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Lula questionou urnas eletrônicas e propôs comprovante impresso em 2002

Assessoria do petista diz que confiança nas urnas está hoje provada; fala foi resgatada por opositores após apresentação golpista de Bolsonaro

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São Paulo

O ano é 2002, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que seria eleito presidente da República em outubro daquele ano, questiona a credibilidade da urna eletrônica —discurso que, 20 anos mais tarde, sustenta o golpismo do presidente Jair Bolsonaro (PL), seu adversário na eleição.

A declaração de Lula, registrada pelos principais jornais em suas edições impressas de 6 de junho, foi resgatada por aliados de Bolsonaro nesta terça-feira (19), um dia após o presidente repetir mentiras e teorias da conspiração a respeito das urnas em apresentação a dezenas de embaixadores no Palácio da Alvorada.

Lula, candidato do PT ao Planalto, após votar na eleição de 2002, na qual seria eleito - Eduardo Knapp - 6.out.2002/Folhapress

Bolsonaro promoveu novas ameaças golpistas, atacou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e mencionou Lula na apresentação. O petista lidera as pesquisas de intenção de voto, a menos de 80 dias do pleito. Bolsonaro está em segundo lugar, com 19 pontos de diferença, segundo o Datafolha.

No Brasil, nunca houve registro de fraude nas urnas eletrônicas, em uso desde 1996. A primeira eleição feita totalmente com urnas eletrônicas no país foi a de 2000.

Em junho de 2002, quando estava em pré-campanha, Lula levantou dúvidas sobre as urnas eletrônicas, segundo registra reportagem da Folha.

"Nada é infalível, só Deus. Vamos pegar o que aconteceu aqui, quantas denúncias já foram feitas de defunto que vota, de cidades que têm mais eleitores do que habitantes", disse ele.

Procurada pela reportagem sobre a fala do petista na época, a assessoria de Lula respondeu que a segurança da urna ficou provada.

"É uma matéria de 2002. Desde então ficou mais que provada a confiabilidade do sistema, que não tem questionamentos em toda a sua história. Os votos são registrados por urna e a soma de urnas pode ser checada. Todo mundo sabe que essas bobagens de Bolsonaro sobre urnas eletrônicas são porque ele sabe a rejeição ao seu governo e que irá perder a eleição", afirma em nota.

Nesta terça, Lula criticou a reunião de Bolsonaro com os embaixadores afirmando que o presidente "é o mentiroso da República".

"Bolsonaro quer criar uma confusão como Trump fez nos EUA. Quer criar suspeitas onde não tem. Está tentando enganar o povo para justificar uma bobagem qualquer. Ele não está com medo da urna eletrônica, está com medo do povo brasileiro", tuitou Lula.

O petista também já publicou que Bolsonaro mente sobre as urnas "mas ele foi eleito quatro vezes deputado pela urna eletrônica" e disse não haver "um deputado, um prefeito, um governador questionando a urna eletrônica, só ele [Bolsonaro]".

Ainda segundo as reportagens da época, Lula disse não saber se a urna poderia ser manipulada ou não e afirmou que a desconfiança aumentou após uma fraude no painel eletrônico do Senado ocorrida no ano anterior.

O petista ainda propôs a utilização de um comprovante de voto impresso, algo também defendido hoje pelos bolsonaristas mesmo após o Congresso não ter aprovado tal medida.

De acordo com reportagem do jornal O Globo, a solução de Lula contra possíveis fraudes foi explicada por ele: "O eleitor vota, a máquina dá um tíquete igual ao de um caixa de supermercado, e o papel é depositado numa urna. Em caso de desconfiança é só conferir".

No ano passado, porém, Lula criticou o voto impresso. "Voto impresso é voltar pra época dos dinossauros. Se fosse possível roubar na urna eletrônica, jamais um metalúrgico teria sido eleito presidente da República", publicou.

Quando falou com a imprensa sobre as urnas em 2002, em Paranapiacaba (SP), Lula criticou sobretudo a participação da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no processo eleitoral, dizendo ser um absurdo.

A Folha explicou que o Cepesc (Centro de Pesquisas em Segurança das Comunicações), ligado à agência, detinha "o controle do programa de segurança da urna, que protege os dados dos disquetes contendo o resultado da votação no transporte entre a seção eleitoral e o local de apuração".

Na resposta dada aos questionamentos das Forças Armadas neste ano, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fala sobre o papel do Cepesc, que "foi escolhido desde o início da implantação do voto eletrônico no Brasil para a implementação de biblioteca criptográfica responsável por assegurar a troca de informações entre diversos sistemas eleitorais".

"Tal biblioteca, implementada em software, é a que tem maior abrangência e provê primitivas criptográficas de assinatura digital e verificação, além da cifração e decifração de dados. O Cepesc foi escolhido por defender o uso de criptografia de Estado, produzida dentro do país e por órgãos governamentais, com o objetivo de assegurar a segurança das comunicações e, no caso, da integridade do voto eletrônico e dados correlatos", diz o texto da corte.

O jornal O Estado de S. Paulo também registrou a fala de Lula sobre as urnas e a Abin, destacando sua menção ao então presidente do TSE, Nelson Jobim.

"Não sei se o ministro [Jobim] tem desconfiança da lisura do processo eleitoral. Como ministro do Supremo Tribunal Federal, ele deveria ser o primeiro a garantir a lisura e que ninguém quer a Abin fiscalizando nada. [...] O meu medo é que a Abin, ao invés de fiscalizar as eleições, fique fiscalizando a vida dos candidatos, obviamente de oposição. [...] A sociedade pode controlar e, se tivesse de ter fiscalização, não deveria ser do setor de inteligência do governo", disse Lula.

Nesta terça, a reportagem da Folha de 2002 com os questionamentos do ex-presidente ao voto eletrônico foi postada pelos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Filipe Barros (PL-PR) como uma resposta às críticas que Bolsonaro recebeu pela apresentação aos embaixadores.

As falas golpistas do presidente não são uma novidade, mas desta vez vieram carregadas de agravantes: feita a embaixadores convocados pelo governo, dentro da residência oficial da Presidência, incluída na agenda oficial de Bolsonaro, com transmissão ao vivo pela TV estatal e às vésperas do início da campanha.

Segundo especialistas em direito ouvidos pela Folha, Bolsonaro cometeu uma série de crimes na apresentação a embaixadores. As declarações, em tese, poderiam levar à cassação ou ao impeachment do mandatário.

A fala provocou reações de repúdio. Partidos de oposição acionaram o STF para que Bolsonaro seja investigado sob suspeita de crime contra as instituições democráticas.

No Judiciário, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, repudiou tentativas de questionamento do processo eleitoral, mas sem citar o nome de Bolsonaro.

Uma forte reação a Bolsonaro também foi vista em setores do Ministério Público. Procuradores da República afirmaram que Bolsonaro faz campanha de desinformação e avilta a liberdade democrática.

Eles ainda acionaram o procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem se mostrado alinhado ao presidente, para que o presidente seja investigado.​

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