Vídeo falso faz montagem de Lula declarando voto em Bolsonaro

Peça de desinformação usa imagens de uma entrevista concedida pelo petista a uma rádio de Salvador em 2018

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São Paulo

Vídeo compartilhado no TikTok é uma montagem que combina imagens de uma entrevista concedida pelo ex-presidente Lula (PT) a uma rádio de Salvador com um áudio falso, de origem desconhecida, sugerindo que ele estaria declarando voto e pedindo apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao assistir ao vídeo, é possível perceber uma clara falta de sincronia entre som e imagem, o que denuncia a falsidade do material alvo desta verificação.

O trecho de 31 segundos usado para a montagem e verificado pelo Projeto Comprova tem como base uma transmissão feita nas redes sociais de Lula no dia 6 de março de 2018, quando o político concedeu entrevista ao Jornal da Bahia, da Rádio Metrópole. Ao acessar o vídeo da entrevista na íntegra, com áudio original, é possível identificar o que o político realmente fala, que em nada se assemelha ao que sugere a montagem.

Print de tela de vídeo no Facebook com Lula de camiseta amarela com faixas pretas nas mangas. Ele segura óculos nas mãos. Fundo parede clara
Captura de tela do vídeo original de Lula - Reprodução/Facebook

Na época da entrevista, ano eleitoral, as mesmas imagens foram usadas na produção de peças de desinformação, também com o intuito de sugerir apoio de Lula a Bolsonaro. Elas foram desmentidas pelo próprio PT e por agências de checagem. Em setembro daquele ano, o petista inclusive divulgou uma carta corroborando apoio ao então candidato à presidência da República pelo PT, Fernando Haddad.

A montagem com a mesma dublagem falsa voltou a circular em 2022, cenário em que Lula é candidato à Presidência da República pelo PT em disputa contra Jair Bolsonaro, e um dos principais opositores ao atual presidente.

À reportagem, a assessoria de Lula reafirmou a posição divulgada em 2018, quando o vídeo começou a circular, de que trata-se de uma montagem e de que o petista jamais pediria votos a Jair Bolsonaro.

Em checagens recentes, o Comprova tem se deparado com conteúdos que chegam a usar artifícios como montagens grosseiras, emojis de riso e até mesmo falta de sincronia entre som e imagem —caso desta verificação— para que o vídeo possa ser interpretado como uma sátira. A descrição do perfil do autor do post no TikTok (frases e memes) também contribui para essa interpretação.

Nos comentários, porém, é possível verificar que apenas parte dos usuários entende o conteúdo como uma peça de humor, enquanto outros fazem elogios ao presidente Jair Bolsonaro e ao discurso falsamente atribuído a Lula. Ao apresentar uma declaração inesperada, a publicação ajuda a confundir e desinformar o público.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de julho, a publicação havia sido reproduzida mais de 27 mil vezes, e somava mais de 300 curtidas e 40 comentários.

O que diz o autor

Não foi possível entrar em contato com o perfil do TikTok que fez a publicação, uma vez que a rede social não permite o envio de mensagens entre perfis que não se seguem mutuamente.

Como verificamos

O Comprova iniciou a busca pelas palavras-chave "Lula" e "voto em Bolsonaro" no Google e constatou que o mesmo conteúdo de desinformação apurado nesta checagem já foi analisado em 2018 pelo G1 e também pelo Boatos.org, ambos classificando a publicação como falsa.

As verificações citavam que as imagens eram originalmente de uma entrevista de Lula à Rádio Metrópole, da Bahia, realizada em março de 2018. A partir dessa pista, o Comprova fez nova pesquisa no Google por "Rádio Metrópole Lula março 2018". Ao clicar na aba "Vídeos" da plataforma de busca, foi encontrada a mídia original, divulgada na página oficial de Lula no Facebook.

Para garantir tratar-se do mesmo vídeo, foi feita comparação de vestimenta e enquadramento e, pelos gestos do político, foi possível chegar ao trecho recortado e usado na montagem. A partir daí, foi feita a análise das declarações contidas na entrevista original e no trecho que voltou a viralizar nas redes sociais, em que Lula supostamente declara voto a Bolsonaro.

O Comprova também buscou um posicionamento da assessoria de imprensa do ex-presidente Lula e conversou com o perito forense, professor e especialista em materiais multimídia Mauricio de Cunto, da empresa Fonolab.

Montagem é de 2018

O mesmo conteúdo checado nesta verificação já circulou em 2018. A gravação original é de uma entrevista concedida por Lula ao radialista Mário Kertész, em março daquele ano, à Rádio Metrópole de Salvador.

A íntegra da entrevista, com 43 minutos e 12 segundos, pode ser encontrada no perfil do petista no Facebook, conforme postagem feita em 6 de março de 2018. Na ocasião, Lula fez uma transmissão ao vivo em sua rede social.

Logo no início da entrevista, o petista foi questionado sobre as reais possibilidades de conseguir registrar, à época, sua candidatura à presidência da República junto à Justiça Eleitoral. Em trechos da conversa, o político aponta que seus possíveis adversários na disputa tinham o temor de enfrentá-lo nas urnas, por entender que ele certamente levaria a eleição ao segundo turno, com grande chance de sair vitorioso.

"Eu quero ser candidato porque sou inocente. E espero que a Justiça prove a minha inocência até o dia de registrar minha candidatura", disse Lula, na ocasião. O petista foi detido pela Polícia Federal um mês depois, em 7 de abril de 2018, para cumprir pena relativa ao caso do tríplex do Guarujá. Em janeiro de 2022, no entanto, a Justiça arquivou o processo.

Conforme análise feita pelo Comprova, é possível observar, a partir de leitura labial e gestos corporais, que o trecho usado no conteúdo aqui apurado compreende o período de 36:52 a 37:09 da entrevista. No vídeo original, Lula diz o seguinte: "[…] Que querem morar. Não é possível que as pessoas não se deem conta… E você sabe mais do que eu, eu não estou fazendo promessas. Estou dizendo para você que é plenamente possível a gente fazer esse país voltar a ser feliz, acreditar no Brasil, produzir mais, comer mais, ganhar mais e todo mundo viver feliz."

Na montagem, de 31 segundos, o áudio sobreposto às imagens traz as seguintes afirmações: "Tocar nosso País para frente e, se caso der burrada, amanhã ou depois vai ter eleição novamente. Se Deus quiser, até lá, eu volto, concorro e mostro como é que se faz. Não vamos perder tempo votando em outros candidatos, o nosso candidato tem que ser o Bolsonaro. Jamais imaginava que um dia eu falaria isso, mas não tem outra solução, meus companheiros".

O material foi encaminhado pelo Comprova ao perito forense, professor e especialista em materiais multimídia Mauricio de Cunto, da empresa Fonolab. Com décadas de experiência em análise de conteúdos semelhantes ao aqui verificado, o professor afirma que não há dúvidas sobre a montagem. Ele cita a frase adicionada ao fim do vídeo (Lul4 diz votar em Bolsonaro e seus eleitores) como um exemplo claro de edição e pontua que, quando há uma intervenção óbvia, como é o caso da frase acompanhada de ilustrações infantis, também pode haver inúmeras outras, ainda que mais discretas.

Outros elementos foram elencados pelo especialista como indícios de falsidade do conteúdo. Para ele, a falta de sincronia, a baixa qualidade do áudio, além do tempo curto do vídeo são características típicas de peças de desinformação que circulam na internet.

O vídeo verificado apresenta, ainda, a inserção de duas figuras com o número 22 ao centro, fazendo alusão ao número do Partido Liberal, do qual o presidente Jair Bolsonaro é filiado. As figuras não estão presentes na gravação original.

Quanto à voz usada na montagem, Cunto enumera três possibilidades. A mais provável, para ele: a voz seria de um imitador de Lula. Haveria ainda a possibilidade de a voz ser mesmo do ex-presidente, mas em discurso retirado de contexto ou a partir de uma junção de diversas palavras soltas até formar a frase pretendida. O professor explica que a confirmação da autoria dependeria de análise muito mais aprofundada e extensa, mas que a identificação torna-se dispensável, uma vez que, segundo ele, a montagem é clara e não há sentido algum afirmar que uma declaração como essa tenha partido de um opositor de Bolsonaro.

Em 2018, o PT divulgou uma nota esclarecendo que a peça se tratava de uma montagem feita quatro meses depois da transmissão da entrevista. O partido também afirmou que "os disseminadores da fake news, sabendo que a sincronização áudio/vídeo ficou ridícula, começaram a espalhar também apenas o áudio".

Por fim, reiterou que "Lula jamais pediria voto a Bolsonaro".

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Desta vez, a peça desinformativa trata de um suposto apoio de Lula a Jair Bolsonaro – candidato e pré-candidato à presidência da República, respectivamente, na eleição de outubro deste ano. Conteúdos falsos e enganosos são prejudiciais ao processo democrático porque atingem o direito do eleitor de fazer sua escolha baseada em fatos, não em boatos e desinformação.

O conteúdo alvo desta verificação já havia viralizado em 2018 e, à época, foi classificado como falso em uma apuração do Fato ou Fake do portal G1 e desmentido pelo Boatos.org.

Com a proximidade do processo eleitoral deste ano, cresce o número de conteúdos de desinformação que circulam nas redes sociais, sobretudo envolvendo pré-candidatos à Presidência, como é o caso de Lula. O Comprova já apurou que post mente ao tentar associar Lula e Manuela D’Ávila a facada contra Bolsonaro e que é falso que Lula e presidente eleito da Colômbia queiram obrigar pessoas a dividir casas com outras famílias.

A investigação desse conteúdo foi feita por Grupo Sinos, BandNews e CBN Cuiabá e publicada em 21 de julho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 42 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Metrópoles, piauí, Estadão, CNN Brasil, Correio Braziliense, Plural Curitiba, SBT, SBT News, O Povo, Nexo, O Dia e A Gazeta. 

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