Se Judiciário deu golpe ao soltar Lula, por que não pode dar na urna?, diz Zambelli

Deputada aliada de Bolsonaro diz que o cerco de ministros do STF às falas sobre fraude é que alimentam desconfiança sobre voto eletrônico

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São Paulo

Uma das porta-vozes do discurso contra a urna eletrônica, enquanto parte da campanha de Jair Bolsonaro (PL) tenta fazer com que o presidente ressalte apenas seu pacote econômico, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) afirma que "é o não poder desconfiar que nos leva à desconfiança".

Segundo ela, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) cerceiam o direito de expressar desconfiança nas urnas –as falas sobre fraudes são enquadradas pela corte como fake news, já que não há e nem nunca houve prova.

Zambelli opina que Bolsonaro tem que apresentar ações de governo, mas também "é do jogo ele falar das desconfianças dele".

Carla Zambelli (PL-SP) em manifestação bolsonarista no 1º de Maio de 2022 - Eduardo Knapp/Folhapress

Tida como uma fiel aliada de Bolsonaro, ela se encontrou com o hacker Walter Delgatti, que revelou as mensagens do ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) num processo que culminou com o Supremo declarando sua parcialidade nas ações contra o ex-presidente Lula (PT).

"O maior golpe já aconteceu, que é Lula ser candidato. Se eles deram um golpe desse, descondenando o Lula, por que não pode dar golpe na urna eletrônica?", questiona.

A sra. se elegeu em 2018 com uma campanha baseada na Lava Jato. Agora que Moro não é mais aliado de Bolsonaro, qual vai ser sua plataforma? Minha campanha foi pautada na luta contra a corrupção, que vai além da Lava Jato.

Independentemente de eu não estar mais apoiando Moro ou de o Moro não apoiar mais o presidente, eu continuo lutando contra a corrupção. Minhas pautas continuam as mesmas, mas tem uma nova situação, que eu não divulgava em 2018, que é a lealdade.

Para que a direita de São Paulo tenha uma cadeira no Senado, o ideal era não haver a divisão entre Janaina Paschoal (PRTB) e Marcos Pontes (PL), a quem a sra. apoia. Como vê essa divisão? A Janaina se colocou, e eu tentei aproximá-la do presidente várias vezes.

O presidente abriu as portas para ela, a convidou para um café em Brasília, mas foi no dia em que ele fez aquela cirurgia [em janeiro]. Eu conversei com ele, que me falou que ela poderia vir quando quisesse. Só que ela, infelizmente, oscila muito. O próprio bolsonarista não queria mais votar na Janaina. Essa inconstância dela praticamente obrigou o presidente a pensar em lançar outra pessoa.

O que achou da posse de Alexandre de Morais no TSE? Bolsonaro ficou irritado, desconfortável? Não. Só o fato de ele ter ido já mostra que ele, mais uma vez, está tentando abaixar a temperatura. Esse entendimento entre eles é importante para que a gente possa ter eleições mais tranquilas, para que a gente não tenha contratempos, para que o TSE aceite a colaboração das Forças Armadas.

É importante essa aproximação até para mostrar para o Brasil e para o mundo que o presidente está fazendo de tudo para poder ter uma conversa amigável com todos os ministros do STF e o presidente do TSE.

Estou torcendo para ele [Alexandre], como presidente do TSE, colocar a mão na consciência de que esse excesso de se evitar falar de transparência é que gera desconfiança na população.

Todas as etapas de preparação são abertas pelo TSE para os partidos, especialistas e militares. Isso não é dar transparência? É, mas tem coisas que ainda faltam. Por exemplo, o teste de integridade, feito no dia da eleição, as Forças Armadas solicitaram que seja realizado com biometria, maior número de urnas, durante todo o dia.

Existem ainda informações que não foram liberadas e que a gente enxerga como necessário para ter transparência [o TSE negou acesso a arquivos de 2018 e 2014 argumentando que os militares não possuem poderes de análise fiscalização de eleições passadas].

Existe um impasse na campanha do presidente sobre falar de auxílio e redução de preços de combustíveis em vez de centrar o discurso em ataques aos ministros e às urnas? O presidente foi eleito porque fala de forma bem transparente e clara o que pensa. Ele não fala só o que as pessoas querem escutar. Agora, também acho que ele tem que apresentar as ações do governo. A imprensa, de uma forma geral, não mostra o que o presidente faz.

Mas acho que é do jogo ele falar das desconfianças dele. A gente vive num país democrático suficiente, que nos permitiria falar sobre desconfiança. O que nos gera desconfiança é esse excesso de censura ao se falar de transparência. É o não poder desconfiar que nos leva à desconfiança.

Questionar as urnas é um discurso proveitoso do ponto de vista eleitoral e do ponto de vista do Estado de Direito? O que enfraquece o Estado de Direito é não poder falar o que se pensa. Principalmente porque a gente não está falando contra uma instituição. Em nenhum momento eu falo contra o TSE. Eu tenho um discurso contra um sistema no qual eu não confio porque ele é inteiramente eletrônico.

Não estou preocupada se o discurso que eu faço vai tirar voto meu. O presidente é um cargo majoritário, é diferente. Talvez ele pudesse deixar para que a gente falasse mais até para protegê-lo, mas ele também tem essa convicção de que quando ele desconfia de algo, ele fala.

Mas as urnas não estão ligadas à internet. Eu conversei com muita gente de inteligência artificial. Existem vírus que você pode colocar dentro do código-fonte e fica indetectável [o código pode ser inspecionado pelas entidades, depois disso é lacrado em cerimônia pública, além disso um vírus poderia ser detectado no teste de integridade]. Esse vírus pode beneficiar tanto Bolsonaro, quanto Lula, quanto Ciro [Gomes, PDT]. O que as Forças Armadas estão pedindo não é algo impossível de se fazer.



O presidente acha que existe um complô do Judiciário para prejudicá-lo e beneficiar Lula? Vou falar por mim: me causa muita estranheza o [ministro Edson] Fachin, indicado pela Dilma [Rousseff, PT], descondenar o Lula anos depois. Por que a descondenação não aconteceu em um dos vários habeas corpus anteriores? Só no Brasil mesmo.

A oposição vê uma ameaça de golpe caso Bolsonaro perca. Sabe dizer se vai ter golpe, se ele vai aceitar o resultado? A diferença do que eu estou falando, do golpe dado por parte dos ministros do Supremo para tornar o Lula elegível, é que já aconteceu. O golpe já foi dado. O golpe que você cita é um talvez golpe. Como prever algo que não aconteceu?

sinais de golpe. Acha que é possível ou não? Bolsonaro sempre agiu dentro das linhas da Constituição e vai continuar agindo. Ele já disse várias vezes que o Lula ganhando em eleições transparentes, ele vai entregar a faixa. Eu já escutei isso da boca dele.

A sra. encontrou o hacker da Vaza Jato. O que falaram? Qual vai ser o papel dele na campanha? Ele não tem papel nenhum na campanha. A gente conversou sobre urna, processo eleitoral e possibilidade de fraude em sistemas eletrônicos. Ele é bastante respeitado pela esquerda. É respeitado pelos ministros do Supremo, citado diversas vezes no julgamento que acabou descondenando o Lula. Ele me falou de diversas possibilidades de fraude nesse tipo de sistema.

Devemos preparar documentações sobre o processo eleitoral. O interesse dele não é eleger Bolsonaro. Não ganhou nem pediu dinheiro nenhum. A ideia é a gente conversar e, a depender de como o TSE enfrente essa questão da cooperação das Forças Armadas, eventualmente ele possa vir a somar com informações técnicas. Mas até agora não fizemos nada.

A sra. considera que ele tem conhecimento técnico? Ele clonou aplicativo de mensagem, ele não quebrou sistemas. Ele entrou no telefone do presidente Bolsonaro, de todos os ministros do Supremo. O que ele fez não foi simples, tanto é que ninguém mais conseguiu fazer.

Como foi o encontro dele com Bolsonaro, o que foi falado? Isso eu não posso falar de jeito nenhum. Não foi sobre esse assunto, foi sobre um assunto que a gente não vai falar.

Não foi sobre urna eletrônica? Até conversou sobre isso, mas o assunto principal não foi esse.

O que achou sobre os atos de 11 de agosto pela democracia e o que esperar do 7 de Setembro? Em 11 de agosto apresentaram uma carta com assinatura de algumas pessoas conhecidas e várias pessoas online. O 7 de Setembro vai ter muito mais gente na rua do que as pessoas que assinaram uma cartinha. Todos vão sentir a diferença do apoio que Lula tem e que Bolsonaro tem.

No 7 de Setembro do ano passado, Bolsonaro tensionou a relação com o STF. E neste ano? Se o TSE tiver aceitado as sugestões das Forças Armadas, que são plenamente compatíveis com a realidade e a democracia, vai ser uma manifestação em apoio ao presidente.

Isso não é colocar uma faca no pescoço do TSE, sendo que o próprio TSE disse que várias sugestões das Forças Armadas são procedimentos já adotados? Em todos as cidades onde fui nas últimas semanas existe uma desconfiança sobre o processo eleitoral. Não é o presidente que está falando. As pessoas sentem uma certa desconfiança justamente por essa censura. Não é colocar faca no pescoço. É dizer para os ministros do TSE, que não foram eleitos e estão ali para cumprir a Constituição, que o povo, que tem poder de fato, quer eleições transparentes. Os pedidos das Forças Armadas não são nada absurdos.

O ovo ou a galinha: o povo desconfia porque o presidente fala ou o presidente dá voz a uma desconfiança que já existia? Em 2013 e 2014, eu já falava em voto impresso. Se tem alguém que tem deixado o povo desconfiar é esse tipo de discurso do [ministro Luís Roberto] Barroso: "trabalhei para impedir que o voto em papel acontecesse". Não o presidente, que só tem ecoado o que o povo pensa.

Mas por que essa desconfiança sendo que as urnas elegem Bolsonaro deputado desde 1998? Eu não desconfio de fraude para deputado federal ou senador, mas para cargos majoritários. Em 2018, ele ganhou? Ganhou no segundo turno, mas pode ser que tenha ganhado no primeiro. E não tem auditoria [Há diversas fases de fiscalização antes e durante a eleição, após o pleito partidos podem solicitar arquivos da Justiça Eleitoral para auditoria]. Existe uma série de coisas que faz a gente pensar que a fraude possa acontecer.

O principal motivo de a gente desconfiar de fraude agora é que eles soltaram o Lula, que é um bandido condenado em três instâncias porque disseram que ele não podia ser condenado em Curitiba. O maior golpe já aconteceu, que é Lula ser candidato. Se eles deram um golpe desse, descondenando o Lula, por que não pode dar golpe na urna eletrônica?

Você vai botar isso na matéria, e o TSE vai vir atrás de mim dizendo que eu não podia ter falado sobre fraude. Não posso nem desconfiar.

É um debate interditado pelos ministros, um cerceamento à liberdade de expressão? Completamente censurado. Pode escrever isso na matéria: meu receio de dar uma entrevista sobre isso é amanhã o Alexandre de Moraes ou outro ministro me dizer que estou com registro cassado porque levantei suspeitas sobre o processo eleitoral.

Colaborou Renata Galf, de São Paulo


RAIO-X

Carla Zambelli, 42
Ativista fundadora do grupo Nas Ruas, ganhou notoriedade nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT). Foi eleita deputada federal em 2018 pelo PSL com mais de 76 mil votos e exerce seu primeiro mandato. Agora no PL, busca a reeleição. É gerente de projetos, formada em planejamento estratégico empresarial na Universidade Nove de Julho

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