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Roteiro de Bolsonaro sobre crime em Foz inclui discurso dúbio e ofensiva por imagem

Presidente tem feito seguidos ataques à esquerda desde que militante petista foi assassinado por bolsonarista

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São Paulo, Foz do Iguaçu (PR) e Brasília

O roteiro do presidente Jair Bolsonaro (PL) desde o assassinato de um militante petista por um bolsonarista no último final de semana inclui discurso dúbio sobre o crime, ataques à esquerda e, por último, uma ofensiva por sua imagem.

O atual presidente é candidato à reeleição e aparece em segundo lugar nas pesquisas, distante do líder e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas projeções de segundo turno.

O militante petista e guarda municipal Marcelo de Arruda foi assassinado por um militante bolsonarista no último sábado, em Foz do Iguaçu (PR). O policial penal Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a festa de Marcelo, que comemorava seus 50 anos com uma celebração decorada com motivos petistas.

Segundo testemunhas, Jorge invadiu o local gritando palavras de ordem a favor de Bolsonaro e contra o PT e Lula. A principal linha de investigação da polícia aponta para crime por motivação política já que, segundo as informações atualizadas, Jorge e Marcelo não se conheciam. O PT fala em crime de ódio.

O presidente Jair Bolsonaro (PL)
O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Adriano Machado/Reuters

O atirador Jorge, que está internado após também ser baleado por Marcelo, se define como conservador e cristão. Ele usa as redes sociais principalmente para defender Bolsonaro, se diz contra o aborto e as drogas e considera arma sinônimo de defesa.

Em junho de 2021, ele aparece sorrindo em uma foto ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do mandatário. "Vamos fortalecer a direita", escreveu em 30 de abril numa corrente da "#DireitaForte" para impulsionar perfis de conservadores com poucos seguidores.

Sua última postagem antes do crime é um retuíte de uma publicação do ex-presidente da Fundação Cultural Palmares Sérgio Camargo, dizendo: "Não podemos permitir que bandidos travestidos de políticos retornem ao poder no Brasil. A responsabilidade é de cada um de nós".

Jorge José da Rocha Guaranho ao lado de Eduardo Bolsonaro, em 2021 - @jorgeguaranho no Twitter

A primeira manifestação de Bolsonaro sobre o crime ocorreu no domingo, cerca de 24 horas após o assassinato. Nela, o presidente foi dúbio.

Em suas redes sociais, primeiro disse dispensar o "apoio de quem pratica violência contra opositores", mas, no mesmo pronunciamento, atacou a esquerda.

"Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores. A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos", escreveu o chefe do Executivo.

A manifestação do presidente foi publicada em seu perfil nas redes sociais depois que praticamente todos os espectros políticos já haviam se manifestado em repúdio, sem condicionantes, ao episódio.

Bolsonaro é, desde antes de chegar à Presidência, um dos principais políticos que insuflam o antipetismo e já chegou a usar termos como "fuzilar a petralhada" —fato que foi lembrado por eleitores em meio à repercussão do caso em Foz do Iguaçu.

O chefe do Executivo disse ainda que sua manifestação replica uma mensagem emitida em 2018 e que o fazia "independente das apurações".

"Que as autoridades apurem seriamente o ocorrido e tomem todas as providências cabíveis, assim como contra caluniadores que agem como urubus para tentar nos prejudicar 24 horas por dia", disse.

Na segunda-feira, Bolsonaro voltou a falar sobre o tema, agora em conversa com apoiadores. Nela, criticou a forma como está sendo divulgada a morte do militante petista.

"Vocês viram o que aconteceu ontem, né? Uma briga de duas pessoas lá em Foz do Iguaçu. 'Bolsonarista não sei o que lá'. Agora, ninguém fala que o Adélio é filiado ao PSOL, né? A única mídia que eu tenho é essa que está nas mãos de vocês aí", disse Bolsonaro a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada.

Adélio, autor da facada em Bolsonaro na campanha de 2018, foi filiado ao partido. Segundo as investigações, ele concebeu, planejou e executou sozinho o atentado. Foi considerado inimputável por ter doença mental e cumpre medida de segurança em um presídio federal.

Ele citou a Folha ao criticar a forma como a imprensa tem veiculado a notícia.

"Chegaram vídeos para a gente antes do crime em si. O cara faz um boletim de ocorrência, diz ele que chega lá gritando "sou Bolsonaro". Agora eu vi em letras garrafais na Folha de S.Paulo: "Bolsonarista mata". Quando o Adélio me esfaqueou ninguém falou que ele era filiado ao PSOL. Agora o que eu tenho a ver com esse episódio em Foz do Iguaçu? Nada", disse.

Ao ser questionado por um jornalista em relação à frase que teria dito sobre "fuzilar petistas", o chefe do Executivo se defendeu e disse que seria no sentido figurado.

Já a ofensiva por sua imagem em ano de eleição teve seu ponto alto nesta terça-feira (12), quando usou um deputado federal aliado para se aproximar de uma ala da família de Marcelo mais simpática a ele.

Numa conversa por telefone com esses familiares, Bolsonaro se preocupou mais em se defender do que em se solidarizar com os parentes do petista assassinado. Ele disse que a esquerda tenta "politizar" a morte para desgastar o governo e convidou parentes para irem a Brasília.

A ligação por vídeo foi feita pelo deputado bolsonarista Otoni de Paula (MDB-RJ), que esteve na casa de um dos irmãos de Marcelo, com o aval de Bolsonaro, para intermediar a conversa. Segundo ele, o presidente falou com dois irmãos do petista assassinado: José e Luiz de Arruda.

A iniciativa, porém, irritou os familiares mais próximos de Marcelo, incluindo a viúva, Pâmela Suellen Silva. Ela afirmou ao UOL ter ficado surpresa com o telefonema do presidente aos irmãos de Marcelo ("absurdo, eu não sabia", disse)​ e ressaltou que eles nem estavam na festa de aniversário onde ele foi assassinado.

O filho de Marcelo, Leonardo de Arruda, 26, disse à Folha que a família está incomodada com a tentativa de responsabilizar Marcelo pelo caso —embora ele não tenha se referido diretamente a Bolsonaro, o próprio presidente da República chegou a se referir ao crime como "briga de duas pessoas" e a afirmar mais cedo que "o cara que morreu" teria jogado pedra antes no bolsonarista.

"Meu tio cobrou esclarecimentos do presidente, pediu retratação pública, pedindo para a imprensa que está colocando meu pai como causador de tudo, para dizer que ele foi a vítima de um assassino extremista", afirmou.

O presidente convidou uma parte da família de Marcelo, alinhada ao bolsonarismo, para visitar o Palácio do Planalto nesta quinta (14) e participar de uma entrevista coletiva.

"A possível vinda de vocês a Brasília, se concordarem, qual é a ideia? É ter uma coletiva de imprensa para falar o que aconteceu. Até para [evitar] ataques ao seu irmão. Não é a direita, a esquerda. Esse cara [que o assassinou], pelo que tudo leva a crer, é um desequilibrado", disse Bolsonaro.

"Eu faria isso para vocês terem a imprensa na frente de vocês para mostrar o que aconteceu. Se bem que a imprensa dificilmente vai voltar atrás, porque grande parte da imprensa tem o seu objetivo também, que é desgastar o meu governo", completou.

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