Descrição de chapéu Governo Bolsonaro Folhajus

Empreiteira que usa firma de fachada fez reuniões sem ata com ministro e Alcolumbre

Engefort teve também ao menos 19 agendas com dirigentes da Codevasf, comandada pelo centrão; estatal nega irregularidades

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Brasília e São Paulo

A empreiteira que tem dominado licitações de pavimentação do governo Bolsonaro, muitas vezes participando sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada, fez reuniões sem registro em atas com o então titular do Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A Engefort, construtora com sede em Imperatriz, sul do Maranhão, explodiu em verbas na atual gestão e sob Bolsonaro foge de sua tradição ao obter também contratos para asfaltamento longe de sua base.

Até agora, o governo reservou cerca de R$ 620 milhões do Orçamento para pagamentos à empresa —o valor total já quitado a ela soma R$ 84,6 milhões. Apesar do volume, como revelou a Folha, a empresa é uma caixa-preta e silencia sobre seus contratos e a firma de fachada usadas nas concorrências.

A fonte de recursos dela são contratos com a Codevasf, estatal federal entregue por Bolsonaro ao centrão em troca de apoio político, e as verbas das emendas parlamentares, ampliadas no esquema do toma-lá-dá-cá pelo Congresso no atual governo.

O então ministro Rogério Marinho e o presidente Jair Bolsonaro
O então ministro Rogério Marinho e o presidente Jair Bolsonaro - Adriano Machado-15.set.21/Reuters

Registros de agendas oficiais da Codevasf mostram 19 encontros de representantes da Engefort com dirigentes da estatal.

Em 28 de janeiro de 2022, o então ministro Rogério Marinho (PL-RN) estava de férias, mas se encontrou com o presidente da Codevasf, Marcelo Moreira, e com Fernando Teles Antunes Neto, gerente comercial da Engefort.

Moreira ainda recebeu, em 22 de setembro de 2021, o senador Alcolumbre e Antunes Neto.

Os registros do tema das conversas, da lista de presença e dos documentos de agendamento das reuniões não existem, segundo informou a Codevasf após questionamento da Folha via Lei de Acesso à Informação.

Pelo mesmo canal, o ministério afirmou que Marinho, de férias, esteve em Brasília após ser convocado para uma reunião com Ciro Nogueira (Casa Civil).

"Momentos antes da audiência no Palácio do Planalto, recebeu representantes da empresa Engefort, vencedora da licitação de obras nos Estados de Amapá-AP, Bahia-BA, Ceará-CE, Minas Gerais-MG, Paraíba-PB, Rio Grande do Norte-RN e Sergipe-SE", disse o ministério.

"A audiência foi acompanhada pelo presidente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba — Codevasf, Marcelo Moreira, e contou com a participação de Fernando Teles, Diretor da Engefort, e de Eduardo Almeira, Gestor Técnico da Engefort", afirmou ainda a pasta.

O encontro não foi divulgado na agenda do ministro. O MDR disse que a página na internet que mostra o compromisso de Marinho já estava programada para informar apenas que ele estava de férias.

Em nota enviada após a publicação desta reportagem, a Codevasf disse que a reunião com Rogério Marinho "serviu para orientação de que houvesse observância de prazos contratuais na execução de obras".

Cerca de dois meses depois da reunião com o presidente da Codevasf e Alcolumbre, em dezembro de 2021, a Engefort teve a companhia de uma empresa que a Folha descobriu ser de fachada em uma licitação para pavimentação da Codevasf no Amapá.

A Folha questionou na semana passada e nesta segunda-feira (11) a assessoria de Alcolumbre sobre o tema da reunião com a Engefort, mas não recebeu resposta.

Nessa concorrência, realizada na forma de pregão eletrônico, as duas únicas empresas participantes foram a Engefort e a Del Construtora Ltda., que está registrada em nome de um dos irmãos dos sócios da líder Engefort

Esse pregão levou à assinatura de um contrato no valor de R$ 62,5 milhões para pavimentação no Amapá.

Na documentação apresentada pela Engefort para a disputa, constam como sócios da empresa Carlos Eduardo Del Castilho e Carla Cristiane Del Castilho.

Segundo a ata do pregão, a Del chegou a enviar um link para acesso à sua documentação, porém a pasta estava vazia. Se a firma tivesse apresentado os papéis, teria sido possível verificar que o sócio administrador da Del é Antonio Carlos Del Castilho Júnior, irmão dos sócios da Engefort.

A falta da documentação levou a Del a ser desclassificada, e a Engefort ganhou o contrato também praticamente pelo valor cheio.

Em 2020 o presidente Bolsonaro fez um aceno justamente a Marinho e Alcolumbre e sancionou o projeto de lei que amplia a área de atuação da Codevasf, políticos contemplados pela mudança.

O site da Codevasf ainda registra uma reunião em julho de 2020 entre o então chefe da 8ª superintendência da estatal, João Francisco Braga, com Newton Ramada, representante da Engefort, e "Juscelino Filho, ex-prefeito do município de Vitorino Freire".

Este registro, porém, é dúbio, pois o deputado Juscelino Filho (União-MA) não foi prefeito da cidade, cargo que foi exercido apenas por Juscelino Rezende, pai do parlamentar.

A Codevasf e a assessoria do deputado não explicaram quem esteve na reunião e qual foi a pauta do encontro.

Vista aérea da sede da construtora Engefort, em Imperatriz (MA)
Sede da construtora Engefort, em Imperatriz (MA), que é uma caixa-preta e silencia sobre seus contratos e a firma de fachada usadas nas concorrências - Adriano Vizoni/Folhapress

Dados de notas de empenho registradas no portal da transparência apontam que R$ 24 milhões empenhados à empresa foram para obras indicadas pelo senador Alcolumbre.

Cerca de R$ 25 milhões foram empenhados para obras apontadas pelo deputado Juscelino Filho, que é vice-líder de seu partido na Câmara dos Deputados. Isso não significa que os parlamentares direcionaram a contratação da empresa.

Em Imperatriz, a principal obra feita pela Engefort foi um anel viário, a partir de emenda de Juscelinho Filho. Como mostrou a Folha, a via tem menos de dois anos, já teve de passar por reforma e possui buracos enormes que colocam em risco a segurança de condutores e moradores.

A Folha esteve em Imperatriz no início deste mês. ​A primeira tentativa de contato com representantes da Del ocorreu no endereço indicado nos registros públicos da companhia, no povoado de Lagoa Verde. A reportagem constatou que o endereço indicado não existe.

"Eu nasci aqui na rua e nunca teve nada de construtora por aqui", afirmou o marceneiro Guilherme Santos Reis, 24.

A reportagem também telefonou para o número da Del Construtora indicado no Portal da Transparência do governo federal. A atendente afirmou que a ligação havia caído na Engefort.

Indagada, ela respondeu: "Está na ficha cadastral aqui da Del mesmo, mas ela também faz parte da Engefort. São dos mesmos donos, na verdade, da mesma família. Associaram esse número à Del. Você quer falar com a Del ou com a Engefort?"

A reportagem pediu o contato de algum representante das empresas, mas nunca houve retorno.

Fernando Teles Antunes Neto, gerente comercial da Engefort, é neto de um ex-secretário estadual no governo Jackson Lago (2007-2009), que também foi presidente do diretório municipal do PDT de Imperatriz e presidente de um comitê criado para promover a proposta da criação de um novo estado, o Maranhão do Sul, a partir da separação da região sul do estado.

Em nota, a Codevasf disse à Folha que as reuniões trataram "de temas de interesse institucional e de projetos de desenvolvimento regional". "Não há registros de ata dos compromissos indicados na demanda", disse a estatal.

Rua do povoado Lagoa Verde, em Imperatriz (MA)
Rua do povoado Lagoa Verde, em Imperatriz (MA), onde está registrado o endereço da Del Construtora, empresa de fachada ligada à Engefort - Adriano Vizoni/Folhapress
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