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André Mendonça será exposto entre autodefesa do STF e símbolo bolsonarista

Ação penal contra o deputado federal Daniel Silveira está na pauta do plenário do Supremo da semana que vem

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP

O Supremo Tribunal Federal experimenta um aumento da litigiosidade constitucional durante os anos de governo Bolsonaro: as ações contra o governo são pelo menos três vezes maiores que aquelas propostas contra atos do governo Dilma-Temer.

A principal explicação para tal aumento reside nos reiterados e sistemáticos ataques à Constituição promovidos por Jair Bolsonaro, seus ministros e seus apoiadores.

Esses ataques tomam a forma de decretos, portarias, orientações e omissões que não são submetidos à apreciação do Congresso Nacional, o que tem dificultado a sua atuação como instância de controle através de vetos e derrubadas da agenda governamental.

Isso contribuiu para que o Supremo se tornasse a principal –quando não a única– instância de controle dos atos do governo.

Por isso, foi vista com preocupação a indicação de um ex-membro do governo Bolsonaro a uma cadeira no Supremo. André Mendonça serviu ao governo como chefe da Advocacia-Geral da União e depois, ainda mais intestinamente, como ministro da Justiça.

Ministro no plenário do tribunal usando máscara e com a mão no peito
O ministro André Mendonça (à frente) durante a posse no Supremo - Fellipe Sampaio - 16.dez.21/Divulgação STF

Dadas as características do litígio instaurado no Supremo contra o governo Bolsonaro, inevitavelmente André Mendonça seria chamado a julgar a adequação de atos, portarias, decretos, orientações e omissões que ajudara a construir.

Simplificando, analisará se a forma como ele mesmo agiu estava ou não adequada à Constituição.

A controvérsia sobre o possível impedimento do ministro já chegou ao STF.

O tribunal entendeu que a manifestação da AGU em processos no STF é atribuição institucional em defesa de normas jurídicas, ocorre em termos objetivos (isto é, sem interesse específico de qualquer parte do processo) e, portanto, não impede a atuação de um ministro que tenha ocupado tal função.

O tribunal reiterou entendimento que já havia feito sobre outros ministros que ocuparam a AGU, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Porém não são apenas as manifestações de André Mendonça enquanto AGU que levantam questões sobre seu impedimento, mas também sua participação ativa no governo Bolsonaro enquanto ministro da Justiça.

As razões para preocupação foram expostas no último julgamento em plenário que tratou de ações da chamada "pauta verde".

As ações questionavam omissões do governo no combate ao desmatamento na Amazônia e atos que contribuíram para seu incremento nos últimos anos, atestado inequivocamente por institutos de pesquisa nacionais e internacionais.

O ministro André Mendonça suspendeu o julgamento de duas ações com pedidos de vista. Justificou-se afirmando "não querer olhar para o passado", apontando existir uma "criminalidade transnacional" que envolve a venda de madeira a países que "são muitas das vezes os que nos apontam os erros" e há inúmeros "ilícitos praticados por nativos".

A partir de impressões de sua vida pregressa, defendeu seus atos como ministro da Justiça na região.

Alexandre de Moraes fez o necessário contraponto expondo que a destinação ilegal da madeira oriunda da Amazônia a qual Mendonça se referiu foi estimulada por autoridades do governo Bolsonaro: à época, ministro do Meio Ambiente e presidente do Ibama facilitaram o contrabando de madeira ilegal.

No entanto, não é possível afirmar que haja um sólido padrão de defesa dos atos do governo Bolsonaro a partir dos votos do ministro André Mendonça.

Considerando as sete ações fortemente relacionadas com a agenda do governo Bolsonaro que foram a julgamento no STF desde sua posse, ele se posicionou, em três delas, parcialmente favorável ao governo (ao criar ressalvas à atuação da Funai em terras não homologadas; ao não conhecer a ação que questionava o uso do Disque 100 contra a vacinação e ao entender que universidades federais não poderiam exigir comprovante de vacinação de seus alunos para atividades presenciais) e foi vencido em todas elas.

Em apenas uma ação, compôs a unanimidade para restaurar o funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Nas demais três ações, André Mendonça pediu vista e suspendeu o julgamento: em duas ações relativas à "pauta verde" e em outra que questiona o uso de relatórios de monitoramento de parlamentares pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), algo semelhante aos dossiês secretos contra opositores produzidos no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública quando André Mendonça ocupava a sua chefia.

É preciso que o tribunal responda se, também nesses casos, o ministro não estará impedido.

Em breve, um novo julgamento poderá deixar o perfil dele mais claro. A ação penal contra o deputado federal Daniel Silveira está na pauta do plenário do STF.

Nesse mesmo caso, recentemente, André Mendonça se posicionou contra a imposição de medida cautelar para determinar uso de tornozeleira eletrônica pelo deputado e ficou vencido na companhia de Nunes Marques.

A ação penal contra Daniel Silveira faz parte de uma série de investigações que analisam ataques desferidos contra o Supremo por apoiadores e por autoridades do governo Bolsonaro.

Importante relembrar que foi no âmbito destas investigações que o então ministro da Justiça, André Mendonça, impetrou um habeas corpus em favor de Abraham Weintraub, então ministro da Educação, que em reunião ministerial afirmou que "colocaria todos esses vagabundos na cadeia, começando no STF".

Acompanhar o julgamento da ação penal contra Daniel Silveira poderá não só deixar mais clara a posição de André Mendonça como ministro. Indicará, também, se haverá cisão em uma agenda que costumava unificar o Supremo: sua autodefesa.

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