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Entre esquerda e direita, o Brasil é negro

Ausência de pessoas negras em todos os cenários políticos demonstra o quanto ainda temos longo caminho no debate de diversidade no Brasil

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Antonio Isuperio

Arquiteto brasileiro, é negro, filho de empregada doméstica e LGBTQIA+ que mora em Nova York

Este título inspirado em uma de nossas maiores filósofas, Sueli Carneiro, é o raio-X do Brasil ainda por muitos anos.

Uma recente fotografia do evento em que o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) foi indicado como candidato a vice de Lula (PT) à Presidência da República, nesta sexta (8), vem sendo criticada nas redes sociais e aplicativos de mensagens por setores da esquerda, com completa razão.

A esquerda que nunca se entendeu racista, como Robin DiAngelo diz, "são os progressistas que causam as maiores violências cotidianas aos corpos dissidentes, porque eles se entendem desconstruidões". A ausência de pessoas negras, mulheres e LGBTs em todos os cenários políticos demonstra o quanto ainda temos longo caminho no debate de diversidade no Brasil.

Membros do PT e do PSB em reunião com Lula e Alckmin; Gleisi e Janja são as únicas mulheres
Membros do PT e do PSB em reunião com Lula e Alckmin; Gleisi e Janja são as únicas mulheres - Ricardo Stuckert

Em 29 de novembro de 2020, no primeiro mês da Consciência Negra após o assassinato de George Floyd, Fernando Haddad fez uma postagem com políticos brancos e a legenda "O Brasil que a gente quer".

Essa postagem exemplifica o quanto a política brasileira segue consistente no projeto de eugenia, onde pessoas negras não existem no futuro do Brasil. Vocês conseguem imaginar Blade Runner afrocentrado? A esquerda também não. Nós não existimos nem no imaginário de futuro do Brasil.

O podcast do Mano Brown entrevistando Lula deixa todo este cenário ainda mais evidente, onde o principal presidenciável não tem nenhum letramento racial. E me faz lembrar que estávamos combinando um debate com o ex-presidente no ano passado, e, quando abro o WhatsApp para dialogar com seu assessor, me deparo com um homem branco de olhos azuis. É isso. No Brasil. Em 2022. Nos respondeu inicialmente e depois parou.

Participando de uma conversa pública com Ciro Gomes no ano passado, juntamente com a CEO do movimento Black Money, Nina Silva, questionamos sobre políticas públicas direcionadas à população negra. Ciro respondeu desconectando raça a classe, um erro bastante primário no contexto Brasil. É importante entender que quando se centraliza a pauta racial em nosso território se mapeia nitidamente as problemáticas de saúde, de transporte, educação, moradia e principalmente de divisão de trabalho e economia. Constrangido, Ciro nos convidou a contribuir com o plano de campanha, e a partir daí nunca mais tivermos contato.

A estrutura de imobilidade social de negros no Brasil é geracional. Se a maioria das pessoas pobres brasileiras fosse branca, o problema da miséria já teria sido resolvido, porque o Brasil tem recursos de sobra para isso. O Brasil só é um projeto de miséria "porque tem gente negra demais" e nós somos corpos que podem ser constantemente desumanizados e descartados. Não é por acaso que em um país que tem metade da população negra, metade das pessoas está em insegurança alimentar.

O diálogo com a esquerda progressista (com a direita não existe diálogo) é assim: demonstram interesse em público, mas no desenvolvimento de planejamento e execução de estratégias deixam de nos responder e saem de fininho sem deixar rastros até que a próxima foto vergonhosa seja exposta onde recebemos outro contato "com intenções reais" de aprender. A direita ri, denunciando a hipocrisia, e nós há mais de 500 anos seguimos sem amparo político na disputa de narrativa. E sem previsão de mudança. Para a esquerda brasileira, somos a empregada domestica, aquela que é da família e não tem direito a herança.

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