Moraes fala em selva, defende punição a Silveira e descarta Judiciário populista

Ministro do STF diz que aqueles que usam a liberdade como escudo para ilícitos precisam aceitar sua responsabilização

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São Paulo e Rio de Janeiro

Sem citar diretamente o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes defendeu a punição a quem defende ataques às instituições democráticas e a volta do AI-5, que esteve em vigor na ditadura militar. A fala ocorreu em evento em São Paulo nesta sexta (29).

Tais falas remetem a discursos feitos pelo deputado bolsonarista e pelas quais ele se tornou réu e foi condenado pelo STF. Moraes afirmou que quem tem coragem de exercer sua liberdade como escudo para ilícitos tem que ter coragem de aceitar sua responsabilização penal.

"Se você tem coragem de exercer sua liberdade de expressão não como um direito fundamental, mas sim como escudo protetivo para prática de atividades ilícitas, se você tem coragem de fazer isso, você tem que ter coragem também de aceitar responsabilização penal e civil."

"Ninguém vai lhe censurar, previamente, mas suporte as consequências."

O ministro Alexandre de Moraes em evento em SP
O ministro Alexandre de Moraes em evento em SP - Bruno Santos/Folhapress

O ministro disse que não é possível tolerar discurso de ódio, ataques à democracia e a corrosão da democracia. "É discurso muito fácil a pessoa que prega racismo, homofobia, machismo, fim das instituições democráticas, falar que está usando sua liberdade de expressão."

​Ele então falou sobre liberdade de expressão, tema explorado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para criticar Moraes e a decisão do Supremo contra Silveira.

"Não é possível defender volta de um ato institucional número 5, o AI-5, que garantia tortura de pessoas, morte de pessoas, a extinção, o fechamento do Congresso e do Poder Judiciário."

"Nós não estamos numa selva. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, democracia não é anarquia, senão nós não teríamos Constituição", disse o ministro do STF nesta sexta.

Na última semana, a tensão entre o STF e Bolsonaro voltou a ficar elevada, depois de o tribunal condenar Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão e o chefe do Executivo ter concedido a graça de perdão da pena ao aliado.

Relator dos inquérito das fake news e das milícias digitais, o ministro estará a frente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante as eleições e é um dos principais alvos de bolsonaristas, junto aos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Moraes participou de palestra que tinha como tema o combate à desinformação e a defesa da democracia, promovida pelo Centro Universitário FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado).

A mesa foi composta também pelo coordenador do curso de direito da FAAP, José Roberto Neves Amorim e pela professora Náila Nucci.

​​Moraes defendeu a atuação contramajoritária do Judiciário e que a magistratura séria não deve mirar em popularidade ao julgar.

"O Poder Judiciário, a magistratura, não existe para ser simpático. Poder Judiciário simpático é Poder Judiciário populista. Deus nos livre de morarmos num país onde Poder Judiciário joga com a plateia", afirmou.

"Não significa que o Poder Judiciário vai ignorar a sociedade", disse. "O Poder Judiciário deve respeitar a sociedade, e a motivação, a fundamentação das decisões, isso é um dos grandes requisitos de legitimidade do Poder Judiciário."

O ministro também negou que o inquérito das fake news estaria perto do fim. "Por que nós estamos chegando em todos os financiadores."

Ele disse ainda que a eleição deste ano será um desafio e ressaltou, ao citar decisões do TSE do ano passado, que candidatos que utilizarem discurso negativo contra adversário, notícias fraudulentas de interferência nas eleições, terão o registro cassado e não serão diplomados.

Nesta semana, Bolsonaro disse ter muito orgulho do indulto individual dado por meio de decreto assinado por ele a Silveira.

"Isso que eu fiz não é apenas para aquele deputado, é para todos vocês. A nossa liberdade não pode continuar sendo ameaçada. Me senti orgulhoso e feliz comigo mesmo com a decisão tomada", disse.

Também promoveu um evento oficial no Palácio do Planalto com deputados aliados no qual reforçou ataques ao STF e cobrou a participação de militares na apuração dos votos pelo TSE nas eleições deste ano.

Batizada de "ato cívico pela liberdade de expressão", com transmissão ao vivo pela TV Brasil, a mobilização foi liderada pelas bancadas evangélica e da bala do Congresso, como uma forma de demonstrar apoio ao presidente em meio ao embate com a corte.

Nos discursos, a repetição de insinuações golpistas contra o STF e as eleições.

Moraes afirmou que os grupos estruturados para disseminar desinformação têm duas finalidades: uma política, que seria a "tomada de poder, não democrática, autoritária, sem controle, sem limites", e outra, acompanhada da primeira, que é a econômica. "Pessoas estão enriquecendo com isso."

"Desinformação não é ingênua. A desinformação é criminosa, tem finalidade. Para alguns, é só enriquecimento. Para outros, é a tomada do poder sem controle", disse. "Nós que defendemos a democracia, temos que combater a desinformação."

Moraes também criticou o tratamento jurídico que hoje é dispensado às redes sociais e defendeu o projeto de lei das fake news, que tramita no Congresso.

Segundo ele, ataques ao Estado democrático de Direito têm sido articulados ao redor do mundo focado em três pilares: liberdade de imprensa, eleições livres e periódicas e independência do Poder Judiciário.

No Brasil, completou o ministro, esse movimento teria começado há pouco mais de três anos —período que coincide com o início do mandato de Bolsonaro. "Pegando nosso caso no Brasil, há três anos e pouco, começou a ser sentido esse ataque à imprensa, às urnas eletrônicas, às eleições e ao poder Judiciário."

Na sequência, Moraes ainda defendeu a instauração do inquérito das fake news pelo então presidente da corte, Dias Toffoli. "A história vai reconhecer o ato inteligente e corajoso do ministro Dias Toffoli que na época foi bombardeado."

O ministro arrancou risadas da plateia, composta majoritariamente por estudantes, algumas vezes. Uma delas quando disse que a própria mãe repassava vídeos com "fake news" contra ele sem prestar atenção ao conteúdo. "Apesar de acharem que eu sou mau, não vou prender minha mãe por causa disso."

À tarde, em evento promovido pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro, Moraes voltou a afirmar que o maior desafio das eleições de 2022 será o combate à desinformação, às milícias digitais e ao discurso de ódio contra a democracia, as instituições e a própria Justiça Eleitoral.

"Cada um dos juízes eleitorais deve se sentir absolutamente indignado com esse discurso fraudulento, mentiroso, criminoso de tentar desqualificar uma das grandes conquistas do Brasil, a conquista da lisura das eleições com as urnas eletrônicas", disse.

O ministro afirmou que o país foi surpreendido nas eleições de 2018 com a atuação de milícias digitais que têm o objetivo de "influenciar o eleitor com mentiras e notícias fraudulentas". "Assim como os Estados Unidos, a Hungria, a Polônia e outros países do Leste Europeu também foram surpreendidos."

Moraes acrescentou que "aprendemos com um erro" e que não se pode subestimar esses grupos. Segundo ele, nas próximas eleições haverá o desafio de demonstrar o que aprendemos, enquanto Justiça Eleitoral e nação, com a experiência de 2018.

"Vamos de forma transparente, segura e rígida mostrar que a população brasileira pode e deve, como o faz, acreditar nas urnas eletrônicas e na Justiça brasileira. Aqueles que pretenderem colocar em dúvida o pleito eleitoral, atacar a democracia, serão combatidos com a força da Constituição, com a força da lei e com a independência e a autonomia do Poder Judiciário", disse ele.

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