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Lira vai ao STF para que Congresso, e não tribunal, dê palavra final sobre cassações

Presidente da Câmara entrou com recurso no mesmo dia em que STF condenou Daniel Silveira

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Brasília

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entrou com um recurso no STF (Supremo Tribunal Federal) para que fique definido que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar.

A peça foi levada à corte no início da noite desta quarta-feira (20), mesmo dia que o STF condenou o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a uma pena de 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicialmente fechado, e decidiu cassar o mandato do bolsonarista.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP)
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP) - Pedro Ladeira - 2.fev.22/ Folhapress

O agravo foi apresentado dentro de uma ação de 2018 impetrada por Rodrigo Maia (PSDB-RJ), então presidente da Câmara. Na época, o STF condenou o ex-deputado Paulo Feijó (PP-RJ) e determinou a perda do cargo no Congresso, com a devida comunicação da decisão à Casa Legislativa para fins de mera declaração.

Feijó encerrou o mandado em janeiro de 2019, e a controvérsia não foi a julgamento. No último dia 5, o relator da matéria, ministro Luís Roberto Barroso, declarou a perda de objeto, sem análise de mérito. É contra essa decisão de Barroso que Lira recorre, para que o assunto seja deliberado pelo Supremo.

Lira avalia que a ação deve prosseguir por ir além do caso específico e para "impedir que prerrogativas constitucionais da Câmara dos Deputados sejam subtraídas".

Diz um trecho do pedido: "O objeto da ADPF [nome dado à ação] permanece enquanto não reconhecida a impossibilidade de impor-se à Mesa da Câmara dos Deputados a mera declaração de reconhecimento da perda de mandato de Parlamentar em virtude de sentença penal transitada em julgado".

Com o julgamento de Silveira, o assunto volta à tona. Parte dos integrantes da corte entende que a perda do mandato é automática, cabendo à Câmara apenas cumpri-la. Uma vertente, no entanto, avalia que compete ao Legislativo autorizá-la.

Alexandre de Moraes, autor do voto que levou à condenação de Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão em regime inicialmente fechado, defendeu a cassação automática do mandato.

As duas alternativas, no entanto, só se efetivam após o trânsito em julgado do caso —ou seja, assim que estiverem esgotados todos os recursos possíveis ao parlamentar.​

Quando a ação que interessa ao presidente da Câmara ainda tramitava no Supremo, a PGR (Procuradoria-Geral da República) chegou a se manifestar sobre a polêmica.

Em parecer de fevereiro de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, analisou o caso concreto e, embora tenha também indicado a perda de objeto, analisou o mérito.

Dodge foi contra o pedido que buscava dar à Câmara a palavra final sobre Feijó. "O Poder Judiciário não precisa de licença para executar sua função de julgar e de aplicar penas", afirmou.

Se a pena imposta acarreta prisão em regime fechado por prazo que se projete além de um terço das sessões ordinárias de 120 dias, afirmou a então chefe do Ministério Público Federal, "é efeito constitutivo automático do decreto condenatório que o apenado se ausente da respectiva Casa por período superior a cento e vinte dias por sessão legislativa".

"À Casa Legislativa, de modo vinculado, resta apenas a declaração desta perda", disse a ex-procuradora-geral da República.

Em outra ação que tramitou no Supremo, relativa ao caso do ex-deputado Natan Donadon, Barroso fez considerações sobre o tema, segundo decisão de setembro de 2013.

Donadon, então representante de Rondônia na Câmara, ficou preso por meses no presídio da Papuda, em Brasília, após ser condenado a 13 anos, 4 meses e 10 dias em regime fechado por peculato e formação de quadrilha. Ele perdeu o mandato em fevereiro de 2014 com o apoio de 467 deputados — 210 a mais do que o mínimo necessário, que é 257 —, e nenhum pela absolvição.

A discussão foi levada ao tribunal porque a Casa, em votação secreta realizada meses antes, havia preservado o mandato do então deputado condenado e preso.

Segundo Barroso, a Constituição prevê, como regra geral, que compete ao Legislativo a decisão sobre a perda do mandato de parlamentares que sofrerem condenação criminal transitada em julgado. É exigida maioria absoluta na votação.

Porém, destacou o magistrado, esta regra, em geral, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado por tempo superior ao prazo remanescente do mandato.

"Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e física de seu exercício", afirmou o ministro.

"A perda do mandato se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória."

Barroso, no entanto, afirmou que o tratamento constitucional dado ao tema não é "bom e apresenta sequelas institucionais indesejáveis" e que caberia ao Congresso, por meio de emenda à Constituição Federal, rever o sistema vigente.

Na Câmara, Lira segura há nove meses duas deliberações do Conselho de Ética que recomendam a suspensão do mandato do bolsonarista. Ambas dependem do aval do plenário para serem aplicadas. A maior, de suspensão de seis meses do mandato, foi determinada com base nos vídeos em que Silveira proferia xingamentos a ministros do STF.

Há ainda outra suspensão de dois meses que tem como origem a gravação clandestina, pelo bolsonarista, de uma reunião interna do PSL durante a crise que rachou o partido no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Em outubro de 2019, o ex-PM divulgou o encontro, durante o qual o deputado Delegado Waldir (PSL-GO), então líder do partido na Câmara, chamou o presidente Jair Bolsonaro de "vagabundo".

Waldir integrava a ala do PSL alinhada ao presidente da sigla, o também deputado federal Luciano Bivar (PE), que foi alvo de Bolsonaro e de aliados em uma disputa pelo comando do partido.

À Mesa Diretora cabe colocar esses pareceres em votação no plenário, mas Lira nem sequer definiu pontos importantes sobre o caso, como se as duas punições seriam cumulativas ou se seria considerada a maior suspensão, de seis meses.

O presidente da Câmara argumenta que as decisões envolvendo Daniel Silveira serão apreciadas no formato de projeto de resolução, que permite ao plenário alterar a pena recomendada pelo Conselho de Ética —e não só arquivar ou referendar. Foi o entendimento adotado no caso da ex-deputada Flordelis e que dificulta ainda mais a cassação do mandato de parlamentares no futuro.

Até a cassação da ex-deputada, entendia-se que cabia ao plenário da Câmara apenas aprovar ou rejeitar as recomendações do Conselho de Ética. No caso de um parecer que sugerisse a perda do mandato, os deputados deveriam confirmar ou não o entendimento do relator.

Na votação do caso Flordelis​, porém, Lira mudou o rito e decidiu aceitar que, se houvesse apoio suficiente, fossem apresentadas emendas para abrandar a pena aplicada à ex-parlamentar.

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