Kassio suspende cassação de bolsonarista pelo TSE usada de exemplo contra fake news

Decisão sobre deputado Fernando Francischini tem efeito simbólico nas eleições e na crise de Bolsonaro com Judiciário

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Brasília

O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu nesta quinta-feira (2) a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que cassou o mandato do deputado estadual Fernando Francischini, atualmente filiado à União Brasil do Paraná.

Aliado de Jair Bolsonaro (PL), Francischini foi cassado em outubro passado devido à publicação de vídeo, no dia das eleições de 2018, no qual afirmou que as urnas eletrônicas haviam sido fraudadas para impedir a votação no então candidato a presidente da República.

A decisão liminar (provisória) de Kassio tem um efeito simbólico que mexe não só com as eleições como também com a crise permanente de tensão de Bolsonaro com o Poder Judiciário.

Isso porque o magistrado foi indicado ao STF por Bolsonaro, tem votado a favor de causas do presidente em diferentes julgamentos, mesmo que de forma isolada, e agora derruba uma decisão do plenário do TSE usada como exemplo contra a propagação de fake news nas eleições.

Kassio Nunes Marques, do STF, suspendeu cassação de deputado estadual Fernando Francischini - Nelson Jr/ STF

O presidente do Supremo, Luiz Fux, pretende pautar o caso no plenário tão logo Kassio libere o processo para julgamento, o que pode acontecer, por exemplo, se houver recurso. Pode também liberar a decisão, sem precisar de recurso, para que haja o chamado "referendo" da corte. Isso tem sido feito corriqueiramente pelos ministros em matérias de grande repercussão.

Em sua live semanal na noite desta quinta, Bolsonaro defendeu a decisão de Kassio, disse que a ordem do TSE havia sido "inacreditável" e voltou a atacar a corte e a espalhar teorias da conspiração sem provas contra o sistema eletrônico de votação e sobre o último pleito presidencial.

O presidente frisou que a decisão contra Francischini foi tomada em 2021 por um placar de 6 a 1, com voto favorável dos três ministros do Supremo que estavam na corte à época: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.

Também afirmou que o TSE tem tomado "medidas arbitrárias contra o Estado democrático de Direito" e atacado "a democracia". "Não querem transparência no sistema eleitoral", disse.

Bolsonaro transformou o tribunal e seus ministros em adversários políticos. O presidente ataca os integrantes da corte ao mesmo tempo em que faz ameaças de tom golpista contra as eleições deste ano —ele aparece distante do ex-presidente Lula (PT) nas pesquisas de intenção de voto.

No julgamento de outubro, em meio ao acirramento das tensões entre o Palácio do Planalto e a cúpula do Judiciário, os ministros do TSE impuseram uma pena dura ao aliado do presidente.

Avaliaram que a punição poderia contribuir para conter a propagação de informações inverídicas sobre o funcionamento das urnas letrônicas em 2022. Foi a primeira vez que o TSE tomou decisão relacionada a um político que fez ataque aos equipamentos.

Dias depois, Bolsonaro comparou o veredito do tribunal a um estupro. "A cassação dele foi um estupro. Por ter feito uma live 12 minutos antes, não influenciou em nada. Ele era deputado federal. Foi uma violência (...) Aquela cassação foi uma violência contra a democracia", afirmou.

"A cassação do mandato [de Francischini] realmente é uma passagem triste da nossa história. Nem na época do AI-5 se fazia isso, e o pessoal critica tanto nosso AI-5."

Francischini foi investigado pelo Ministério Público por uso indevido dos meios de comunicação e por abuso de autoridade. No primeiro turno das eleições de 2018, ele realizou uma live e afirmou, sem provas, que as urnas estavam fraudadas para impedir a eleição de Bolsonaro.

Em nota, ele disse nesta quinta que a decisão de Kassio "reestabelece a integridade do voto de quase 500 mil paranaenses".

"Sempre confiei na Justiça, na liberdade de expressão e nas instituições brasileiras. O Brasil e o Paraná precisam olhar com calma para o que está acontecendo. Sou o representante legítimo de quase 10% dos eleitores do estado e tive minha voz calada por uma decisão injusta, sem precedentes", afirmou o deputado.

Em recurso ao STF, o político paranaense e a Comissão Executiva do PSL, seu antigo partido, alegaram que o TSE deu em 2021, de maneira irregular, nova interpretação às regras eleitorais que vigoravam em 2018.

Citaram, entre outros aspectos, a compreensão da Justiça Eleitoral acerca das redes sociais como meio de comunicação para efeito de configuração de abuso e o balizamento da gravidade da conduta sob apuração para fins de impacto na legitimidade e normalidade das eleições.

Afirmaram que o TSE, assim, atentou contra a segurança jurídica daquele processo eleitoral, além de ferir princípios da anualidade, da imunidade parlamentar e da soberania popular.

Kassio acatou os argumentos da defesa ao entender que "a interpretação adotada pelo Tribunal Superior [Eleitoral] importa em erosão do conteúdo substantivo dos preceitos relativos à segurança jurídica, à soberania popular e à anualidade eleitoral", segundo decisão de 60 páginas.

O ministro afirmou que compreende a preocupação do TSE em torno do uso da internet e tecnologia associadas no âmbito do processo eleitoral.

Porém, destacou ele, "parece que não há como criar-se uma proibição posterior aos fatos e aplicá-la retroativamente. Aqui não dependemos de maior compreensão sobre o funcionamento da internet. É questão de segurança jurídica mesmo".

"Não cabe, sob o pretexto de proteger o Estado democrático de Direito, violar as regras do processo eleitoral, ferindo de morte princípios constitucionais como a segurança jurídica e a anualidade", disse.

Ao fazer considerações acerca da internet no processo eleitoral, Kassio disse que ela e as redes sociais não são um desenvolvimento natural e linear da televisão e do rádio, a serem absorvidos de forma analógica.

"Muito diferentemente desses, na internet há uma grande liberdade para a produção de conteúdo por qualquer pessoa, a qualquer momento e em qualquer lugar, e os acessos também são praticamente ilimitados e assíncronos, sem que exista alguém com uma 'chave geral' para fechar a entrada ou a difusão de novas informações", afirmou.

Disse ainda que não se pode "demonizar" a internet. Ele frisou que as redes sociais contribuem para o exercício da cidadania e enriquecem o debate democrático e a disputa eleitoral, dado o potencial de expressão plural de opiniões, pensamentos, crenças e modos de vida.

O ministro afirmou ainda que a sentença do TSE pela cassação de Francischini impactou diretamente a composição da Assembleia Legislativa do Paraná e das respectivas bancadas, levando à perda dos mandatos de outros três deputados estaduais.

Por fim, ao justificar a concessão de liminar em benefício de Francischini e demais políticos por ela abrangidos, Kassio pondeou que é preciso resguardar a segurança jurídica e a escolha eleitoral, levando em conta o risco à estabilidade institucional e à ordem pública "passível de ocorrer ante a aplicação retroativa da nova interpretação adotada pelo TSE na matéria".

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