Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Governo Bolsonaro é cobrado por omissão e minimiza desaparecimento enquanto anuncia ações

Quadro de buscas divulgado contrasta com descrição de entidades; presidente falou em 'aventura não recomendada'

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Brasília

Embora o governo federal e as Forças Armadas tenham divulgado a mobilização de uma ampla estrutura para as buscas ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista inglês Dom Phillips, desaparecidos desde o domingo (5), organizações que acompanham o caso —entre elas a que tinha o servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio) como seu colaborador — apontaram nesta terça-feira (7) omissão das autoridades e falta de uma força-tarefa dedicada à operação.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, minimizou o episódio e classificou de "aventura" a viagem dos dois pelo oeste do estado do Amazonas. Phillips estava realizando uma cobertura jornalística e contava com o apoio de Pereira.

Os dois desapareceram enquanto viajavam da comunidade de São Rafael para a cidade de Atalaia do Norte, região do Vale do Javari. O trajeto deveria durar cerca de duas horas, mas ambos não retornaram à cidade.

Segundo informações divulgadas pela Marinha, Polícia Federal, Polícia Civil, Governo do Amazonas e Itamaraty, as operações de resgate contam com helicóptero, barcos, jet ski, mergulhadores e batalhões especiais. Ainda segundo os órgãos, mais reforços são previstos.

Na noite desta terça, o Ministério da Defesa divulgou um comunicado em que afirma que o Exército emprega desde o desaparecimento "cerca de 150 militares especialistas em operações em ambiente de selva, que conhecem o terreno onde se desenvolvem as buscas".

O indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian
O indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian - @domphillips no Twitter e Daniel Marenco/Agência O Globo

O quadro, no entanto, contrasta com o descrito por organizações indigenistas que acompanham o caso, entre elas a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). Pereira trabalha com a entidade.

"As informações acerca do cenário das buscas revelam a omissão dos órgãos federais de proteção e segurança, assim como das Forças Armadas", disseram as entidades, em nota.

"Ressaltamos que não foi constituída uma força-tarefa para as operações de busca." Além da Univaja, assinam o comunicado o Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) e a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).

Segundo relatos reservados de autoridades, a sensação é de falta de comando na estrutura das buscas e de pouca organização.

Um exemplo citado é o posicionamento inicial do Exército. Na noite de segunda (6), o Comando Militar da Amazônia disse que estava a postos para operações de busca, porém que as ações só seriam "iniciadas mediante acompanhamento por parte do escalão superior".

O posicionamento causou estranhamento e questionamento nas redes sociais. Pouco depois, o Comando da Amazônia afirmou que iria integrar também as buscas.

Na segunda, foi realizada uma reunião com as diversas instâncias envolvidas no caso para organizar uma operação conjunta para tentar encontrar os desaparecidos.

Ficou definido, por exemplo, que a PF e a Polícia Civil devem atuar em ações de inquérito, ouvindo pessoas da região e buscando informações sobre o paradeiro de Pereira e Phillips.

Nesta terça, Bolsonaro relativizou o caso e disse que o trajeto empreendido por Pereira e Phillips "não é recomendado".

"Duas pessoas apenas num barco, numa região daquela completamente selvagem é uma aventura que não é recomendada que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser acidente, pode ser que tenham sido executados", afirmou.

A Funai, que começou a operar no caso na segunda, tem atualmente 15 servidores envolvidos na operação, na sua maioria indígenas.

De acordo com a fundação, são "quatro embarcações em deslocamento na área, uma partindo da base de proteção etnoambiental Itui-Itaquaí, duas saindo de Atalaia do Norte e uma embarcação saindo da base Quixito para percorrer o trajeto do rio Quixito, reforçando os trabalhos nas áreas de busca, tanto via fluvial quanto terrestre".

Marinha, Polícia Civil e Polícia Federal, além de autoridades estaduais, afirmaram que também estão atuando na busca da dupla.

A Marinha disse que, nesta terça, enviou um helicóptero, duas embarcações e uma moto aquática, que se somaram aos sete militares que estão no local.

A Polícia Civil disse, por sua vez, que atua em parceria com os bombeiros, a Defesa Civil e a Polícia Militar.

O Itamaraty afirmou que agentes da PF realizam incursões no local e o Ministro da Justiça, Anderson Torres, publicou fotos de agentes da Força Nacional e da Funai nas operações.

A PF, em nota na tarde desta terça, afirmou ter enviado reforço de uma aeronave, policiais federais e integrantes do Exército. Na foto divulgada pelo órgão, aparecem 11 agentes de segurança e um helicóptero.

Apesar do efetivo divulgado, a Univaja disse que as informações sobre as buscas na região "não são verdadeiras" e pediu que a Defensoria Pública da União recorra à Justiça para conseguir mais meios para a operação.

As críticas sobre a atuação do governo no caso também foram transmitidas ao assessor especial do governo dos Estados Unidos, John Kerry. O relato foi feito a Kerry pela líder indígena Sonia Guajajara, coordenadora da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Ela divulgou o encontro que teve com o americano nesta terça, acusando o governo de omissão no caso e contando que pediu a Kerry um posicionamento da Casa Branca sobre a violência no Brasil com os indígenas.

"Acabei d encontrar o enviado especial do Clima do governo Biden aqui no evento da Time e tive a oportunidade de falar sobre o desaparecimento d Dom e Bruno no vale do Javari, pedi a ele um posicionamento", escreveu Guajajara, que é pré-candidata a deputada federal pelo PSOL. ​

Na segunda, a PF disse que identificou "duas pessoas que tiveram contato com os desaparecidos, as quais foram encaminhadas à Polícia Civil de Atalaia do Norte para prestar esclarecimentos".

O último lugar onde foram avistados é a comunidade de São Gabriel, a pouco menos de duas horas do destino.

Nesta terça, familiares dos dois foram às redes sociais pedir providências.

"Em virtude de mais de 48 horas do desaparecimento do nosso Bruno e seu companheiro de viagem Dom Phillips, apelamos às autoridades locais, estaduais e nacionais que deem prioridade e urgência na busca pelos desaparecidos", escrevem Beatriz, Max e Felipe, respectivamente companheira e irmãos do indigenista, em uma nota.

"Compreendemos que Bruno possui vasta experiência e conhecimento da região, porém, o tempo é fator chave em operações de resgate, principalmente se estiverem feridos", completam.

Mais cedo, nesta segunda, a antropóloga Beatriz de Almeida Matos, companheira de Pereira, afirmou à Folha que ele precisa voltar para casa. "Tenho um filho de três anos e um de dois, só penso nesse momento que ele retorne bem, por causa dos meninos. Ele tem também uma filha de 16 anos", disse.

"Nós amamos nosso irmão e queremos que ele e seu guia brasileiro sejam encontrados. Cada minuto conta", afirmou a irmã de Dom Phillips, Sian Phillips, em um vídeo que foi compartilhado pelo seu marido, Paul Sherwood.

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