É montagem foto que mostra Bolsonaro de moto sob faixa de protesto em Salvador

Presidente passou por mensagem que dizia 'Vai trabalhar, preguiçoso', mas não no ponto de imagem viral

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São Paulo

É falsa postagem cuja foto tem uma faixa verde com a frase "Vai trabalhar, preguiçoso!", escrita em amarelo, que teria sido exposta no bairro de Ondina durante motociata de Jair Bolsonaro (PL) em Salvador, nas comemorações de 2 de Julho na capital baiana. Neste trecho específico da Avenida Oceânica não havia faixa de protesto como a retratada no conteúdo aqui investigado.

Como verificado pelo Projeto Comprova, apoiadores do presidente, como o ex-BBB Adriano Castro, fizeram transmissões ao vivo do trajeto. A partir de 1:34:40 do vídeo, ele entra no corredor da Avenida Oceânica, após a Prefeitura da Aeronáutica, mas não se vê a faixa.

O deputado estadual Capitão Alden (PL-BA) também fez uma transmissão ao vivo no Facebook que mostra a passagem pelo trecho. A partir de 00:55 é possível ver as primeiras árvores no canteiro central da avenida e nenhuma faixa como a da foto é vista em todo o trecho até o cruzamento com a Avenida Milton Santos (3:12). Outro apoiador do presidente registrou a passagem pelo local antes (00:03) e durante (20:37) a motociata e as imagens mostram que não havia qualquer faixa naquele ponto.

Questionada pela reportagem no dia 5 sobre a existência da faixa, a Prefeitura de Salvador afirmou que, após o contato, encaminhou equipe da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano até o local para retirá-la, porque não havia autorização de instalação conforme estabelece o Decreto 30.095/2018, mas nada encontrou.

Apesar de não haver uma faixa no ponto específico em que a fotografia foi feita, o presidente Bolsonaro e sua motociata passaram por pelo menos outras duas faixas no percurso. Ambas são idênticas à que aparece na foto aqui verificada e podem ser vistas nos vídeos gravados pelo ex-BBB Adriano Castro, pelo deputado Capitão Alden e por um apoiador do presidente, que filmou a motociata em três partes. Já os vídeos postados no Facebook do presidente não mostram nenhum dos trechos onde as faixas estavam fixadas.

Faixa verde com a inscrição "Vai trabalhar, preguiçoso!" em amarelo. Ao fundo, avenida, uma biblioteca, árvores e céu com nuvens
Faixa que estava no local, na rua Guedes Cabral, quando a motociata passou por Salvador - Reprodução

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação

O post verificado aqui teve mais de 20 mil interações no Twitter, TikTok e Facebook, entre curtidas, compartilhamentos e menções, até 8 de julho.

O que diz o autor

Vários perfis publicaram a foto. Um dos primeiros registros foi feito ainda no dia 2 de julho por @polianices, no Twitter, que reúne sozinho quase 20 mil interações na publicação. Procurado em mensagem direta na rede social, disse que havia visto a foto em outro perfil e a compartilhou sem saber a sua origem. Com posts no Facebook, também foram procurados os perfis Bolsominions Arrependidos e Ciro Progressista. Não houve retorno. O Comprova ainda tentou contato com o canal Distopia Brazil, que usou a foto em um vídeo do TikTok, mas não obteve retorno.

Como verificamos

Inicialmente, a reportagem fez uma busca reversa da foto publicada no Google; a consulta retornou apenas outras publicações de redes sociais com o mesmo conteúdo.

A frase "Vai trabalhar, preguiçoso!" também foi usada em pesquisa com a ferramenta CrowdTangle, aplicada em textos e imagens do Instagram, Facebook e Twitter, na tentativa de identificar a origem da foto.

A equipe ainda buscou conteúdos em vídeo de perfis de apoiadores de Bolsonaro, que o seguiram na motociata, para localizar o momento exato da passagem do presidente pela avenida Oceânica e confrontar com a imagem do post investigado.

Por telefone e pessoalmente, a reportagem fez contato com trabalhadores e moradores da região para se informar sobre a faixa, além de jornalistas e fotógrafos que cobriram a motociata —nenhum deles disse ter visto a faixa de Ondina. Também foram procuradas empresas que produzem esse tipo de material na tentativa de identificar quem o confeccionou e os locais onde foram instalados.

Por fim, a reportagem consulto u a Prefeitura de Salvador sobre a existência da faixa e procurou perfis que compartilharam a imagem para conferir a autenticidade da foto.

Passagem de Bolsonaro

A foto aqui verificada foi feita a partir da calçada da Avenida Oceânica, em Ondina, sentido Parque dos Ventos, nas imediações do Bahia Othon Palace Hotel. É possível identificar o local a partir de pontos de referência no fundo da imagem: há uma barraca de chaveiro, uma cobertura azul de ponto de ônibus e a estrutura de um outdoor um pouco acima do muro do Centro de Esportes e Educação Física da Universidade Federal da Bahia. A suposta faixa estaria presa entre duas árvores e atrás de um poste de iluminação, assim como de uma sinaleira para travessia de pedestres.

Motos vindo em direção à câmera com árvores e faixa verde onde se lê, em amarelo, "Vai trabalhar, preguiçoso!" ao fundo
Diferentemente do que mostra imagem, Bolsonaro não passou por faixa de protesto em trecho da avenida Oceânica, em Ondina, em Salvador - Reprodução

Foto publicada no Flickr oficial de João Roma, que é pré-candidato ao governo da Bahia, mostra um trecho bem próximo ao local onde a imagem analisada teria sido feita. Ao fundo, é possível ver uma sinaleira para travessia de pedestres, como na foto verificada, mas também não há uma faixa visível.

​Faixas em outros pontos do trajeto

Apesar de não haver uma faixa com a frase "Vai trabalhar, preguiçoso!" no trecho de Ondina da avenida Oceânica, pelo menos mais duas faixas iguais à que aparece na foto aqui verificada foram de fato fixadas no trajeto da motociata, que partiu do Largo do Farol da Barra e seguiu pela orla marítima até o Parque dos Ventos. As duas faixas estavam no bairro do Rio Vermelho e Bolsonaro passou por elas.

A primeira estava presa entre dois postes na esquina da Rua da Paciência com a Rua Almirante Barroso. A fotojornalista Shirley Stolze chegou a registrar a imagem e postou a foto em sua conta pessoal no Facebook às 14h02 do dia 2 de julho de 2022. À reportagem, Shirley disse que viu a faixa quando passava pelo local e a fotografou com o celular:

A reportagem esteve no local na tarde de 7 de julho de 2022 e encontrou, ainda preso em um dos postes, o suporte para a faixa. Um funcionário de um bar que fica na esquina da Rua Almirante Barroso confirmou ter visto a faixa no local e afirmou que ela estava presa entre os dois postes quando a motociata passou por lá. Na noite do dia 2, a faixa já não estava presa e, sim, pendurada em apenas um dos postes.

A segunda faixa foi fixada entre um coqueiro e um poste ao lado de um ponto de ônibus da rua Guedes Cabral, logo após a rua da Paciência. A reportagem localizou a imagem por meio da busca por palavras-chave no Facebook.

Ela também aparece nos vídeos já citados aqui: a primeira imagem foi captada do vídeo de Adriano Castro (1:41:02) e, a segunda, do Capitão Alden (07:40).

Um apoiador do presidente que registrou sua participação na motociata em três vídeos no YouTube conseguiu captar a faixa da Rua Guedes Cabral em dois momentos. O primeiro foi quando a faixa ainda estava sendo colocada no local. É possível ver um homem em uma escada aos 04:09 deste vídeo prendendo a faixa no poste.

A segunda vez que o mesmo apoiador registrou a existência da faixa foi no terceiro vídeo, quando ele já passava pelo local acompanhando Bolsonaro e os demais apoiadores de moto. A faixa aparece rapidamente em 1:51; em seguida, há um corte no vídeo, que continua depois que o grupo já havia passado por este trecho, que fica entre a Biblioteca Juracy Magalhães Júnior e o Teatro Sesi Rio Vermelho.

A reportagem conversou também com dois funcionários de um restaurante próximo à biblioteca e eles confirmaram que viram uma faixa, mas não prestaram atenção ao conteúdo dela.

'Preguiçoso'

Embora a faixa "Vai trabalhar, preguiçoso!" não carregue o nome do presidente, o termo pejorativo tem sido atribuído a Bolsonaro em redes sociais e protestos de opositores. As manifestações críticas foram pontuadas pela coluna Radar, da Veja do início de junho, ao analisar que "histórico de folgas, passeios de moto e de jet ski, além da jornada curta de expediente no Planalto consolidam imagem desfavorável ao presidente."

Em março, a mesma revista já havia publicado que a média diária de trabalho de Bolsonaro era inferior a 3 horas naquele mês, considerando as informações da agenda oficial da presidência. Na mesma semana, o jornal Gazeta do Povo apontou os gastos com férias e folgas do agora pré-candidato à reeleição, que somavam R$ 8,3 milhões em três anos de governo.

Já em abril, o Metrópoles fez uma análise sobre o tempo dedicado pelo presidente às atividades do mandato com base em no estudo "Deixa o Homem Trabalhar?". No mês seguinte, a Folha mostrou que Bolsonaro faz do lazer uma rotina.

As redes sociais também estão recheadas de críticas e memes com esse enfoque, como mostra reportagem do Diário do Centro do Mundo, jornal digital que se identifica com o espectro político de esquerda.

Presidenciáveis em Salvador

Além de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) participaram de atos em Salvador, no dia 2 de julho, na comemoração pela Independência da Bahia.

Com exceção do presidente, os outros três pré-candidatos ao Planalto participaram de ato cívico, percorrendo regiões entre o Largo da Lapinha, no bairro da Liberdade, e o Terreiro de Jesus, no Pelourinho.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Desta vez, a peça desinformativa é contra Jair Bolsonaro, pré-candidato na disputa à presidência da República. Conteúdos falsos e enganosos são prejudiciais ao processo democrático porque atingem o direito do eleitor de fazer sua escolha baseada em fatos, não em boatos e desinformação.

Este conteúdo que traz como pano de fundo o 2 de Julho, data em que se celebra a Independência da Bahia, não foi o único investigado por desinformação. O Comprova mostrou que post usa vídeo antigo para enganar sobre adesão a ato pró-Bolsonaro e outro que enganava ao sugerir baixa adesão na manifestação a favor do presidente.

A investigação desse conteúdo foi feita por Folha, A Gazeta e Estadão e publicada em 8 de julho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 42 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Plural Curitiba, piauí e Metrópoles.

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