Conselho de ética aprova cassação de Arthur do Val, e caso deve ir ao plenário da Assembleia

Proposta de punição por fala sexista teve aval unânime de comissão; deputado fala em 'perseguição política'

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São Paulo

O conselho de ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou por unanimidade a proposta de cassação do mandato do deputado Arthur do Val (União Brasil) por quebra de decoro parlamentar em razão de falas sexistas sobre mulheres ucranianas.

A aprovação pelos nove integrantes do colegiado ocorreu em reunião na tarde desta terça-feira (12), que durou mais de três horas e concluiu a atuação do grupo no processo ao qual Arthur responde no Legislativo.

A cassação do mandato dele, porém, não ocorre imediatamente. A decisão do conselho de ética segue para a mesa diretora da Assembleia, que precisa dar aval para o caso seguir ao plenário —em forma de um projeto de resolução que, por regimento, terá ainda que ser apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça.

O deputado Arthur do Val durante sessão sobre sua cassação na Assembleia de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

A proposta, então, precisará ser pautada pelo presidente da Casa, Carlão Pignatari (PSDB), e obter maioria simples (voto favorável de 48 deputados) para ser aprovada.

Se isso ocorrer, Arthur, também conhecido como Mamãe Falei, perde o seu mandato. Mas no plenário os deputados podem rever a decisão do conselho e alterar a punição, que também pode ser uma advertência, uma censura ou a suspensão do mandato por um tempo determinado.

Por meio de nota, Arthur lamentou "profundamente" que a comissão tenha "deixado a justiça de lado para promover uma perseguição política contra um opositor".

"O parlamentar espera que, em plenário, os deputados estaduais de São Paulo tenham a consciência de que o que está em jogo é um pilar da democracia, pois decidirão sobre o futuro de um mandato que representa a vontade de 478 mil eleitores paulistas", diz.

Nesta terça, a punição aprovada pelo conselho de ética seguiu a pena proposta pelo relator do caso, deputado Delegado Olim (PP).

Além de Olim, votaram a favor da cassação os deputados Adalberto Freitas (PSDB), Barros Munhoz (PSDB), Campos Machado (Avante), Érica Malunguinho (PSOL), Enio Tatto (PT), Marina Helou (Rede), Maria Lúcia Amary (PSDB) e Wellington Moura (Republicanos).

A deputada Amary, presidente do conselho de ética, diz acreditar que deve demorar ao menos 15 dias para que a mesa diretora da Assembleia prepare a resolução e marque uma data para votar sobre a cassação de Arthur do Val.

Ela também avalia que o plenário deve confirmar o resultado visto na comissão. "Acredito que sim, pela resposta que foi dada agora. O conselho é representativo de vários partidos ideológicos. Pelo resultado, fica confirmada uma possibilidade muito alta de ser referendado o veredicto de hoje", afirma.

"A resposta foi uma medida exemplar. Se outros casos no passado tiveram uma pena não proporcional à ação, neste caso, que nós não podíamos medir por aquela régua, hoje foi tomada essa medida", afirmou a deputada.

A sessão desta terça foi tumultuada. A reunião foi iniciada por uma discussão entre Amary (PSDB), presidente do grupo, e a deputada Isa Penna, que acompanhava a sessão.

A tucana propôs uma pausa de dez minutos na sessão para que os integrantes do conselho de ética se reunissem, a portas fechadas em uma sala ao lado, com Arthur. Penna criticou a ideia, que considerou absurda.

Na sequência, Barros Munhoz pediu que o processo fosse votado em regime de urgência. A defesa de Arthur alegou que o regimento interno da Casa exige pedido por escrito para que isso ocorra. Munhoz, então, escreveu uma solicitação do próprio punho e a fez circular entre os deputados do conselho, que assinavam o papel enquanto Amary chamava um por um para votar sobre o assunto.

"Isso é um absurdo", afirmou o advogado de Mamãe Falei, Paulo Bueno. Ele que ainda alegou que o fim do prazo de 30 dias para a conclusão do processo, previsto em regimento da Alesp, só terminaria na próxima segunda (18) —já que, segundo ele, seria contado a partir da aceitação do processo no colegiado, que ocorreu em 18 de março. Isso foi negado pela presidente do grupo.

Do lado de fora do auditório onde a reunião ocorreu, militantes do MBL (Movimento Brasil Livre) e simpatizantes de Arthur —convocados pelo próprio deputado via redes sociais— gritavam frases como "Criminosa. Imoral. A cassação do Arthur do Val" e "Não, não, não! Não à cassação". O grupo era composto majoritariamente por homens.

Policiais militares ficaram a postos à porta do auditório e acompanhavam deputados que eventualmente saíam e voltavam do recinto.

O deputado Gil Diniz (PL), disse no microfone que um ex-assessor dele foi agredido por um membro do MBL (Movimento Brasil Livre) e ex-assessor de Arthur.

Homem mostra faixa com apoio a Arthur do Val - Rivaldo Gomes/Folhapress

Do lado de dentro do auditório, mulheres seguravam cartazes pedindo a punição do deputado com a perda do mandato. Um grupo de ucranianas segurava a bandeira daquele país.

A brasileira Juliana Savelieva, que acompanhava duas ucranianas, afirmou à Folha que a comitiva delas era de 11 mulheres —mas a maioria, segundo ela, foi impedida de entrar no auditório por causa da confusão causada no corredor de entrada pelos manifestantes. Para ela, o resultado da votação desta terça "é o mínimo de Justiça".

Em suas falas, nenhum dos deputados presentes na sessão, integrantes da comissão ou não, defendeu Arthur.

Alguns dos pronunciamentos foram inflamados, como os de Gil Diniz (PL), que chamou Arthur de "covarde" e "playboy", e Barros Munhoz (PSDB), que chegou a bater na mesa enquanto falava efusivamente.

"Lamentavelmente, o deputado Arthur do Val se embriagou com o poder", disse Munhoz. "Ele teve tempo [para evitar a aprovação da cassação]. Antes de o processo ter sido adotado, ele poderia ter renunciado ao mandato. Talvez aí o povo perdoasse. Talvez, de joelhos, o povo perdoasse ele", seguiu o tucano.

Diniz também disse ter tido acesso a um grupo de WhatsApp no qual Mamãe Falei supostamente compartilharia imagens de mulheres com quem já se relacionou. Ele, porém não apresentou provas sobre isso. Arthur também não comentou sobre isso durante a sessão.

"A responsabilidade agora é de fazer história. A cassação do Arthur vai lavar a minha alma. Vai abrir um precedente para o respeito às mulheres", discursou Isa Penna. "Eu não tive a punição justa [para o colega Fernando Cury, que a apalpou em plenário]."

"É injusto que o Cury não tenha sido cassado. Mas a injustiça é comigo, não com você [Arthur]. Então tire o meu nome das suas justificativas", disse ela, criticando o fato de a defesa de Arthur citar o caso de Cury, que foi suspenso por seis meses, para alegar que a cassação, no caso dele, seria exagerada.

Mamãe Falei passou a maior parte da sessão cabisbaixo, olhando para o celular, fazendo anotações ou conversando com o seu advogado. Deputados presentes, inclusive, criticaram o fato de Mamãe Falei não olhar para eles enquanto falavam.

O deputado alvo do pedido de cassação foi o último da sessão a falar. Arthur voltou a pedir desculpas pelas suas falas, mas afirmou que aquele julgamento não era sobre machismo, e sim uma perseguição política contra ele.

"A verdade é que todos aqui me odeiam", afirmou ele, que então passou a elencar o que considera feitos seus que desagradaram colegas da Casa. "Esse processo de cassação não é pelos meus defeitos. E sim pelas minhas virtudes", disse.

"Eu tenho dó de muitos de vocês aqui. Porque muita gente aqui é escravo de um Lula ou de um Bolsonaro", afirmou Arthur. "Vocês vão cortar a minha cabeça. Eu sei que vão. Mas vão nascer mais no meu lugar. Quero ver daqui a meses qual foi o resultado disso."

Arthur do Val, também conhecido como Mamãe Falei, virou alvo de processo na comissão de ética por causa das falas que ele enviou a um grupo de WhatsApp após uma viagem à Ucrânia, que enfrenta uma guerra contra a Rússia.

Nos áudios, ele diz que as mulheres ucranianas são fáceis "porque são pobres". Nas mensagens, Arthur também afirma que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a "melhor balada do Brasil".

O colegiado recebeu 21 representações pedindo a cassação do mandato dele por quebra de decoro parlamentar.

Antes, a defesa do deputado argumentou que os áudios foram vazados ilicitamente, que o conselho de ética não teria competência para julgar o caso —já que as falas foram feitas fora do Brasil— e que o deputado estava licenciado do cargo quando o episódio ocorreu.

A crise gerada pelas falas fez com que Arthur desistisse de sua pré-candidatura ao Governo de SP. Ele também deixou o Podemos e, oficialmente, se desligou do MBL (Movimento Brasil Livre).

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