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Eleições 2022 Governo Bolsonaro

Mulheres e batalha espiritual impulsionam vantagem de Bolsonaro entre evangélicos

Datafolha mostra presidente pela primeira vez fora de empate técnico com petista no segmento

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São Paulo e Brasília

Está no Novo Testamento: quem muito semeia, em abundância também ceifará. Jair Bolsonaro (PL) sempre enxergou a base evangélica como um terreno fértil para plantar suas pretensões presidenciais e, em 2018, amealhou 7 em cada 10 votos desse eleitorado cristão.

Em 2022, a colheita estava mais chinfrim. O presidente vinha registrando nesse segmento sucessivos empates técnicos com Lula (PT), segundo sondagens prévias do Datafolha.

A pesquisa mais recente do instituto revela que o presidente ainda está longe de monopolizar as intenções de voto do grupo religioso, mas conseguiu aumentar a vantagem sobre seu maior adversário.

Bolsonaro com a primeira-dama, Michelle, durante a convenção do PL no Rio
Bolsonaro com a primeira-dama, Michelle, durante a convenção do PL no Rio - Eduardo Anizelli - 24.jul.2022/Folhapress

Lula é hoje o preferido dos brasileiros nos dois turnos, mas o quadro lhe é menos amistoso quando consideramos somente a parcela evangélica.

Há dois meses, atual e ex-presidente disputavam os votos desse eleitorado cabeça a cabeça: o presidente tinha 39% das intenções de voto no primeiro turno, contra 36% do petista. A distância começou a abrir em julho e, agora, Bolsonaro conseguiu uma dianteira de dez pontos: 43% a 33%.

Levando em conta os votos válidos, o presidente vai para 49%, enquanto o petista laça 37% desses eleitores.

A disparada foi maior no segundo turno. O chefe do Executivo tinha uma tímida vantagem numérica nas pesquisas anteriores. No novo levantamento, aparece com 52% num embate direto com o antecessor, contra 40% do petista.

Evangélicos são 25% dessa amostra do Datafolha, que entrevistou 2.556 pessoas em 183 municípios nos dias 27 e 28 de julho. A margem de erro, quando analisamos apenas o quinhão evangélico, é de quatro pontos percentuais para mais ou menos.

Nas últimas semanas, Bolsonaro redobrou a aposta na base religiosa que lhe é mais fiel.

Foi a estrela de grandes eventos do meio, como a Marcha para Jesus em São Paulo e filhotes regionais, e reforçou o "pentecostalês", linguagem que fala direto ao coração dos bibliocêntricos pentecostais, o mais parrudo torrão do evangelicalismo brasileiro.

Tem testado novas máximas para seu repertório cristão, como uma livre adaptação que fez da Bíblia: "Nada temeis, nem mesmo a morte, a não ser a morte eterna".

Para plateias da Assembleia de Deus, o maior guarda-chuva denominacional do país, deu a entender que a salvação do espírito depende de como os fiéis se comportarão no próximo pleito.

"No dia do ponto final, nós temos um currículo para ser apresentado", disse no Maranhão. "Quem se abstém, quem diz 'eu não quero nem esse nem aquele', está errando também. Esse currículo é o que vai nos dizer se teremos ou não a sonhada vida eterna."

São variações do mesmo discurso apocalíptico que trombeteia uma eventual vitória lulista como o fim da moral e dos bons costumes.

É a falsa ideia de que a volta do PT resultará em abortos feitos a granel, drogas vendidas como bala nos mercados e uma lavagem cerebral escolar que transforme os filhos da família tradicional brasileira em militantes LGBTQI+.

A estratégia discursiva para as igrejas já está bem definida, diz a antropóloga Lívia Reis, pesquisadora da UFRJ e do Instituto de Estudos da Religião.

"Primeiro, ele investe na ideia de batalha espiritual. A partir da metáfora de luta do bem contra o mal, Bolsonaro aciona a pauta moral, que, em 2022, se vincula às críticas ao Supremo Tribunal Federal e à promessa de indicação de mais dois ministros terrivelmente evangélicos dispostos a lutar pela manutenção da ordem e dos costumes."

A segunda cartada é investir na linha da valorização da mulher, "reconhecendo-a como responsável pelos vínculos familiares em todas as dimensões, de cuidado, econômicos e espirituais", afirma Reis.

Se as mulheres eram um flanco eleitoral de Bolsonaro, era vital mudar sua imagem perante elas. E a parcela feminina, entre evangélicas, é de 58%, seis pontos percentuais acima da média geral.

Michelle Bolsonaro aparece como um supertrunfo do presidente. Ela é vista por sua campanha como uma face menos belicosa do bolsonarismo e, portanto, uma entrada mais fácil com as eleitoras.

Um pastor do QG evangélico de Bolsonaro chegou a brincar que a primeira-dama seria o Deus do Novo Testamento, "mais amoroso", e seu marido, o Deus do Velho Testamento, bem mais violento.

Michelle falou por pouco mais do que 12 minutos na convenção do PL que ungiu a candidatura de Bolsonaro à reeleição.

A metade evangélica do casal eletrizou seu discurso com alta voltagem proselitista. Ela contou que toda terça-feira ora no gabinete do homem com quem casou nove anos atrás, sob a bênção do pastor Silas Malafaia.

"Gente, eu tenho falado de Deus porque Deus é nosso pilar, e sem Ele nós não somos nada", disse antes de sugerir que seu parceiro, um católico abraçado por praticamente toda a cúpula pastoral evangélica, fazia jus a seu nome do meio.

"Eu entro com os meus intercessores e oro na cadeira dele e declaro todos os dias: Jair Messias Bolsonaro, seja forte e corajoso. Não temas, não temas. Ele é um escolhido de Deus."

Ela própria é alvo de chistes machistas do presidente. Exemplo recente aconteceu no cercadinho no Palácio do Alvorada, onde Bolsonaro costuma papear com seguidores. Na quarta (27), ele disse que a esposa era quem gastava quase tudo do salário de R$ 33 mil brutos que recebe pela função.

Emendou segunda troça ao afirmar que Michelle "falava muito alto comigo em casa", o que fez com que ele lhe passasse um pito. "Eu falei: tu vai aprender Libras." A primeira-dama domina a Linguagem Brasileira de Sinais.

Parte do avanço do presidente, no entanto, é também reflexo de movimentações nos grupos sociais que compõem o eleitorado evangélico.

Bolsonaro reduziu sua rejeição e conquistou espaço no primeiro turno entre as mulheres de uma forma geral. Ele também conseguiu um leve progresso no desempenho entre os mais pobres, que são 61% dos evangélicos, mais do que a média nacional.

Os números sinalizam que Bolsonaro já vinha melhorando seus números nesse segmento religioso, mas conseguiu reduzir resistências entre as fiéis e entre os mais pobres com as medidas econômicas anunciadas pelo governo desde o mês passado.

As mulheres e a população de baixa renda são mais sensíveis a variações da economia e programas como o Auxílio Brasil.

Há sinais, por outro lado, de que a predileção dos evangélicos pelo presidente não se explica apenas pelo componente econômico e a expectativa de bem-estar do eleitor. A avaliação do governo Bolsonaro continua sendo mais benévola na fatia evangélica: 37% acham que o titular do Palácio do Planalto faz um trabalho ótimo ou bom, contra 28% do conjunto todo.

Mas as taxas de aprovação não mudaram significativamente nos últimos meses, ao contrário da intenção de voto.

Se não há mais crentes achando o governo melhor, por que mais deles têm preferido Bolsonaro nas urnas? A lógica da polarização é uma explicação possível. Se esta é, afinal, uma luta do bem contra o mal, como o presidente tanto alardeia, os evangélicos podem estar dispostos a escolher um lado.

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