Clã Bolsonaro poupa Mendonça de críticas públicas após voto contra Daniel Silveira

Ministro do STF tem sido alvo de aliados do presidente por decisão em julgamento

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Brasília

Homem de confiança do presidente Jair Bolsonaro (PL) enquanto esteve no Executivo, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça se tornou alvo de ataques da militância bolsonarista, mas tem sido poupado, por ora, de críticas diretas do mandatário e de seu clã, de quem goza de proximidade.

Na última semana, Mendonça entrou na mira de aliados do presidente após defender condenação do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ).

Na quarta-feira (20), o Supremo condenou o parlamentar a oito anos e nove meses de prisão por ter atacado integrantes da corte. Mendonça votou pela condenação —mas que a pena fosse de dois anos e quatro meses em regime inicialmente aberto.

No dia seguinte, ele usou as redes sociais para se defender de críticas. Escreveu que, como cristão e como jurista, fez o correto. "E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio. Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto", acrescentou.

Ministro André Mendença na última sessão plenária deste ano judiciário de 2021.Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro André Mendença em sessão do STF - Rosinei Coutinho/SCO/STF

Também na quinta, o chefe do Executivo decidiu conceder o perdão de pena ao parlamentar, abrindo nova frente de atrito com o Supremo.

O presidente e seus filhos, que geralmente não hesitam em atacar opiniões contrárias, criticaram o resultado do julgamento, mas evitaram comentar o voto de Mendonça.

Com duas passagens pela AGU (Advocacia-Geral da União) e uma pelo Ministério da Justiça, Mendonça tomou diversas medidas controversas a fim de se cacifar com a família presidencial antes de ser indicado ao Supremo.

O magistrado sempre teve bom trânsito na corte, mas chegou a colocar em xeque o capital político que tinha dentro do tribunal para agradar ao Palácio do Planalto.

Escolhido para o STF a fim de preencher a vaga destinada a um "terrivelmente evangélico", como havia prometido Bolsonaro, Mendonça conheceu o chefe do Executivo logo após as eleições de 2018 e, rapidamente, se tornou um dos principais nomes do governo.

Além de ter ganhado a confiança do presidente, ele também se aproximou da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. No dia em que foi aprovado para a corte pelo Senado, por exemplo, acompanhou a sessão ao lado da mulher do presidente, que se emocionou quando o resultado da votação foi anunciado.

Bolsonaro anunciou o benefício a Silveira em um vídeo ao lado da primeira-dama, o que foi lido dentro do Supremo como um recado a Mendonça.

Antes de chegar ao STF, Mendonça havia feito diversos movimentos polêmicos para agradar ao presidente.

Isso ocorreu, por exemplo, quando assinou um habeas corpus em favor de Abraham Weintraub logo após a divulgação do vídeo de uma reunião ministerial em que o então ministro da Educação chama os ministros do STF de "vagabundos" e diz que todos deveriam ser presos.

Mendonça chefiava a pasta da Justiça na época e foi escolhido por Bolsonaro para ser o autor do pedido a fim de mandar um recado político ao tribunal —o mais comum seria o advogado-geral da União tomar esse tipo de iniciativa judicial.

Ele também foi alvo de críticas dentro do tribunal por ter aberto inúmeros inquéritos contra opositores do chefe do Executivo. À frente da pasta da qual é subordinada a Polícia Federal, determinou instauração de investigação contra políticos, jornalistas e críticos do governo.

No início de 2021, determinou que fosse apurada a instalação de outdoor em Palmas com a afirmação de que Bolsonaro "não vale um pequi roído".

Outro alvo de inquérito por ordem de Mendonça foi o ex-governador do Ceará e pré-candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT) por ter chamado Bolsonaro de "ladrão".

Para embasar a abertura dos inquéritos, o ministro citava a Lei de Segurança Nacional. Na sabatina do Senado, porém, ele negou que teria usado a legislação para perseguir adversários do presidente.

Outro momento de tensão entre Mendonça e o Supremo antes de ele assumir um assento no tribunal foi no julgamento em que a corte determinou ao Ministério da Justiça a suspensão de relatório sobre a vida pessoal de 579 militantes de movimento identificado como antifascista.

O plenário do STF mandou o governo parar de elaborar esses documentos por um placar de 9 a 1 em um julgamento com diversas críticas ao Executivo.

A análise da ação que discutia decretos que proibiam a realização de cultos e missas como medida para conter o avanço da Covid-19 também representou um desgaste para Mendonça no STF.

O ministro Kassio Nunes Marques liberou as celebrações religiosas e, depois, o plenário da corte derrubou a decisão individual do magistrado. Mendonça atuou no caso como advogado-geral da União e fez um discurso incisivo em defesa da liberação dos encontros religiosos e foi rebatido pelo ministro Gilmar Mendes.

O integrante do Supremo comentou o fato de Mendonça ter feito uma analogia entre os cultos proibidos enquanto os ônibus estavam lotados.

"Quando sua excelência fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente do transporte coletivo, e fala do problema do transporte aéreo com a acumulação da pessoa, eu poderia ter entendido que sua Excelência teria vindo agora para a Tribuna do Supremo de uma viagem à Marte", disse.

Sem mencionar Mendonça, Gilmar também o chamou de "bobo da corte".

Apesar da decepção causada na militância bolsonarista no episódio sobre Silveira, o ministro já fez acenos ao governo como membro do Supremo. Ele foi o responsável, por exemplo, por pedir vistas (mais tempo para analisar o caso) no julgamento de ações em que o Executivo é acusado de omissão no combate ao desmatamento da Amazônia.

A relatora, ministro Cármen Lúcia, votou para afirmar que há "um estado de coisas institucional" na política ambiental brasileira. Mendonça, porém, interrompeu a discussão da matéria e evitou eventual derrota do governo na corte.

Por meio de nota, o ministro Gilmar Mendes disse que "jamais usou a expressão" bobo da corte em referência a Mendonça.

"O ministro fez uma crítica geral sobre a responsabilidade da União na legislação do transporte, que enfrentava superlotação em meio a um momento de restrições, e completou: 'É preciso que cada um de nós assuma sua responsabilidade. Isso precisa ficar muito claro. Não tentemos enganar ninguém. Até porque os bobos ficaram fora da Corte'", disse o magistrado.

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