Engenheiro é condenado por fake news sobre facada em Bolsonaro

Homem disse que moradora de Juiz de Fora entregou faca a autor do ataque contra então candidato a presidente, em 2018

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Belo Horizonte

O engenheiro Renato Henrique Scheidemantel, morador do Rio de Janeiro, foi condenado a 10 meses de prisão por publicar em suas redes sociais uma fake news sobre a suposta participação de uma mulher de Juiz de Fora (MG) no atentado ocorrido na cidade contra o então candidato Jair Bolsonaro, em 6 de setembro de 2018.

A pena será convertida em punição alternativa, como em prestação de serviços à comunidade, por exemplo.

Segundo a publicação, Lívia Gomes Terra teria entregue a Adélio Bispo, autor do atentado, a faca utilizada na tentativa de assassinato contra o hoje presidente da República.

A postagem mostra foto da mulher. A sentença é desta quarta-feira (18) e foi publicada inicialmente pelo jornal O Pharol, de Juiz de Fora.

Adélio Bispo, autor da facada contra Bolsonaro - Divulgação-6.set.18/PM-MG

A condenação partiu do juiz da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, Flávio Itabaiana. O magistrado é o mesmo que atuou em processos envolvendo o caso das "rachadinhas" no gabinete do então deputado e hoje senador Flávio Bolsonaro (PL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O engenheiro foi condenado por calúnia.

A publicação nas redes sociais ocorreu logo depois do atentado. Durante a instrução do processo contra o engenheiro, uma tentativa de conciliação não foi realizada porque Scheidemantel não foi localizado pelos oficiais de Justiça. Em outra, ele foi citado, mas não compareceu.

Lívia Gomes afirmou em depoimento à Justiça que começou a ser ofendida na internet dois dias depois do atentado, em 8 de setembro de 2018. Disse ter recebido uma postagem que a acusava de ter repassado uma faca a Adélio para o atentado e que a mensagem já era um compartilhamento.

Nesse momento, Lívia procurou um advogado e a Polícia Federal. A mulher declarou à Justiça do Rio que na semana do atentado em Juiz de Fora estava doente, em casa, e que foi envolvida em um crime de repercussão nacional.

Em outro ponto do depoimento relata que passou a receber ameaças, inclusive de morte. Segundo ela, a mensagem inicial teria partido de Scheidemantel.

A mulher, durante o interrogatório, sustentou que sua vida foi abalada e que ficou impedida de sair de casa, "pois todos ficavam olhando na sua direção", diz trecho da sentença. A moradora de Juiz de Fora afirmou ter procurado tratamento psiquiátrico e que entrou em depressão.

O juiz Itabaiana afirma na sentença não restar dúvidas sobre o caráter ofensivo da postagem do engenheiro.

"É imprescindível fazer menção que o uso contínuo e nocivo das redes sociais não pode servir de desculpa para a prática de crimes contra a honra (aliás, tais delitos têm crescido exponencialmente nos últimos anos), eis que os aplicativos e sites de internet não se constituem em 'terras sem lei' [...]", pontuou o magistrado.

Itabaiana disse também que veículos online possuem alta capacidade destrutiva da dignidade e honra pessoal quando utilizados de forma criminosa e aumentam consideravelmente o alcance de ofensas proferidas.

Ao prestar declarações ao longo do processo, o engenheiro alegou que seu perfil na rede social Facebook foi invadido em 6 de setembro, data do atentado.

O juiz refutou a afirmação dizendo que o engenheiro continuou a postar normalmente depois desta data, "o que demonstra não houve invasão alguma".

"Impende salientar que não há que se falar em erro de tipo escusável na conduta do querelado [alvo da ação], que, como engenheiro, possuía plena capacidade para distinguir e evitar a falsa percepção da realidade acerca dos elementos constitutivos do tipo penal em comento, agindo o querelado com a nítida vontade de obter um resultado determinado, vale dizer, de caluniar a querelante", analisou o juiz.

A reportagem tentou contato com Renato Henrique Scheidemantel, mas as ligações não foram atendidas.

O Ministério Público Federal, ao final das investigações sobre o atentado, concluiu que Adélio agiu sozinho. São recorrentes, no entanto, questionamentos e insinuações do presidente da República, seus familiares e aliados sobre quem poderia ter coparticipação no atentado de Juiz de Fora.

Adélio também foi considerado inimputável pela Justiça Federal por sofrer de transtorno mental. Na prática, a decisão quer dizer que o autor do atentado contra Bolsonaro é incapaz de compreender o crime que cometeu, de responder por seus atos e, por isso, não cabe aplicação de pena pelo que fez.

Adélio está internado em presídio federal de Campo Grande (MS). Ele fará novo teste psiquiátrico para Justiça decidir sobre fim de internação.

Como mostrou a Folha em 2020, o relatório do segundo inquérito aberto pela Polícia Federal sobre o atentado relatou os casos de sete vítimas de difamação que foram indevidamente associadas ao crime. Elas sofreram linchamento virtual, tiveram o rosto exposto e receberam insultos e xingamentos.

Essa investigação da PF, assim como a primeira, descartou a existência de mandantes ou comparsas. Em depoimento, seis mulheres falaram que se sentiram apavoradas com ataques e ameaças de morte em redes sociais. Algumas delas pararam de sair de casa, assustadas com a proporção dos boatos.

As teorias sobre participação de terceiros no planejamento e execução do atentado foram classificadas pelos investigadores como fake news. Elas fantasiavam o envolvimento de pessoas que nem sequer estavam em Juiz de Fora. Até admiradores de Bolsonaro foram apontados como cúmplices de Adélio.

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