Ministro da Justiça tenta mais uma vez usar PF para desacreditar urnas

Em ofício ao TSE, Anderson Torres diz que polícia vai fiscalizar todas as etapas do processo eleitoral para garantir integridade do resultado

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Brasília

O ministro da Justiça, Anderson Torres, voltou a utilizar a PF (Polícia Federal) para tentar desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e alinhar a corporação ao discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que as urnas eletrônicas não são seguras.​

Em ofício enviado na sexta-feira (17), Torres afirmou ao presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Edson Fachin, que a PF participará de todo o processo de fiscalização das urnas eletrônicas para assegurar a "integridade" das eleições de 2022.

Segundo o ministro, a participação da corporação na fiscalização do sistema eletrônico de votação é importante para "resguardar o Estado democrático de Direito, que exige integridade e autenticidade dos sistemas eleitorais, consagrando, assim, uma eleição escorreita".

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, tomou atitude semelhante e também disse ao TSE que os militares são "entidades fiscalizadoras do sistema eletrônico de votação".

O ministro da Justiça, Anderson Torres, com Jair Bolsonaro - Adriano Machado - 18.mai.22/Reuters

O documento assinado pelo titular da Justiça, enviado na sexta-feira (17), foi recebido por ministros do TSE como um movimento político de Torres, em meio à escalada de tensão entre a corte eleitoral e o governo Bolsonaro a pouco mais de cem dias das eleições.

Um ministro do TSE e interlocutores de Fachin disseram reservadamente que Torres, ao afirmar que a PF vai participar de todas as etapas de fiscalização das urnas, parece tentar criar um novo conflito com a Justiça Eleitoral.

A PF já atua, segundo eles, de todos os processos de auditoria do pleito.

Em maio, por exemplo, peritos do órgão participaram da segunda etapa do Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação, que não identificou falhas que possam atrapalhar as eleições de 2022.

Os técnicos da PF ainda participaram da análise do código-fonte —um conjunto de linhas de programação do software com as instruções para o funcionamento da urna eletrônica.

Uma resolução do TSE de 2021 permite que as entidades fiscalizadoras possam criar seus próprios sistemas e homologá-los no TSE até 90 dias antes das eleições.

No documento enviado a Fachin, Anderson Torres cita que os trabalhos de auditoria da PF poderão ser realizados com "desenvolvimento de programas próprios de verificação".

Pessoas ligadas à corporação disseram à Folha que, apesar do tom adotado pelo ministro da Justiça, a PF não foi demandada para criar um programa próprio neste ano. Tampouco há tempo hábil para desenvolver o sistema para as eleições de outubro, ainda de acordo com esses interlocutores.

A estratégia do ministro da Justiça de usar a PF como base de sustentação para as investidas do presidente Bolsonaro contra o sistema eleitoral não é inédita.

Na live de 29 de julho de 2021, quando Bolsonaro fez o maior ataque ao sistema eleitoral sem apresentar provas, Torres se valeu de relatórios de peritos da PF para "corroborar" ataques de Bolsonaro feitos contra o sistema eleitoral.​

Bolsonaro adota há meses uma retórica golpista. Ele já colocou em dúvida a realização do pleito de outubro e afirmou que as eleições só serão justas caso ele saia vencedor.

De acordo com o último Datafolha, o mandatário está 21 pontos percentuais atrás do líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Antes da fala na live, Torres chegou a organizar uma reunião entre os peritos da PF, Bolsonaro e auxiliares no Palácio do Planalto na tentativa de convencê-los a embarcar na tese presidencial.

Por causa da tentativa, o ministro foi investigado no inquérito aberto por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Nesse inquérito, a PF concluiu que os integrantes do governo que organizaram a live agiram de forma dolosa para disseminar desinformação.

Isso porque, na contramão da fala de Torres, os peritos da PF não apontaram em relatórios sobre urnas eletrônicas em 2016, 2018 e 2020 qualquer possibilidade de fraude ou adulteração no resultado das eleições.

Eles sugeriram apenas que os votos das urnas eletrônicas fossem impressos como ferramenta adicional para tornar o processo ainda mais confiável, mas sem levantar suspeitas de risco para o processo eleitoral —como alardeado por Bolsonaro.

Ao concluir a apuração, a delegada Denisse Ribeiro entendeu que a busca por informações para desacreditar o sistema eleitoral é mais um evento relacionado à organização criminosa investigada no chamado inquérito das milícias digitais. Atualmente o caso é apurado nessa investigação, que tem Torres na mira.

A Polícia Federal tem participado das discussões no TSE sobre o processo eleitoral de 2022 no âmbito da CTE (Comissão de Transparência Eleitoral).

O colegiado ainda é formado por membros do Congresso, TCU (Tribunal de Contas da União), Forças Armadas, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), MPE (Ministério Público Eleitoral) e representantes da sociedade civil. O Ministério da Defesa também tem um indicado na comissão.

Na CTE, o representante da PF apresentou nove sugestões de mudanças no processo de fiscalização do sistema eleitoral. Quatro foram acatadas para as eleições de outubro e cinco serão avaliadas para os próximos pleitos.

Entre as recomendações acatadas, a PF pediu a utilização de ferramentas automatizadas para inspeção do código-fonte. Das sugestões que serão consideradas para as eleições municipais de 2024, apenas uma foi parcialmente rechaçada pela equipe técnica do TSE.

O perito da PF Paulo César Herrmann sugeriu que o teste de integridade das urnas fosse feito mediante a identificação de todos os eleitores pela biometria.

O TSE disse que nem todos os eleitores têm a biometria coletada pela Justiça Eleitoral. "Nem por isso, [o eleitor] pode ter impedido o exercício do direito ao voto", justificou a corte.

Na segunda (20), o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, foi na mesma linha de Torres. Ele também enviou um ofício a Fachin em que diz que as Forças Armadas atuarão como "entidades fiscalizadoras do sistema eletrônico de votação".

De acordo com Paulo Sérgio, essa ação ocorrerá "de forma conjunta, por intermédio de uma equipe de técnicos militares, cujos nomes serão encaminhados a esse tribunal oportunamente".

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