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Lei de Acesso à Informação faz 10 anos, cria raízes e tem arcabouço sob ataque

Após uma década em vigor, LAI vive seguidos ataques no governo do presidente Jair Bolsonaro

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Gregory Michener

Professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV

Francisco Gaetani

Professor da FGV e presidente do conselho de administração do República.org, foi presidente da Enap (Escola Nacional de Administração Pública) e secretário-executivo dos Ministérios do Planejamento e do Meio Ambiente

O sigilo nas organizações públicas costuma ser o primeiro refúgio para a corrupção, a incompetência e a ineficiência. Neste sentido, a grande vantagem do regime democrático é a sua capacidade de limitar segredos e promover a livre circulação da informação.

Transparência é o oxigênio tanto da democracia como da economia. Há dez anos, a serem completados nesta segunda-feira (16), o Brasil deu um passo importante para a oxigenação da democracia no país: colocou em prática a LAI (Lei de Acesso a Informação). A LAI prometia transformações —"Muda Brasil!"— e mudanças ameaçam o status quo.

Sala criada no Ministério da Justiça, em Brasília, para atender a Lei de Acesso à Informação em 2012. LAI completa 10 anos - André Borges - 11.mai.12/Folhapress

A boa notícia é que a LAI criou raízes, "pegou" como se fala popularmente. Mesmo assim, o seu arcabouço está sob ataque. O momento é de reafirmá-la, defendê-la e promover seu avanço, com o objetivo de ampliar o acesso à informação pública no Brasil atual.

O acesso franqueado a aproximadamente 1,1 milhão de solicitações de informações é um testemunho do relativo sucesso da LAI. A cada ano que passa, brasileiros estão demandando mais informações ao governo —de 2013 a 2021 a taxa de crescimento anual de solicitações é de 35%.

Entre os usuários, a comunidade empresarial constitui o maior grupo de solicitantes (41%) —realidade similar a da maioria dos países que já possuem uma legislação de transparência madura.

No entanto, os servidores públicos, que representam 27% dos usuários no Brasil, são o dobro do observado no México, com 14% de representação.

O uso extensivo da LAI pelo próprio governo sugere que esta cumpre um relevante papel na complexa esfera governamental brasileira, dadas às grandes coalizões multipartidárias e ministeriais, que produzem efeitos nocivos para os fluxos de informação.

Não surpreendentemente, iniciativas que aumentam a transparência do governo caíram como uma bomba no interior do modus operandi do Brasil.

Da Lei de Responsabilidade Fiscal até a Lei das Estatais, a transparência está mudando o modus operandi do governo.

Justamente pela importância da transparência para um país como o Brasil, ataques à LAI deveriam ser objeto de preocupação de todos. É a democracia em risco. Em nenhum momento nos últimos dez anos a LAI sofreu tantos ataques como sob a atual Presidência.

As tentativas foram muitas: o decreto 9.690 de 2019 visou aumentar o número de autoridades com poderes para determinar se uma informação é sigilosa; o "decretaço" 9.759 de 2020 pretendia extinguir conselhos consultivos de políticas setoriais no governo federal e, durante a pandemia, o governo efetuou um apagão dos dados e tentou suspender o limite de tempo para responder às solicitações (MP 928/2020).

Somam-se às anteriores a supressão dos dados em áreas controversas —do desmatamento na Amazônia à compra de apoio no Congresso, dentre outras— e a conclusão irrefutável é que a atual administração demonstra um desrespeito profundo para a transparência pública. O gráfico abaixo ilustra este desrespeito.

A despeito da politização da informação pública pelo presidente Bolsonaro, os dados apontam que a burocracia federal vem sendo relativamente consistente no atendimento à LAI. Isto significa que a internalização da LAI nas rotinas dos órgãos é uma realidade.

Ainda assim, múltiplos obstáculos a uma efetiva adoção da transparência como princípio de governo permanecem. A impressão geral é que a qualidade das respostas tem deteriorado. A nova LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) é um álibi.

Ela vem sendo usada por dirigentes para negar o fornecimento de informações potencialmente embaraçosas.

A falta de fiscalização também tem trazido efeitos negativos. Trabalho em andamento na FGV mostra que a burocracia tem rotineiramente negado ou barricado solicitações de informações pela simples razão de não esperar punição.

A situação é ainda mais difícil nos estados e municípios. Em contraste com o que ocorre nos países desenvolvidos como Estados Unidos e Canadá, onde a transparência é mais forte nos planos subnacionais, a transparência local no Brasil tende a ser fraca.

Dados do IBGE mostram que apenas 45% dos municípios regulamentaram suas leis de acesso a informação.

Mesmo assim, um levantamento apresentado à CGU em 2020 sobre a transparência local relata a deficiência das regulamentações, a fraqueza de estatísticas sobre a LAI e a falta de plataformas para efetuar pedidos e receber respostas.

Em oito estados e sete capitais as informações públicas sobre as estatísticas da LAI não foram encontradas. Alguns estados, como o Rio de Janeiro, disponibilizam apenas dados agregados. O déficit está na supervisão.

Uma pesquisa recente com 20 mil projetos de transparência espalhados pelo mundo confirmou o que se intuitivamente se sabe: supervisão, incluindo diretrizes, treinamento e enforcement, são condições para robustos regimes de transparência. Ou como diz a sabedoria popular: "O olho do dono engorda o gado".

A ausência de uma efetiva supervisão na maioria dos estados e municípios revela o mais dramático déficit de transparência, especialmente porque encontra-se na maioria dos serviços públicos municipais e estaduais o atendimento das necessidades básicas da população —educação, saúde, policiamento, dentre outros.

Um levantamento recente mostra que dos 27 estados e 26 capitais, apenas 16 e 10 respectivamente possuem estruturas de supervisão para a LAI.

O fato é que, mesmo no plano federal, os recursos destinados pela CGU ao cumprimento da LAI são mínimos, mesmo se comparados a outros países latino-americanos como México e Chile.

Transparência é essencial para a democracia. Afortunadamente as tentativas de burlar a LAI têm enfrentado resistências no âmbito do Judiciário, do Legislativo e da sociedade civil.

A rejeição do decreto 9.690 pelo Congresso é um bom exemplo, como também a criação do consórcio de veículos de imprensa, o qual compensou pelo fraco compromisso governamental em divulgar dados confiáveis sobre a pandemia.

Incrivelmente, na maioria das instâncias o Executivo foi publicamente derrotado nas tentativas de fragilizar a transparência.

Cabe a nós todos enfrentarmos as ameaças, fortalecer a transparência e apoiar a agenda da LAI no Brasil.

Isso implica o apoio às organizações que a promovem e protegem: a mídia independente, a Controladoria-Geral da União e as organizações da sociedade civil, tais como o Foro de Direito de Acesso a Informações Públicas e a Fiquem Sabendo.

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