Se em 1977 a "Carta aos Brasileiros" colecionou assinaturas quase que apenas dentro do mundo jurídico e limitadas à casa das centenas, o atual manifesto pela democracia já se encaminha para 1 milhão de signatários das mais diversas áreas da sociedade.
São artistas, atletas, intelectuais, médicos, economistas, ex-ministros, empresários e banqueiros –além de advogados de todas as gerações, que não poderiam faltar num texto a ser lido no dia 11 de agosto na Faculdade de Direito da USP.
A pegada pop e ecumênica foi estratégia deliberada dos articuladores da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito".
Eles procuraram redigir um documento suprapartidário, pensando em somar o máximo de apoio possível. Também buscaram figuras populares, capazes de atrair um público menos antenado com esse tipo de atuação.
Uma das primeiras personalidades a incluir seu nome na carta foi Walter Casagrande Júnior, ex-jogador de futebol e ídolo do Corinthians.
"Sou formado na Democracia Corinthiana. Participei da campanha das Diretas Já. Sempre fui defensor da democracia. Seria um absurdo eu não assinar", afirma Casagrande, que é colunista da Folha.
Em 1984, Casagrande foi ao Anhangabaú, no centro de São Paulo, e subiu no palanque durante ato realizado pelas eleições diretas. "Parecia um mar de pessoas", relembra.
"Tenho quase certeza de que o dia 11 de agosto vai repetir o Anhangabaú. Se não for igual, será muito próximo", diz o ex-jogador, que confirmou presença na leitura da carta na próxima quinta-feira.
Outro ex-jogador que aderiu foi Raí, ídolo do São Paulo. "Assino e apoio a carta contra o absurdo inaceitável que representam as ameaças contra a democracia", diz.
"Apesar das nossas profundas desigualdades sociais, não podemos nem pensar em retroceder. Seria uma catástrofe inimaginável tirar o direito maior de qualquer cidadão", afirma o craque.
Devido a compromissos profissionais, ele estará na França no dia 11, mas diz que acompanhará tudo de lá. "É fundamental e necessário apoiar iniciativas como esta carta. É preciso, mais do que nunca, estar atento e forte", diz Raí.
A lista de signatários famosos tem crescido em parte devido à atuação do 342Artes, coletivo de artistas brasileiros que lutam contra a censura e a difamação. O grupo ajudou na busca de nomes do mundo pop, embora vários tenham chegado à carta por conta própria.
Estão no manifesto gente como o escritor Paulo Coelho, o cineasta José Padilha, que assinou durante entrevista à Folha, e o apresentador Luciano Huck.
Huck encerrou seu programa na TV Globo neste domingo (7) com uma fala sobre o evento programado para quinta e fez um discurso em defesa das liberdades democráticas.
"Eu tenho certeza de que eu, você, as pessoas que estão na plateia, os nossos convidados, a gente não pensa exatamente igual. A gente pensa diferente em muitas questões. E isso é a base da democracia. E a gente avança assim", discursou o apresentador, que cogitou disputar a Presidência em 2022.
Huck afirmou que "pensar diferente não torna ninguém inimigo de ninguém".
"A gente precisa saber ouvir até para discordar. Por isso, numa democracia a gente precisa garantir que todas as vozes sejam ouvidas, que o voto seja respeitado, que o resultado das eleições seja obedecido, como tem sido desde a redemocratização do Brasil. Então, não dá para ficar de boa, fingir que não está acontecendo nada. A democracia depende do empenho e da vigilância constante de todos nós", concluiu.
Também estão na carta atores e atrizes como Adriana Esteves, Bruna Lombardi, Bruno Gagliasso, Camila Pitanga, Edson Celulari, Fernanda Lima, Fernanda Montenegro, Lázaro Ramos, Marcos Palmeira, Miguel Falabella, Patrícia Pillar e Taís Araújo.
A cineasta Daniela Thomas assinou o texto, pretende ir ao ato e assim explica sua decisão: "Um dos maiores danos desse governo nefasto é o corrosivo assalto às instituições da nossa democracia. Essa carta trata de estabelecer essa linha demarcatória: daqui não passarão".
Diretora de filmes como "Terra Estrangeira" (1994) e "Linha de Passe" (2007), ambos em parceria com Walter Salles, ela afirma: "Acredito que é um grito que une gente bem diversa e, esperamos, alerta os fascistas de que irão encontrar resistência para além da oposição que já conhecem".
Quem também quer comparecer é a apresentadora Astrid Fontenelle, que incluiu seu nome no momento em que estavam sendo coletadas as primeiras adesões.
"[Assinar foi uma maneira de] firmar meu compromisso com a democracia conquistada e que em hipótese alguma pode ser colocada em risco."
Embora o manifesto não mencione a gestão de Jair Bolsonaro (PL), a chef Bel Coelho o faz ao justificar sua assinatura: "O Estado democrático de Direito está sendo constantemente ameaçado desde o primeiro dia desse governo".
"A carta surge, unindo finalmente uma frente ampla do campo democrático, em reposta aos ataques frequentes ao sistema eleitoral feitos pelo presidente", diz a chef do Cuia Café.
"Unimos vozes de diferentes áreas com opiniões políticas muitas vezes diversas em defesa da democracia e do direito de voltar a sorrir", afirma Coelho, que pretende ir ao ato no dia 11 de agosto.
Colaborou Renan Marra, de São Paulo.
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