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Ministério Público no TCU pede suspensão de contratos com 'ONGs de prateleira'

Subprocurador afirma que, se comprovadas denúncias, princípios da moralidade e impessoalidade podem estar sendo desprezados

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Brasília e Rio de Janeiro

O Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que o órgão investigue e interrompa, como medida cautelar, o repasse do governo federal de R$ 6,2 milhões a duas "ONGs de prateleira" do ex-jogador Emerson Sheik e de Daniel Alves, lateral-direito da seleção brasileira de futebol.

Como a Folha revelou na terça-feira (5), as entidades tiveram projetos aprovados no ano passado para realização de cursos de esportes, mesmo sem ter nenhuma experiência prévia.

A assinatura dos dois convênios só foi possível porque os atletas driblaram exigências legais usando o CNPJ de ONGs inativas.

Ambas foram beneficiadas com emendas parlamentares a pedido de deputados da base do governo. A verba foi empenhada (reservada no Orçamento), mas não chegou a ser paga. O Ministério da Cidadania disse não haver ilegalidades e, após a revelação do caso, afirmou que Sheik desistiu do convênio.

Jair Bolsonaro, o secretário especial do Esporte, Marcelo Magalhães, e o ex-jogador Emerson Sheik. Foto: Crédito: Ministério da Cidadania

No documento do TCU, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado pede ao Ministério da Cidadania que suspenda repasses ao Instituto Emerson Sheik e ao Instituto DNA, de Daniel Alves.

O objetivo é que se analise possível descumprimento das exigências legais e ao regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil.

"Se confirmando os indícios de irregularidades supramencionados, que proceda a abertura de responsabilização dos agentes envolvidos, sem prejuízo de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Federal para apuração dos fatos na esfera penal", diz o procurador.

A lei de trata das parcerias entre entidades governamentais e organizações da sociedade civil afirma que, para celebrar as parcerias, as organizações da sociedade civil devem possuir no mínimo três anos de existência com cadastro ativo.

"Independentemente de o Ministério da Cidadania argumentar que não havia ilegalidade na celebração das parcerias, há de se perceber o espírito da lei do marco das ONGs. Interpretações legislativas e burlas nas exigências legais, se não descumprem ao princípio da legalidade, descumprem ao princípio da moralidade", diz Furtado.

O subprocurador também ressalta que, além do arcabouço jurídico-administrativo, a lei também diz que as parcerias com organizações da sociedade civil têm como fundamentos os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia.

"Aparentemente, a se confirmar as noticiadas supracitadas, parece-me que a moralidade, a transparência na aplicação dos recursos públicos e a impessoalidade estão sendo desprezadas para agradar, por meio de emendas parlamentares, pedidos de deputados da base do governo", diz o subprocurador.

Membros do Ministério Público e parlamentares ouvidos pela reportagem afirmam que "ONGs de prateleiras" têm sido usadas para escapar da regra que estabelece a necessidade de as entidades da sociedade civil existirem há pelo menos três anos para firmar acordos com o governo federal.

Os dois atletas assumiram os institutos meses antes de apresentarem proposta de convênio ao governo federal. Para comprovar a capacidade técnica necessária para a execução dos projetos, ambos listaram, principalmente, feitos da carreira como jogador e imagens suas durante partidas de futebol.

Emerson Sheik assumiu em dezembro de 2019 o Instituto Qualivida, fundado há 26 anos, mas que nunca realizou projetos sociais voltados aos esportes. Logo em seguida, o ex-jogador alterou o estatuto, os membros e o nome da entidade.

O Instituto Emerson Sheik, novo nome da ONG, apresentou em julho do ano passado seu primeiro projeto ao governo federal. Em dezembro, foi assinado o convênio para a instalação de três núcleos esportivos em Mangaratiba (RJ) e Queimados (RJ) por R$ 2,7 milhões.

A verba foi alocada a partir de uma emenda parlamentar da bancada do Rio de Janeiro a pedido do deputado Hélio Lopes (PL -RJ), um dos parlamentares mais próximos de Bolsonaro.

Festa de Réveillon 2021/2022; do lado esquerdo para o direito, o primeiro é André Alves, secretário do governo Bolsonaro, com Emerson Sheik ao seu lado - Reprodução/Instagram

Já o Instituto DNA, de Daniel Alves, firmou contrato de R$ 3,5 milhões em dezembro com a secretaria para instalar três núcleos de basquete 3x3 na Bahia, Pernambuco e Distrito Federal.

A entidade chamava-se Instituto Liderança até maio do ano passado e tinha como responsável Leandro Costa de Almeida, ex-treinador de basquete. Ele afirma que a ONG estava inativa havia cinco anos, após ter realizado alguns projetos sociais bancados por apoios privados.

Nesta quarta-feira (6), a Folha também relevou que uma empresa ligada a um secretário da pasta do Esporte do governo Jair Bolsonaro (PL) prestou consultoria ao Instituto Emerson Sheik.

Leonardo Castro ocupava o cargo na época, ao mesmo tempo em que a IRJ Sports, consultoria especializada em projetos esportivos fundada por ele, atuava com burocracias do projeto do ex-jogador nas tratativas com o governo.

A pasta tocada por Castro também autorizou que o instituto de Sheik captasse R$ 11,5 milhões por meio da lei de incentivo ao esporte, em oito projetos apresentados ao governo federal. O ex-secretário diz que não sabia da atuação da IRJ Sports no caso, mas que não vê impedimentos.

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