2019/Folhapress

Na avaliação de aliados de Lula e Bolsonaro, as mudanças fortalecem a polarização entre os dois primeiros colocados nas pesquisas. Apesar disso, na terceira via, alguns setores consideram haver a oportunidade de unificação em torno de algum nome mais competitivo.

Se for mantida a decisão de Moro de não se candidatar à Presidência, restam no campo da terceira via Ciro Gomes (PDT), Doria, a senadora Simone Tebet (MDB) e o deputado federal André Janones (Avante).

Eduardo Leite (PSDB-RS) também corre por fora para tentar se viabilizar. A ideia desses partidos é tentar escolher alguém até meados do ano para fazer frente a Lula e Bolsonaro. ​

Moro filiou-se à União Brasil sob pressão de ala do partido para desistir de disputar a Presidência e teve de ceder, mesmo que momentaneamente, para evitar que sua filiação fosse questionada e até mesmo inviabilizada.

"A troca de legenda foi comunicada à direção do Podemos, a quem agradeço todo o apoio. Para ingressar no novo partido, abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor", afirmou o ex-juiz em declaração pública.

O ex-juiz chegou a redigir uma primeira nota informando a respeito da filiação no partido, mas que não mencionava a desistência na corrida pelo Palácio do Planalto.

Esse primeiro documento chegou às mãos de integrantes da ala da União Brasil que resiste ao ex-ministro, capitaneada pelo secretário-geral do partido, ACM Neto (BA). Insatisfeito com o teor do texto, o grupo decidiu divulgar posicionamento com veto à candidatura presidencial do ex-ministro.

Após a divulgação da nota, Moro mudou de posição e resolveu anunciar a retirada, neste momento, de seu nome na disputa pela Presidência da República.

Moro assina ficha de filiação da União Brasil - Arquivo pessoal

Embora o recuo seja lido como definitivo por alguns dirigentes da União Brasil, aliados de Moro admitem, sob reserva, que ele não desistiu por completo do plano de se candidatar ao Planalto.

A declaração do ex-ministro foi dada, então, como forma de driblar as resistências internas e evitar, por ora, um questionamento à sua filiação.

Após se filiar à União Brasil, Moro conversou com ACM Neto, que expôs a ele as divergências.

O grupo que resiste ao ex-juiz aceita que ele dispute o Senado ou uma vaga de deputado federal por São Paulo, para onde o ex-magistrado transferiu seu domicílio eleitoral, que antes era no Paraná.

Esta ala fará frente à outra da União Brasil, que é entusiasta do ex-juiz.

"É um privilégio ter Moro no partido. Ele vai agregar eleitoralmente em qualquer cargo que ele venha a disputar", afirmou o deputado Júnior Bozella (União Brasil-SP), um dos principais fiadores e articuladores da migração de Moro à União Brasil.

O coordenador da campanha presidencial do ex-juiz, Luís Felipe Cunha, afirmou que ele não poderia entrar na sigla fazendo exigências.

"Você não chega em um partido exigindo posições. Moro tem o desprendimento necessário para participar da construção de um projeto de país", disse o coordenador à Folha.

A decisão de Moro irritou a cúpula do Podemos, partido ao qual o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro havia se filiado em novembro do ano passado.

"Para a surpresa de todos, tanto a Executiva Nacional quanto os parlamentares souberam via imprensa da nova filiação de Moro, sem sequer uma comunicação interna do ex-presidenciável", afirmou a presidente do Podemos, deputada Renata Abreu, em nota divulgada nesta quinta.

Apesar da declaração, o ex-magistrado estava sendo pressionado também no Podemos a desistir da candidatura presidencial. Uma das razões seria a falta de recursos do partido em sustentar uma campanha robusta ao Palácio do Planalto.

A saída de Moro, ainda que não seja considerada definitiva pelo ex-juiz, foi celebrada por outros partidos da chamada terceira via, já que afunila a quantidade de candidaturas.

Em outro movimento relevante no campo que quer se opor a Lula e Bolsonaro, Doria protagonizou um vaivém que acabou por ampliar o racha no próprio partido.

Ele chegou a comunicar seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB-SP), na quinta-feira (30), que ficaria no cargo e desistiria de disputar a Presidência. A decisão gerou um alvoroço no PSDB, já que Doria tinha um acordo com Rodrigo para deixá-lo assumir o governo a partir de abril para disputar a sua sucessão.

À tarde, Doria anunciou que havia desistido de ficar no governo e que sairia candidato ao Planalto.

Entre dirigentes de partidos que querem se opor a Lula e Bolsonaro, a avaliação é que o tucano sai enfraquecido no dia por demonstrar instabilidade.

A leitura é que o gesto aumenta a desconfiança e a descrença sobre a candidatura de Doria, tornando difícil que outros partidos queiram endossar sua candidatura. Para aliados de Eduardo Leite, isso abre espaço para uma eventual candidatura do gaúcho.

Doria levanta a mão de Rodrigo Garcia no evento no Palácio dos Bandeirantes
Doria levanta a mão de Rodrigo Garcia no evento no Palácio dos Bandeirantes - Bruno Santos/Folhapress

Aliados de Doria discordam que ele tenha perdido força e avaliam que ele sai maior por ter conseguido apoio do presidente da sigla à sua candidatura. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, divulgou uma carta dizendo que o tucano deixaria, sim, o governo e disputaria a Presidência da República.

O gesto de Araújo, porém, foi lido por outras alas do PSDB mais como uma forma de salvar a candidatura de Rodrigo Garcia ao Governo de São Paulo, já que ele seria prejudicado com a decisão de Doria.

Na prática, o vaivém do governador tucano ampliou o racha no PSDB e fortaleceu a intenção de integrantes do partido de impulsionar a candidatura de Leite, que perdeu as prévias internas da sigla.

Os aliados do gaúcho apostam que Doria não vai decolar e já pensam numa programação de viagens para Leite para que ele chegue a um patamar de 5% nas intenções de voto em meados do ano.

A ideia é torná-lo competitivo para ser considerado como uma opção de presidenciável pelas siglas cujas cúpulas buscam uma terceira via: PSDB, União Brasil, Podemos e MDB.

O PSD também quer lançar um candidato, mas ainda não tem um nome definido e não participa das conversas com as outras legendas.

Para outros candidatos, o vaivém de Doria e o recuo de Moro mudam pouco o cenário de polarização entre Lula e Bolsonaro. Pelo contrário.

A instabilidade e indefinição nessas candidaturas podem até reforçar a briga entre o presidente e o ex-mandatário e antecipar para o primeiro turno uma disputa de votos úteis —isto é, anti-Lula ou anti-Bolsonaro.

"O segundo turno já começou", afirmou o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) à Folha.

"Cada vez mais a terceira via vai ficando mais distante. O juiz venal lançou candidatura simplesmente para tentar puxar voto para o partido dele. E o Doria mostra que a confusão está grande no PSDB, fragilizando o partido e acho que tem dificuldade de crescer depois dessa bravataria", diz o deputado Rui Falcão (PT-SP).

"Vai ficando mais claro que a disputa será entre Lula e Bolsonaro", avalia.

Integrantes de outras campanhas avaliam que o PT pode sair prejudicado pela saída de Moro pelo fato de que o voto do ex-juiz tende a ir para Bolsonaro. Isso, porém, terá de ser medido em pesquisas, avaliam petistas.

Aliados do presidente Bolsonaro viram na desistência de Moro na disputa pelo Planalto mais um passo para a polarização ainda no primeiro turno. Como a Folha mostrou, o entorno do mandatário aposta todas as fichas no antipetismo para a reeleição.

Ainda que Doria se mantenha na disputa, a leitura é a de que os votos do lava-jatismo, que eram de Moro, estão mais próximos de Bolsonaro do que dos demais concorrentes. Avaliam ainda que o antipetismo falará mais alto nas urnas.

Auxiliares palacianos e ministros sempre apostaram suas fichas que Moro eventualmente desistiria. Seja pela falta de estrutura e recursos na campanha pelo Podemos, seja por simplesmente não decolar, como esperava.

Nas redes bolsonaristas, a desistência fortaleceu a tese de que o ex-juiz da Lava Jato é traidor. Primeiro, de Bolsonaro. Agora, do Podemos.

Na visão do presidente do PDT, Carlos Lupi, a saída de Moro fortalece a candidatura de Ciro.

"O eleitor que estava apoiando o Moro é um eleitor que é ex-Bolsonaro, mas jamais será Lula. Então é mais natural eles virem para a gente do que para outra via. A gente quer mostrar nosso projeto, nossa proposta, nossa independência. Então acho que isso vai se dar naturalmente", disse.

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