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PF e Marinha buscam jornalista e indigenista desaparecidos no Amazonas

Dom Phillips, do Guardian, e Bruno Pereira, da Funai, não são vistos desde domingo (5)

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Brasília

A Polícia Federal foi acionada para investigar o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal Guardian, e do indigenista Bruno Pereira, membro da ONG Unijava e servidor em licença da Funai (Fundação Nacional do Índio). Eles viajam pelo Vale do Javari, no Amazonas.

Segundo a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e o Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), o último registro que se tem dos dois aconteceu na manhã do domingo (5), na comunidade de São Rafael.

As entidades afirmam que o indigenista vinha sofrendo ameaças.

"Tenho um filho de três anos e um de dois, só penso nesse momento que ele retorne bem, por causa dos meninos. Ele tem também uma filha de 16 anos. Ele precisa voltar para casa", afirmou à Folha Beatriz de Almeida Matos, antropóloga e companheira de Bruno.

O jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian (à esquerda), e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira (à direita) - Daniel Marenco/Agência O Globo e @domphillips no Twitter

A Terra Indígena Vale do Javari tem sido frequentemente alvo de invasões de garimpeiros ilegais.

"Eu conheço bem a região, sei que podem acontecer vários acidentes, mas estou apreensiva por causa das ameaças que ele sofria. Quero que todo o esforço possível seja feito para encontrar ele e o Dom. É importante rapidez", completa ela, que também atuou com povos indígenas na região por muitos anos.

Segundo a Univaja e o Opi, Bruno e Dom retornavam do Lago do Jaburu, onde visitaram uma base da Funai, em direção a Atalaia do Norte, e pararam em São Rafael para uma reunião com um morador conhecido como "Churrasco" —conversaram com a esposa dele, já que ele não se encontrava no local.

"Depois partiram rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas. Assim, deveriam ter chegado por volta de 8h, 9h da manhã na cidade, o que não ocorreu", diz um comunicado das instituições.

"Enfatizamos que na semana do desaparecimento, conforme relatos dos colaboradores da Univaja, a equipe recebeu ameaças em campo. A ameaça não foi a primeira, outras já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da Univaja", continua a nota.

As buscas no local já começaram. Nesta segunda-feira (6), o procurador-geral da República, Augusto Aras, se reuniu com o ministro da Justiça, Anderson Gustavo Torres para tratar do assunto.

Estão sendo feitas "varreduras no trecho entre a comunidade São Rafael e o município de Atalaia do Norte (AM), onde teria ocorrido o desaparecimento", diz nota da PGR.

Também nesta segunda houve uma reunião entre integrantes do MPF (Ministério Público Federal) do Amazonas, Ministério da Justiça, Polícia Federal, Polícia Civil, Funai, Univaja e Marinha para tratar dos detalhes logísticos da operação daqui em diante.

"Desde que tomou conhecimento, o MJSP [Ministério da Segurança e Segurança Pública] iniciou operações na região amazônica do Vale do Javari juntamente com a Marinha do Brasil", afirmou a pasta nas redes sociais. O ministro Anderson Torres declarou, também nas redes, apoio às buscas.

A Marinha informou que enviou uma equipe de busca e salvamento na manhã desta segunda para Atalaia do Norte.

De acordo com a Força, sete militares compõem a equipe, sendo que foram realizadas buscas nos rios Javari, Itaquaí e Ituí, no interior do Amazonas.

A Marinha deve enviar um helicóptero e embarcações para reforçar as ações na manhã desta terça (7).

A Univaja já realiza incursões para buscar os desaparecidos desde o domingo. Segundo relatos obtidos por essas expedições, os dois foram vistos pela última vez na comunidade de São Gabriel, indo em direção a Atalaia do Norte.

A Funai destacou três servidores e mais dois agentes da Força Nacional para o caso e pretende aumentar o contingente. O MPF informou que instaurou um procedimento administrativo para apuração do caso e que a Marinha irá comandar as buscas na região por meio do Comando de Operações Navais.

"Uma equipe de Busca e Salvamento (SAR), subordinada à Capitania Fluvial de Tabatinga foi direcionada ao local da ocorrência", afirmou a Marinha.

A Polícia Federal disse que as diligências serão "divulgadas oportunamente". Junto com a Polícia Civil, vai auxiliar o trabalho de inquérito, entrevistando pessoas da região em busca de informações sobre o paradeiro da dupla.

Policiais militares irão reforçar as buscas, segundo o governo estadual. "Estamos com uma equipe de busca em Atalaia do Norte, com integrantes da Polícia Militar e Polícia Civil. Estamos em reunião para planejar o envio de uma equipe especializada para Atalaia do Norte para auxiliar nas buscas", afirmou o secretário de Segurança do Amazonas, general Carlos Alberto Mansur.

Há cerca de um mês, a Univaja recebeu uma carta que teria sido enviada por pescadores com ameaças de morte nominais a Bruno e também a Beto Marubo, coordenador da união.

O documento, revelado pelo jornal O Globo e ao qual a Folha teve acesso, fala em acerto de contas: "Sei que quem é contra nós é o Beto Índio e Bruno da Funai, quem manda os índios irem para área prender nossos motores e tomar nosso peixe".

A carta continua ainda ameaçando que "se continuar desse jeito vai ser pior" e diz esse é o único aviso que os pescadores darão.

Bruno fez carreira na Funai, sobretudo naquela região, mas estava de licença não remunerada desde o final de 2019.

Pessoas que o conheciam disseram à Folha sob condição de anonimato que ele decidiu se afastar da entidade após ser exonerado do cargo que ocupava, a coordenação geral de Índios Isolados e de Recém-Contatados, onde esteve por 14 meses.

Em 2019, ele chefiou a maior expedição para contato com os isolados em 20 anos. Seus colegas dizem que ele estava insatisfeito com as dificuldades que tinha para atuar, que sofria pressão de superiores e que, por isso, decidiu ir atuar diretamente com a Univaja.

Questionada, a fundação afirmou que acompanha o caso e colabora com as buscas.

"Embora o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira integre o quadro de servidores da Funai, ele não estava na região em missão institucional, dado que se encontra de licença para tratar de interesses particulares", afirmou a entidade em nota.

As ameaças que ele sofreu recentemente não são novidades, segundo as pessoas que o conheciam. Ele sempre atuou em ações de fiscalização e repressão a atividades ilegais nas terras indígenas da região.

A base da Funai da qual ele retornava, a de Itui, já foi alvo de ataques a tiros, em 2018. Em 2019, um funcionário da frente de proteção Etnoambiental Vale do Javari, da qual Bruno também já fez parte, foi assassinado na cidade de Tabatinga, no Amazonas.

A sensação de quem atua com a questão indigenista é a de que a violência vem escalando em todo o Brasil de forma especial neste ano. Exemplo disso são os casos relacionados aos yanomami, em Roraima, e os ataques registrados no Pará.

Phillips tem 57 anos e vive em Salvador. Ele está trabalhando em um livro sobre meio ambiente e mora no Brasil há 15 anos, segundo o Guardian. O jornal britânico afirmou que contatou a Embaixada do Reino Unido e as autoridades brasileiras para tratar do caso.

"Dom Phillips, um excelente jornalista, colaborador regular do Guardian e um grande amigo está desaparecido no Vale do Javari no Amazonas após ameaças de morte ao seu colega indigenista, Bruno Pereira, que também está desaparecido", afirmou Jonathan Watts, editor do Guardian.

Na tarde desta segunda, o ex-presidente e atual pré-candidato ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se pronunciou sobre o caso. "Esperam que sejam encontrados logo, estejam bem e em segurança", afirmou o petista pelas redes sociais. ​

A ONG Human Rights Watch disse que é extremamente importante que as autoridades brasileiras dediquem "todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas, a fim de garantir, o quanto antes, a segurança dos dois".

"Exigimos do governo brasileiro que atue fortemente para garantir a segurança dos profissionais da imprensa, brasileiros e estrangeiros, que atuam naquela região e que têm sofrido diversas ameaças ao seu trabalho nessa área de conflito", afirmou uma nota conjunta da Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE) e a Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE).

Colaborou Rosiene Carvalho, de Manaus

A base da Funai do rio Itui, que Dom Phillips e Bruno Pereira foram visitar
A base da Funai do rio Itui, que Dom Phillips e Bruno Pereira foram visitar - Lalo de Almeida - 18.jun.2021/Folhapress
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