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Fake News Eleições 2022

Redes sociais precisam definir se papel na eleição será de inércia ou combate às fake news

Política do YouTube se opõe a mentira sobre urnas, mas critérios de moderação não são transparentes

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São Paulo

A três meses da eleição, as redes sociais precisam definir se serão proativas ou inertes em relação à moderação de mentiras difundidas sobre as urnas eletrônicas, em especial por figuras públicas.

É consensual que houve avanço nas políticas e no diálogo das empresas com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nos últimos anos, mas ainda é difícil calcular a efetividade do cumprimento das diretrizes impostas pelas próprias empresas para o enfrentamento da desinformação em suas plataformas.

A última semana dá um exemplo concreto disso.

 O presidente Jair Bolsonaro (PL) em apresentação sobre as urnas a dezenas de embaixadores no Alvorada
O presidente Jair Bolsonaro (PL) em apresentação sobre as urnas a dezenas de embaixadores no Alvorada - Clauber Caetano - 18.jul.22/AFP

O YouTube, que tem uma das políticas mais específicas contra conteúdos que alegam fraude na eleição de 2018, deletou na segunda-feira (18) uma live do presidente Jair Bolsonaro (PL) de um ano atrás. Era uma transmissão em que o chefe de Estado trazia "indícios de fraude", nada comprovado.

No mesmo dia em que o YouTube derrubou a live, o presidente fez um discurso parecido, desta vez a dezenas de embaixadores no Alvorada. Mudou um pouco o pacote de teorias conspiratórias e baixou o tom da fala.

Excluiu do repertório a tese que haveria fraude baseada na diferença percentual ao longo da apuração dos votos, mas inovou ao afirmar que o TSE sugeriu que houve "manipulação dos dados em 2018", o que não aconteceu.

O YouTube avaliou o conteúdo, não viu violações de Bolsonaro e decidiu mantê-lo no ar.

Desde março, a empresa adota uma política que proíbe "conteúdo com alegações falsas de que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados ocorreram em eleições nacionais certificadas anteriores". A medida vale para vídeos que falem da eleição de 2018.

A diretriz pode parecer genérica, e é por vários motivos.

Se as redes sociais forem ultraespecíficas em seus termos, passam a exigir um controle interno extremo para que todo discurso político seja avaliado. Isso abre precedente para a censura prévia, já que a primeira análise é feita por inteligência artificial, não por humanos.

No caso do YouTube, não bastaria monitorar o texto de títulos e transcrições, mas o conteúdo do áudio de bilhões de vídeos. Uma diretriz específica também daria o caminho das pedras a quem pretendesse infringir as regras.

Mesmo que o ministro Alexandre de Moraes determine que não há ligação entre Lula e PCC, é possível fazer um título cifrado para relacionar os dois temas e não ser fisgado. Quem liga Lula ao PCC fala PTCC, por exemplo. Quem difunde mentira sobre vacina escreve picada, e não vacina, e assim por diante.

Mas o que levou a plataforma a derrubar um vídeo do presidente e manter o outro, com argumentos quase iguais? A resposta oficial é que um violou sua política e o outro, não. Um deu alegações falsas de fraude em 2018 e o outro, não.

Aos olhos do público, ambos são parecidos e têm o mesmo objetivo de tumultuar o pleito sob o argumento de promover "eleições limpas". A live a embaixadores ainda contou com exibição de motociatas no fim do PowerPoint e frases como "o Brasil está voando", mas isso cabe à Justiça Eleitoral.

Embora a resposta da plataforma do Google seja de que apenas um dos vídeos feriu sua política, só a empresa sabe qual a frase de Bolsonaro que levou ao banimento. Assim como o algoritmo é um segredo industrial, os critérios de moderação também parecem ser.

Talvez Bolsonaro tenha sido mais incisivo na live de um ano atrás. Talvez tenha feito mais insinuações na deste ano. Talvez saiba que não pode falar explicitamente "houve fraude em 2018" porque sua fala sairá do ar.

Talvez também o YouTube não queira tomar sozinho a decisão política de derrubar uma transmissão oficial e munir ainda mais a conspiração de que big techs participam de um complô mundial contra a direita, encabeçado por Bill Gates, o 5G e a indústria farmacêutica.

Não há uma resposta clara e pública. Com a emissão de comunicados vagos, as plataformas se colocam justamente na posição que evitam, de decidirem sozinhas, sem escrutínio da sociedade civil ou da imprensa.

A live a embaixadores também foi publicada no perfil oficial do presidente no Facebook. A rede social incluiu um botão que direciona o usuário para a página do TSE. É uma medida que permite quantificar a efetividade, já que os acessos do site da Justiça Eleitoral costumam subir com esse tipo de ação.

Mas, se o objetivo fosse conter desinformação, tão importante quanto contextualizar a mentira seria frear seu compartilhamento.

O Marco Civil da Internet determina que as redes sociais são obrigadas a retirar conteúdo somente sob ordem judicial, e num prazo de 24 horas. Como empresas, entretanto, elas têm autonomia para fazer uma moderação espontânea, por isso criam suas políticas internas, para balizar essa moderação.

A três meses da eleição, a última semana mostrou que será preciso balizar mais uma vez: qual é o tempo razoável para moderar um discurso golpista que também fere uma política empresarial? Se o combate à desinformação contra as urnas é tão importante quanto a liberdade de expressão, é preciso melhorar a prestação de contas.

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