Descrição de chapéu vale do javari

Políticos lamentam mortes na Amazônia e cobram respostas; veja repercussões

Candidatos e entidades elevam pressão sobre Bolsonaro e pedem justiça para Bruno e Dom

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São Paulo

Políticos e organizações lamentaram as mortes do indigenista Bruno Pereira, 41, e do jornalista britânico Dom Phillips, 57, e cobraram respostas. A informação de que um suspeito investigado pelo desaparecimento dos dois confessou participação no assassinato foi confirmada nesta quarta-feira (15).

Tristeza, revolta, indignação, dor, injustiça, barbárie, atrocidade —essas foram algumas das palavras usadas para expressar repúdio e pedir que o caso seja amplamente esclarecido e não termine impune.

Ato por Dom e Bruno realizado na semana passada, em frente à sede da Funai, em Brasília - Gabriela Biló - 7.jun.2022/Folhapress

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida eleitoral e rivaliza com o presidente Jair Bolsonaro (PL), disse durante ato de campanha em Minas Gerais que "é muito triste" saber que os dois foram "brutalmente assassinados" e pediu um minuto de silêncio.

"Acabei de saber que possivelmente a Polícia Federal encontrou os corpos do Dom Phillips e do Bruno. É muito triste. Pessoas mortas por defender terras indígenas e nosso meio ambiente. O Brasil não pode ser isso", afirmou o petista.

"Esse país é muito grande, civilizado e não pode passar a imagem para o exterior que somos incivilizados, que nós matamos quem defende a Amazônia, os indígenas", completou Lula, reafirmando promessas de, caso eleito, combater garimpo em terra indígena e demarcar terras.

Uma nota assinada pelo ex-presidente e por seu vice na chapa que disputa a eleição, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), afirmou que a confirmação dos assassinatos "é uma notícia chocante", que "causa dor e indignação", em solidariedade aos familiares, amigos e amigas do indigenista e do jornalista.

"Bruno e Dom dedicaram a vida a fazer o bem. Por isso percorreram o interior do Brasil, ajudando, protegendo e contando a vida, os valores e o sofrimento dos povos indígenas", disseram.

Lula e Alckmin afirmaram ainda que "o mundo sabe que este crime está diretamente relacionado ao desmonte das políticas públicas de proteção aos povos indígenas. Está diretamente relacionado também ao incentivo à violência por parte do atual governo do país".

Os dois reivindicaram, por fim, "uma rigorosa investigação do crime", com julgamento de autores e mandantes, e mencionaram que "a democracia e o Brasil não toleram nem podem mais conviver com a violência, o ódio e o desprezo pelos valores da civilização".

O presidenciável Ciro Gomes (PDT) disse que "a forma brutal como os assassinos acabaram com as vidas de Bruno e Dom Phillips mostra que a omissão dos governos criou mais que um Estado paralelo, fez nascer um versão cabocla do Estado Islâmico, dentro do nosso território".

O ex-ministro, terceiro colocado na disputa, fez duras cobranças ao general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional. "Ei, general, nada a dizer?", indagou Ciro, dizendo que ele, "por uma eternidade, foi o vice rei de Amazônia".

A pré-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB) falou em "severa investigação desse crime bárbaro" e "basta à impunidade", além de pedir justiça para as vítimas. "Que a coragem desses dois defensores dos direitos humanos e do meio ambiente nos inspire a lutar. O Brasil precisa voltar a ter paz."

Enquanto a onda de indignação ganhava força logo após a informação dada pela Polícia Federal, Bolsonaro apareceu em seu perfil no Twitter respondendo ao comentarista esportivo Walter Casagrande, que nesta semana chamou o governo de "covarde, mentiroso, perverso e muito cruel".

Em reação, o presidente postou: "Depende! Se o Casagrande se refere ao cidadão que segue as leis, a informação não procede. Mas contra o crime organizado nós temos sido cruéis, sim, por exemplo".

Na sequência, Bolsonaro publicou uma série de mensagens sobre combate ao crime em sua gestão, sem referências ao caso na Amazônia. Desde o início, o mandatário minimizou a gravidade da situação e fez ilações sobre as vítimas, embora tenha dito que o governo estava empenhado nas buscas.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse receber a notícia "com enorme pesar". Ele já havia dito no início da semana, diante das buscas pelos dois, que o Congresso Nacional pode contribuir no combate aos crimes na região da Amazônia e que a situação era "das mais graves do Brasil".

"Em respeito às vítimas, à Amazônia e à liberdade de imprensa, espero que todos os criminosos envolvidos sejam punidos com o rigor da lei", afirmou Pacheco nesta quarta.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Humberto Costa (PT-PE) responsabilizou o governo federal: "O desgoverno Bolsonaro é parceiro do crime na Amazônia. E quem atua em defesa da floresta, contra esses interesses obscuros, vira inimigo".

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) chamou atenção para o fato de que a comoção foi ampliada porque uma das vítimas é estrangeira. "É preciso dizer que, se não houvesse um jornalista inglês para chamar atenção do mundo, o indigenista brasileiro Bruno Pereira seria só 'mais um' executado."

"O bolsonarismo protege criminosos e faz jornalistas e indigenistas brasileiros sentirem um alvo desenhado na própria testa", afirmou Renan.

A Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), para a qual Bruno Pereira trabalhava, classificou a tragédia como "um crime político, pois ambos eram defensores dos direitos humanos" e morreram desempenhando atividades em benefício dos indígenas da região.

A entidade falou em "perda inestimável" e manifestou "preocupação com a continuidade das investigações", relatando que os dois suspeitos presos fazem parte de um grupo maior.

​"O que acontecerá conosco? Continuaremos vivendo sob ameaças? Precisamos aprofundar e ampliar a investigação. Precisamos de fiscalização territorial efetiva no interior da Terra Indígena Vale do Javari."

Nove organizações das áreas de jornalismo, direitos humanos e liberdade de expressão emitiram nota conjunta em que "expressam indignação e profundo pesar" e "questionam o presidente do Brasil sobre estímulo à ocupação ilegal das terras de povos originários e ataques contra jornalistas que denunciam irregularidades".

O texto é assinado por: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Artigo 19, Intervozes, Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres sem Fronteiras (RSF) e Tornavoz.

"Reforçamos nossos pedidos às autoridades nacionais e internacionais para que a execução seja apurada de forma célere, transparente e independente, sem qualquer interferência que possa atrapalhar a investigação. É preciso investigar e responsabilizar os envolvidos na morte de Dom e Bruno, daqueles que perpetraram o crime àqueles que o ordenaram."

As organizações também se solidarizaram com as famílias e lembraram que "lamentavelmente autoridades governamentais sugeriram que as próprias vítimas eram responsáveis pela tragédia", como foi o caso do presidente Bolsonaro, que falou em "aventura não recomendada".

"Não aceitaremos que o horror e as trevas dominem o Brasil. O Brasil não é uma aventura", afirmaram as entidades.

Fita de isolamento da PF em área na qual foram localizados pertences de Pereira e de Phillips, no rio Itaquaí (AM)
Fita de isolamento da PF em área na qual foram localizados pertences de Pereira e de Phillips, no rio Itaquaí (AM) - Pedro Ladeira - 14.jun.2022/ Folhapress

O ex-presidenciável João Amoêdo (Novo), que disputou o Planalto em 2018, também se manifestou para expressar "solidariedade às famílias e amigos" das duas "vítimas de cruéis assassinatos na Amazônia".

"Apesar da confissão dos assassinos, é essencial que as investigações continuem em busca de eventuais mandantes e as motivações do crime", escreveu em uma rede social.

Vice-presidente nacional do PT, o deputado federal José Guimarães (CE) disse que a confirmação causa "imensa revolta" e que os mandantes precisam ser punidos. "A brutalidade e crueldade indignam todos que têm compromisso com a vida e com a preservação das terras indígenas e seus habitantes!"

O também deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) disse que "o assassinato e esquartejamento dos corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips têm a digital de Bolsonaro e sua política assassina que libera todos os crimes que destroem a Amazônia e persegue os povos indígenas".

O Greenpeace Brasil e o Greenpeace Reino Unido, em comunicado único, afirmaram que "a política anti-indígena do Brasil de Bolsonaro avança a passos largos e os direitos dos povos originários são violados permanentemente".

"Até quando aceitaremos um governo que cruza os braços diante de tamanha atrocidade? As mortes de Bruno e Dom não se tratam de fatalidades, mas, sim, de um projeto criminoso do governo Bolsonaro, que abre alas para que atividades predatórias e crimes se reproduzam em plena luz do dia, e transformem a Amazônia em domínio particular do crime organizado, onde a lei não vale."

As duas organizações ambientais questionam: "O que tem se tornado o Brasil, afinal? Nos últimos três anos, nosso país vem se configurando cada vez mais em uma terra em que a única lei válida é a do 'vale-tudo'".

"O Brasil está mergulhado em um contexto que beira a barbárie e esse cenário não pode seguir avançando", dizem as duas unidades do Greenpeace, afirmando exigir "urgentemente justiça por Bruno e Dom".​

O WWF-Brasil afirmou que "o nível de violência aplicada a Bruno e Dom explicita como a Amazônia está à mercê da lei do mais forte, sob a qual a brutalidade é a moeda corrente. Isso eleva nossa indignação com a situação na qual os povos da floresta e seus defensores foram deixados pelo Estado brasileiro".

Para a organização ambiental, "não é aceitável que a Amazônia continue como terra sem lei, sem controle e atuação do Estado, vitimando seus defensores".

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, disse que o partido se dispõe a "ajudar a buscar Justiça e reparação". Ele se referiu às vítimas como "dois profissionais que pereceram na luta contra o crime. São heróis. E a história irá lembrá-los. Que a lei se encarregue dos outros".

Para Freire, o episódio "é o ápice de uma política de destruição ambiental, via leniência, conivência e incentivo a uma série de atividades ilegais na Amazônia. Bolsonaro tem responsabilidade em tudo que de nefasto ocorre na região".

O PV também disse que "vai lutar por justiça por Bruno Pereira e Dom Phillips" e apontou problemas na condução do caso pelo presidente Bolsonaro. "Lamentável é chamar de aventura a luta em defesa do meio ambiente e dos povos indígenas", afirmou o partido.

"Mais uma vez o crime organizado, que invadiu nossas reservas e áreas ambientais, em decorrência da precarização dos órgãos de controle e fiscalização, vitimiza aqueles que tem na sua atividade a defesa de nossos recursos naturais", declarou o PV, citando o desmantelamento das políticas ambientais.

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Beto Simonetti, falou em "mais uma triste página do histórico de conflitos que assola a região" e disse que a entidade ajudará a "cobrar das autoridades a responsabilização dos autores desse crime brutal".

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) reivindicou esclarecimento do caso e afirmou que "não se pode aceitar a agressão ao ser humano, o desrespeito ao meio ambiente e à nossa casa comum, nem o encobrimento da verdade e da justiça".

Segundo a entidade da Igreja Católica, "essas mortes integram a lista de dramas vividos na região amazônica como bem expressou o papa Francisco", que tem clamado por "uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida".

Chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo Bolsonaro entre 2019 e 2021, o empresário Fábio Wajngarten —que, conforme mostrou a Folha, voltou ao entorno do presidente para a campanha à reeleição— fez uma manifestação sob viés criminal, mencionando punições.

"É imprescindível que as penas de crimes dolosos contra a vida sejam majoradas e endurecidas, sem benefícios ao autor/criminoso. Vou sugerir aos amigos parlamentares imediatamente. Meus sentimentos às famílias vitimadas na ocorrência da Amazônia", escreveu em uma rede social.

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