Congresso estuda mudar emendas de relator em 2023 após R$ 36 bi usados sob Bolsonaro

Promessa é mexer nas regras do instrumento, cuja distribuição privilegia aliados do governo

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Brasília

O senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2023, promete fazer mudanças no funcionamento das emendas de relator, instrumento usado pelo Congresso para irrigar redutos eleitorais de políticos aliados ao governo e que hoje é alvo de críticas e investigações por suspeitas de mau uso dos recursos.

Embora tenha sido beneficiado com R$ 107,3 milhões dessas emendas em 2020 e 2021, o senador diz que há um crescente desconforto entre parlamentares que são preteridos na distribuição desigual das verbas. Ele afirma que pretende tornar a destinação do dinheiro mais equitativa e transparente.

Por trás do movimento há também a preocupação com o destino dessas emendas sob um eventual novo governo em 2023. O presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem o centrão é aliado, aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 - Roque de Sá/Agência Senado

"Minha proposta, junto com o presidente da CMO [Comissão Mista de Orçamento], é que isso seja dividido igualmente. Não é porque um apoia que vai receber mais recursos do que outro que não apoia", afirmou Do Val à Folha.

Ele admite que, em um eventual cenário de vitória eleitoral do bloco adversário, teme que o mecanismo desigual se volte contra ele e outros apoiadores do governo. "Eu não vou querer me prejudicar", diz.

Ao longo do mandato de Bolsonaro, governo e Congresso destinaram R$ 65,1 bilhões do Orçamento para as emendas de relator. Desse total, R$ 36,4 bilhões foram empenhados (etapa em que o dinheiro é reservado para ser pago quando o bem ou serviço forem entregues).

O relator enviou à presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), ministra Ana Arraes, um ofício solicitando colaborações para as mudanças e deve encaminhar pedido semelhante ao MPF (Ministério Público Federal).

As emendas de relator surgiram pela primeira vez na aprovação da LDO de 2020. Desde então, ao menos R$ 16 bilhões ao ano são reservados para indicação dos parlamentares.

Informalmente, a liberação das verbas é feita em coordenação com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A prática tem sido beneficiar mais os congressistas aliados ao governo.

No ano passado, o relator do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (União Brasil-AC), liderou o uso dessas verbas, direcionando R$ 460 milhões para o Acre. A senadora Eliane Nogueira (PP-PI), mãe do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), ficou em segundo lugar, com R$ 399,2 milhões em indicações.

A proposta original da LDO de 2023, enviada pelo Executivo em abril, não prevê a manutenção das emendas de relator, mas tem sido uma praxe do Congresso incluir o dispositivo durante a votação do texto em todos os anos.

Do Val diz que há uma "narrativa" de que as emendas de relator equivalem a uma compra de votos para o Executivo ter facilidade nas votações no Congresso.

"Eu confesso que, quando entrei [no Senado], eu era totalmente contra isso, também achava que era uma forma de comprar apoio, voto. Mas depois eu percebi que, quando você está no estado, tem mais conhecimento das demandas", afirma.

Uma das ideias, segundo ele, é que a destinação da verba seja amplamente decidida em acordo no plenário da CMO. "A RP9 [emenda de relator] foi muito polêmica no último relatório, sendo colocada como orçamento secreto. Por isso, achei que seria muito prudente seguir o que a sociedade está desejando", diz.

Nesta quarta-feira (8), o senador apresentou o relatório preliminar da LDO. O documento, porém, ainda não apresenta regras para emendas parlamentares nem prevê o mecanismo de emendas de relator. Essas normas geralmente são incluídas no parecer final, que é votado até meados de julho.

Membros da CMO afirmam que, apesar de a proposta do senador ainda não ter sido debatida pelo grupo, a tendência é de apoio a mudanças nas regras para distribuição e transparência desses recursos.

"Tudo que vier no sentido de equilibrar essas emendas entre as forças políticas do Congresso soa como bálsamo", diz o deputado José Priante (MDB-PA), líder do partido na CMO.

Parlamentares do PT, PSDB e PDT aguardam detalhes da proposta para se posicionar, mas apoiam a iniciativa de discussão de novas regras para as emendas de relator.

A campanha de Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto, também debate uma proposta para alterar a forma de divisão dessas emendas, que atualmente segue critérios políticos. A discussão, no entanto, ainda está em estágio inicial.

Nas últimas semanas, até mesmo parlamentares aliados ao governo criticaram à Folha, sob condição de anonimato, a situação das emendas de relator.

A avaliação nessa ala é que o instrumento cresceu demais e está, muitas vezes, tomando o lugar reservado no Orçamento para ações estruturais de políticas públicas.

Exemplo disso são os cortes de verbas orçamentárias que vêm sendo anunciados pelo Ministério da Economia devido ao forte crescimento de despesas obrigatórias.

Por ordem de Bolsonaro, as emendas de relator foram blindadas em grande parte de reduções, o que empurrou a tesoura para as pastas do governo.

Essa ala governista também critica a ausência de uma divisão equânime dos recursos, que transformou a distribuição da verba em um balcão de negócios.

Outro fator de incômodo é a ascendência de Lira e Pacheco sobre a liberação das verbas. Como mostrou a Folha, as emendas de relator de 2022 estão emperradas —embora mais de 430 deputados e senadores já tenham indicado possíveis beneficiários.

A demora é atribuída à estratégia de Lira e Pacheco de reservar recursos para o período após as eleições, já de olho na disputa pelo comando da Câmara e do Senado em fevereiro de 2023.

A decisão, no entanto, tem causado insatisfação nos bastidores, pois os parlamentares que disputarão o voto nas urnas pretendiam enviar os recursos antes do pleito.

Especialistas em finanças públicas têm sido uma voz contundente contra as emendas de relator. Esse instrumento ampliou o controle do Congresso em relação ao Orçamento em detrimento de ações estruturais dos ministérios.

Com isso, o Congresso passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores.

Atualmente, ela é a principal moeda de troca em votações importantes no Congresso. O dinheiro disponível neste ano era de R$ 16,5 bilhões, mas o governo efetuou um bloqueio de R$ 1,7 bilhão em março para compensar o aumento de outras despesas.

O Palácio do Planalto e a cúpula do Congresso têm usado esses recursos para privilegiar aliados políticos e, com isso, ampliar a base de apoio deles no Legislativo.

Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador têm direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator (criadas por congressistas influentes a partir de 2020 para beneficiar seus redutos eleitorais).

Diante da pressão no STF e de órgãos de controle, líderes partidários mudaram as regras e passaram a deixar mais claro como é usado o dinheiro do Orçamento federal reservado para as emendas de relator. No entanto, ainda não há critérios para a distribuição dessa verba.

ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES

  • A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte
  • Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares

As emendas parlamentares se dividem em:

  • Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
  • Emendas coletivas: subdivididdas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
  • Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA

Antes de 2015

  • A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares

2015

  • Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
  • a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;
  • b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a saúde
  • c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória

2019

  • O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
  • Metade desse valor tem que ser destinado a obras
  • O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento, R$ 30 bilhões
  • Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral.
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