No mesmo instante em que policiais federais saíam para mais um dia de busca no rio Itaquaí, indígenas da região do Vale do Javari fizeram uma manifestação contra o governo Jair Bolsonaro (PL), contra as invasões à terra indígena e em defesa do trabalho feito pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista Dom Phillips.
Os dois estão desaparecidos desde o dia 5, após uma incursão pelo rio nas proximidades da terra indígena, a segunda maior do Brasil.
No último domingo (12), bombeiros militares encontraram pertences de Pereira e Phillips, afundados num igapó –uma região de mata alagada por água, na margem do rio– entre as comunidades ribeirinhas Cachoeira e São Gabriel. O material foi recolhido pela PF, que pericia o material.
As equipes policiais saíram logo cedo para as buscas na área isolada onde foram encontrados os pertences. Indígenas são os principais responsáveis por essas buscas desde o início. Foram eles que identificaram a área que passou a ser periciada por policiais, cujo resultado principal até agora foi a localização de roupas, mochila e documento da dupla desaparecida.
Enquanto saía a equipe da PF, cerca de 200 indígenas davam início a um protesto pelas ruas de Atalaia do Norte, até o palco numa praça da cidade.
A manifestação foi organizada pela Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), que representa sete etnias e defende os indígenas isolados que estão no território.
Entre as etnias que vivem no Vale do Javari estão os povos Mayoruna/Matsés, Matis, Marubo, Kulina Pano, Kanamari e dois pequenos grupos: um de indígenas Korubo e outro de Tsohom Dyapá.
O protesto foi contra o governo Bolsonaro, contra a falta de fiscalização da atuação de invasores e uma forma de manifestação da indignação com o desaparecimento de Pereira e Phillips.
O indigenista é servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio) e atuava, pela Univaja, em defesa da terra indígena.
Uma das suspeitas da PF é de que o desaparecimento esteja relacionado à atuação de pescadores ilegais na região. O único suspeito preso, Amarildo Oliveira, o Pelado, é um morador da comunidade São Gabriel. O local onde foram encontrados os pertences do indigenista e do jornalista fica próximo à comunidade, onde vivem pescadores e pequenos agricultores.
As faixas carregadas pelas ruas de Atalaia traziam frases contra o governo Bolsonaro, com questionamentos sobre o paradeiro de Pereira e Phillips e em defesa do território indígena.
Quando questionado sobre o desaparecimento do indigenista e do jornalista, Bolsonaro chamou de "aventura" o trabalho feito pelos dois.
"Bruno lutou pelo Vale do Javari. Agora o Vale do Javari luta por Bruno, Dom e Maxciel", dizia uma das principais faixas da manifestação. Maxciel dos Santos era funcionário da Funai e foi executado na região em 2019. A suspeita é de que a morte teve relação com a atuação do funcionário contra invasões à terra indígena.
Ao som de gritos de homens e mulheres, indígenas com flechas entraram no prédio da Funai como forma de protesto.
"Querem acabar com nossos pirarucus e tracajás, e Bruno nos defendia", disse a cacique Sandra Mayouruna, em sua língua, no palco na praça, ponto final da manifestação. "Bolsonaro tem raiva dos povos indígenas, e ele deveria ser presidente de todos os brasileiros."
O cacique Binan Wasá afirmou que o território indígena é ameaçado por invasores, especialmente pescadores e caçadores. "Acabaram com a região ao redor, e querem acabar com nosso território."
Ele criticou o presidente: "Bolsonaro acredita em Deus, em Bíblia. Mas Deus não pensa em mal. Um Deus bom construiu os recursos naturais. Se ele crê, deveria estar cuidando."
A liderança Koká Matis disse que o protesto é "em homenagem a um grande guerreiro", um "defensor da terra indígena Vale do Javari", numa referência a Pereira. "Somos guerreiros e vamos continuar lutando para defender nosso território."
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