Ofensa, discriminação e abuso de poder puxam condenações por fake news; entenda

Postagens com informações falsas ou distorcidas podem ter diferentes enquadramentos legais

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São Paulo

Com exceção do direito eleitoral, não há na legislação brasileira previsão de punição ou mesmo definição para o que se convencionou chamar de fake news. Isso não quer dizer, contudo, que ao divulgar informações falsas não se possa estar cometendo um crime ou outro tipo de ato ilícito.

Quando os alvos são pessoas de modo individualizado, o mais comum são ações envolvendo crimes contra a honra ou de danos morais. Outro exemplo são posts de teor racista ou homofóbico.

Já no caso do direito eleitoral, além da própria legislação tratar sobre fake news, há ainda decisões recentes que entendem que elas podem configurar abuso de poder político e econômico, bem como uso indevido de meios de comunicação.

Desinformação na internet não tem conceituação jurídica, mas pode configurar outros ilícitos ou mesmo crimes - REDPIXEL/adobe.stock

DIREITO ELEITORAL

Casos relacionados às eleições de 2018 e julgados no ano passado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) têm sido apontados como emblemáticos para as eleições de 2022 no que se refere a fake news sobre o processo eleitoral.

Isso ocorre em meio ao discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro (PL), calcado em questionar a legitimidade do processo eleitoral e das urnas eletrônicas.

Fake news sobre as urnas

Um deles é a cassação do mandato de deputado estadual de Fernando Francischini (União Brasil-PR)i. No primeiro turno das eleições de 2018, o então candidato fez uma live em que afirmava que as urnas eletrônicas haviam sido fraudadas.

Para o TSE, houve abuso de poder político ou autoridade, além de uso indevido de meios de comunicação social. À época, ele era deputado federal e estava licenciado do cargo de delegado de polícia para exercer o mandato.

A decisão chegou a ser suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kassio Nunes Marques, mas foi restituída pela Segunda Turma da corte.

A advogada Samara Castro, que é coordenadora de comunicação da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), explica que um dos principais argumentos da defesa se refere a se o que foi dito na live teria tido impacto suficiente para desestabilizar o pleito —um dos critérios para configuração do abuso—, dado que faltava menos de uma hora para o encerramento da votação.

Kassio também questionou a equiparação da internet como meio de comunicação social na decisão do TSE, conceito originalmente previsto para veículos de imprensa.

Carlos Affonso Souza, advogado e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), não se opõe à tal equiparação, mas avalia que é preciso cautela, pois, fora dos casos de cassação, ela pode ter uma série de outras repercussões jurídicas.

Disparos em massa

O segundo caso foi a tese firmada em julgamento sobre disparos em massa na campanha de 2018.

Apesar de terem absolvido a chapa Bolsonaro-Mourão, ​​os ministros do TSE firmaram jurisprudência para punições futuras, em ação que discutia a ocorrência ou não de abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação.

Além do teor das mensagens, que precisariam conter fake news ou propaganda negativa contra adversário, deve-se verificar se ele repercutiu perante o eleitorado; o alcance do ilícito em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos; e, por fim, se a campanha foi financiada por empresas.

Para Castro, os critérios são insuficientes diante de como campanhas de desinformação funcionam. "Ela é uma construção sutil que, com o tempo, vai levando as pessoas a conclusões equivocadas", diz.

"Se você entende que a desinformação só é caracterizada quando você tem uma mensagem específica que é totalmente desinformativa e que foi enviada massivamente, você não vai encontrar isso."

Crime eleitoral e propaganda proibida

A lei eleitoral estabelece que é crime divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado. A punição pode ser de multa ou detenção, assim como ​​remoção do conteúdo.

A resolução sobre propaganda eleitoral válida no próximo pleito veda a divulgação ou compartilhamento "de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos".

Além da possibilidade de remoção, o texto fala da apuração de eventuais crimes ou condutas ilícitas.

DIREITO PENAL E CIVIL

Casos que envolvem desinformação no plano individual podem acabar sendo enquadrados como crimes contra a honra, como calúnia e difamação. Outra possibilidade são as ações de dano moral, que não têm caráter criminal e em geral envolvem pedidos de indenização ou retratação.

Para Souza (Uerj), o debate jurídico sobre quem responde pelas consequências da desinformação deve se intensificar. Buscando balizar, por exemplo, se a responsabilidade é de quem criou o conteúdo, de quem espalhou a mensagem, de quem financiou a produção, ou, mesmo, de todos esses agentes.

Calúnia

Em maio, por exemplo, o engenheiro Renato Henrique Scheidemantel foi condenado pela Justiça do Rio de Janeiro a 10 meses de prisão pelo crime de calúnia –quando se imputa falsamente a alguém a autoria de um crime. A pena foi convertida pelo juiz em prestação de serviços a comunidade. Cabe recurso.

O motivo foi ter publicado em 2018, em suas redes sociais, prints do perfil de uma sindicalista de Juiz de Fora, dizendo que ela teria entregado a faca para Adélio Bispo, o autor do atentado contra o então candidato Jair Bolsonaro.

Difamação

Outro exemplo foi a condenação, em agosto de 2020, do deputado federal Eder Mauro (PL-PA) pelo crime de difamação (atribuir fato ofensivo à reputação) contra Jean Wyllys.

Os ministros da Primeira Turma do STF concluíram que Mauro editou e compartilhou um discurso de Wyllys para prejudicá-lo, dando a entender que ele teria dito que "uma pessoa negra e pobre é potencialmente perigosa".

Na frase original, contudo, ele afirmava que tal imaginário existe "sobretudo nos agentes das forças de segurança".

O relator propôs um ano de detenção em regime semiaberto, pena que foi convertida no pagamento de 30 salários mínimos.

Discriminação

Também há episódios em que as fake news podem ter caráter discriminatório, como em casos de racismo e homofobia.

Em janeiro deste ano, por exemplo, o youtuber bolsonarista Marcelo Frazão foi condenado pela Justiça de São Paulo por crime de homofobia. Ele havia dito em áudio que a vacina Coronavac "poderia alterar o código genético" e causar "síndromes graves" como "câncer" e "homossexualismo".

A denúncia foi feita pelo Ministério Público. Ele foi condenado, em primeira instância, a dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, mas a pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade.

O juiz fixou também uma indenização por dano moral coletivo de 50 salários mínimos. O processo está em grau de recurso.

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