Ainda não temos indícios fortes de crime, diz secretário do AM sobre desaparecidos

Investigação evita, por ora, estabelecer elo entre homem preso e sumiço de jornalista e indigenista no Amazonas

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Brasília

Enquanto o secretário da Segurança Pública do Amazonas, general Carlos Alberto​ Mansur, afirmou nesta quarta-feira (8) que não há "indícios fortes de crimes" no caso do desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, o superintendente regional da Polícia Federal disse que nenhuma hipótese está descartada —inclusive a de que ambos tenham sido vítimas de homicídio.

As declarações ocorreram em entrevista coletiva com diferentes órgãos envolvidos nas buscas por Pereira e Phillips, desaparecidos na região do Vale do Javari (AM) desde domingo (5).

"Ainda não temos indícios fortes de crime, estamos investigando", declarou Mansur.

O superintendente da PF, Eduardo Fontes, por sua vez, declarou: "Temos um inquérito policial instaurado para apurar a organização criminosa ou organizações que atuam nessa região, dedicadas ao tráfico de drogas e crimes transfronteiriços. Claro, paralelo a isso, sem prejuízo dessa investigação, nós também vamos apurar eventual homicídio caso tenha ocorrido. Não descartamos nenhuma linha investigativa".

Durante a coletiva, Mansur afirmou que foi apreendido material "com suspeita de ter alguma ligação com o fato" do desaparecimento, mas não forneceu detalhes.

Participaram da apresentação à imprensa Polícia Federal, Forças Armadas e as autoridades policiais no estado.

De acordo com Mansur, até o momento seis pessoas foram ouvidas nas investigações, sendo cinco na condição de testemunhas e uma como suspeita.

O suspeito, no entanto, foi preso em flagrante por causa de suposto porte de munição restrita e uma determinada quantidade de drogas.

O indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian
O indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian - @domphillips no Twitter e Daniel Marenco/Agência O Globo

"Ele por enquanto não tem nada a ver ainda, está em investigação. Não fizemos a ligação dele com o fato do desaparecimento", disse Mansur.

Porém, mais cedo nesta quarta, a Polícia Militar do Amazonas disse ter obtido indicações de que o homem preso sob suspeita de porte de munição proibida seguiu Pereira e Phillips pelo rio Itacoaí na manhã em que eles desapareceram.

Segundo divulgou a PM, testemunhas que viram a lancha de Pereira e Phillips descer o rio rumo a Atalaia do Norte no domingo "avistaram também uma outra lancha de cor verde, com o slogan da 'Nike' bem visível, que trafegava no rio, logo após passar a lancha dos desaparecidos".

O barco foi rastreado até ser identificado com Amarildo, 41, conhecido como Pelado e que estava na comunidade de São Gabriel —a mesma onde a dupla desaparecida foi vista pela última vez.

Com o pescador, os policiais encontraram também munições de uso restrito, de rifle 762, e um cartucho calibre 16, além de 16 chumbinhos. A polícia diz ainda que apreendeu uma pequena porção de entorpecente.

Dentre as outras pessoas ouvidas estão os também pescadores Jâneo e Churrasco —ambos foram liberados na noite da última segunda-feira (6), após o depoimento.

Churrasco, inclusive, é quem Pereira e Phillips iriam encontrar na manhã de domingo, quando retornavam de uma viagem. Eles chegaram a passar pela comunidade de São Rafael, onde ele vivia, mas não o encontraram.

Na coletiva desta quarta, os representantes dos diferentes órgãos argumentaram que atuam nas buscas desde o comunicado do desaparecimento. Segundo Fontes, o efetivo das buscas é formado por 250 agentes das diferentes estruturas.

Dom Phillips, 57, e Bruno Pereira, 41, desapareceram quando viajavam de barco da Terra Indígena Vale do Javari para o município de Atalaia do Norte.

O desaparecimento foi divulgado na segunda por ONGs que atuam junto aos indígenas da região.

O caso tem provocado repercussão internacional, como em manifestação do assessor especial da Casa Branca John Kerry.

A demora nos operativos despertou críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PL), e a Justiça Federal determinou que fossem imediatamente disponibilizados helicópteros, embarcações e equipes de buscas, da Polícia Federal, das forças de segurança ou das Forças Armadas.

Segundo a ONG Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), o último local onde eles foram avistados foi passando pela comunidade de São Gabriel, onde Pelado foi encontrado.

Segundo Eliésio Marubo, advogado da Univaja, Pelado "fez algumas ameaças contra a equipe" da entidade no último final de semana. O grupo era acompanhado por Pereira e Phillips. Nenhum advogado do homem preso foi localizado para comentar o caso.

Bruno Pereira é servidor licenciado da Funai e chefiava a Coordenação de Índios Isolados da fundação até ser exonerado, em 2019. Phillips vive no Brasil há 15 anos e colabora para o jornal britânico The Guardian. Ele escreve um livro sobre a preservação da floresta.

As autoridades criaram um comitê de crise para acompanhar o caso e disseram que informações serão prestadas diariamente.

Questionados, eles disseram que no momento as buscas não têm prazo determinado para acabar.

O superintendente da PF foi questionado sobre ameaças sofridas por Pereira e relatadas às autoridades.

"Nós temos um documento enviado há questão de um mês relatando ameaças, mas sem apresentar suspeitos", disse Eduardo Fontes. Ele também informou que um inquérito foi instaurado a partir da denúncia e que as investigações estão em andamento.

Segundo a Univaja, dias antes da viagem, Marubo, Pereira e outros membros da instituição haviam recebido uma carta com ameaças de morte.

O documento fala em acerto de contas: "Sei que quem é contra nós é o Beto Índio e Bruno da Funai, quem manda os índios irem para área prender nossos motores e tomar nosso peixe".

A carta continua ainda ameaçando que "se continuar desse jeito vai ser pior" e diz esse é o único aviso que os pescadores darão.

Como revelou a Folha, membros da Univaja relataram às autoridades policiais ameaças sofridas em uma praça pública em Atalaia do Norte, em abril.

Segundo um boletim de ocorrência ao qual a reportagem teve acesso, três integrantes da instituição foram confrontados por dois pescadores na noite do dia 19 de abril, na cidade no interior do Amazonas.

De acordo com o boletim, um dos pescadores tentou agredir um indigenista com um soco. Na sequência, outro se aproximou dizendo para "não chamar a polícia, pois se o mesmo chamasse a polícia, ele iria pegá-lo, pois ele sabia onde o mesmo morava". O documento foi registrado na 50ª delegacia da Polícia Civil do Amazonas.

O relato continua afirmando que o primeiro pescador "estava ameaçando dar um tiro na cara" de um membro da Univaja e que "iria acontecer [...] o mesmo que aconteceu com o falecido Max", referência ao colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, morto com tiros na cabeça em Tabatinga, em 2019.

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