Bolsonaro promove inédita fusão de ato eleitoral e celebração cívico-militar

Presidente retoma retórica de ruptura de olho em demonstração de força para o horário eleitoral

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São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) promove nesta quarta uma inédita fusão de ato de campanha eleitoral e celebração cívico-militar do 7 de Setembro, turbinado por ocasião do Bicentenário da Independência.

Além do evento em Brasília, de natureza mais institucional, o presidente forçou a realização de um ato na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, em que irá se apresentar à frente de navios da Marinha em parada, militares do Exército e aviadores da Esquadrilha da Fumaça.

Outdoor em apoio à manifestação bolsonarista no 7 de Setembro, próximo a Brasília
Outdoor em apoio à manifestação bolsonarista no 7 de Setembro, próximo a Brasília - Gabriela Biló - 30.ago.22/Folhapress

Trata-se da culminação da nova etapa da disputa institucional entre Bolsonaro e outros Poderes, que começou nos embates sobre o manejo da pandemia e é focada agora no presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, e outros ministros do Supremo. O presidente sustenta suas críticas ao sistema de urnas eletrônicas, apesar de já ter sido desautorizado tecnicamente e politicamente.

Ainda assim, terá à sua frente palco para repetir suas mentiras. Tal postura já ensejou temor de um desejo de golpe clássico, com apoio militar, visto como opção remota até por falta de condições objetivas.

Mas uma confusão ao estilo 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos não está fora do radar, até porque o Distrito Federal é um dos pontos nevrálgicos da Federação em termos de apoio a teses bolsonaristas, como aponta estudo sigiloso conduzido por um grande banco, ao qual a Folha teve acesso.

Como pano de fundo, o segundo lugar nas pesquisas, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A seguir, um compêndio do que está em jogo.

O que o presidente fará neste 7/9? Além de um evento em Brasília, Bolsonaro irá ao Rio, onde comandará um ato que funde a celebração do Bicentenário da Independência com sua agenda eleitoral e golpista. Ele mandou as Forças Armadas cancelarem o desfile no centro da cidade e supervisionará uma parada naval que já estava prevista e apresentações da Esquadrilha da Fumaça e de paraquedistas do Exército.

Isso é inédito? Por que acontece agora? Sim, nunca houve tal confluência. Bolsonaro, depois de um recuo tático no ano passado, retomou seu discurso golpista contra o sistema eleitoral, colocando as urnas sob suspeita. Isso ocorre em um momento em que ele se mantém na segunda posição da disputa pelo Planalto, atrás de Lula em todos os levantamentos sérios, a começar pelo do Datafolha.

Então ele quer parecer forte? Sim, Bolsonaro busca uma imagem de apoio popular para vender em seu horário eleitoral gratuito. De quebra, tenta intimidar quem crê que ele pode tentar alguma aventura autoritária ao sugerir que os militares o apoiam no golpismo.

Mas os militares o apoiam? Entre os 16 generais do Alto-Comando do Exército, dois ou três foram ambíguos acerca do discurso de Bolsonaro contra o sistema de votação eletrônico, e o restante não deixou margem em conversas para a ideia de uma ruptura. O mesmo se vê nas outras Forças. Em 1964, havia apoio majoritário do empresariado, da mídia e dos EUA à mudança de governo pelos fardados.

Agora é diferente? Sim, agora banqueiros e empresários se uniram à sociedade civil em manifestos democráticos, a mídia se expressou contra o autoritarismo e os EUA defenderam o sistema eleitoral.

Como o presidente poderia querer dar um golpe, então? Ele sugere que gostaria de dar um, insuflando apoiadores contra aqueles que percebe como rivais, no caso ministros do STF como Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O modelo mais óbvio é o 6 de Janeiro, em que seu ídolo Donald Trump estimulou uma turba a invadir o Capitólio dos EUA, que confirmava a vitória de Joe Biden na eleição.

Como isso pode acontecer no Brasil? A hipótese mais pessimista é a de uma confusão em Brasília, apoiada, por exemplo, por caminhoneiros de setores aliados ao bolsonarismo, com cerco a prédios públicos como o do Supremo. Isso se insinuou no 7 de Setembro do ano passado, assustando de fato as instituições, e já houve um incidente semelhante agora. Se o governo local não conseguir ou não quiser controlar os bolsonaristas, e a atual gestão é alinhada ao Planalto, teria de chamar as Forças Armadas.

A opção é isso ser feito pelo chefe do Legislativo ou do Judiciário. Mas aí vem o impasse: eles teriam de fazer o pedido a Bolsonaro. Se ele se recusasse a aceitá-lo, há um entendimento no STF de que a corte poderia assumir a rédea do processo, na prática destituindo o presidente de sua função. Seria caótico.

Mas aí os militares não apoiariam Bolsonaro? Em toda conversa com o alto oficialato o discurso é o mesmo: ninguém gosta muito de Lula, alguns gostam do presidente, mas ninguém aderiria a uma ruptura.

Essa crença foi abalada nas duas últimas gestões do Ministério da Defesa, bolsonaristas na prática: o atual titular da pasta estava na linha de frente dos questionamentos às urnas eletrônicas, seu antecessor virou o vice na chapa de Bolsonaro. Generais dizem, contudo, que numa crise ficariam com a Constituição —restando saber se seria a interpretação da Carta pelo STF, objeto constante de críticas na cúpula militar.

Como pesa a decisão de Fachin de restringir a flexibilização de armas alegando risco de violência eleitoral? O ato foi malvisto por militares, que leem nele uma interferência indevida por parte do ministro num assunto do Executivo. Bolsonaristas viram uma provocação clara para testar até onde o presidente irá na retórica, talvez sob risco de infringir alguma lei, ordinária ou eleitoral. Em resumo, adicionou pimenta ao caldo que já estava ardido com as decisões de Moraes contra empresários que apoiam o presidente.

E outros atores políticos, como se portam? O grosso do establishment já se posicionou em favor das urnas. Levantamento sigiloso feito por um grande banco privado em agosto conversou e mapeou 168 atores estaduais, como governadores e comandantes de Polícias Militares, para avaliar o risco de ruptura.

No geral, é bastante baixo, mas alguns estados merecem atenção especial, como aqueles vistos como os mais bolsonaristas institucionalmente: Rondônia, Minas Gerais e Espírito Santo. Nesse ranking, o estado de maior densidade política, São Paulo, está apenas em décimo lugar, numa classificação de risco baixa.

Mas e o centrão? Ele apoia Bolsonaro. Sim, mas não é algo incondicional, tanto que são membros do grupo os primeiros a repetir a história de que "vamos controlar o presidente". Não interessa aos próceres do centrão uma implosão institucional, algo que colocaria em jogo seus próprios mandatos e esquema de poder pactuado com Bolsonaro —todos, inclusive Lula, acreditam em acordo se o petista for eleito.

O que esperar do 7 de Setembro? Em princípio, Bolsonaro tentará auferir a cristalização do apoio que já tem, 32% do eleitorado, segundo a mais recente pesquisa Datafolha. Parece improvável que ele vá ampliar sua vantagem ou roubar votos de outros candidatos ao exibir as imagens do desfile, mas é o que pode fazer neste momento. Ao mesmo tempo, se engrossar a retórica golpista, poderá também consolidar a alta rejeição contra si, de 52%, considerada um dos obstáculos mais complexos para uma eventual virada.

Pode haver violência? Em Brasília, o STF aprendeu a lição de 2018 e já reforçou sua segurança para evitar surpresas. Em São Paulo, onde a organização conta com grupos extremistas, monitoramento de redes sociais não identificou um discurso unificado. Pode haver conflito, claro, caso surjam manifestantes contrários aos direitistas, mas os movimentos sociais associados ao petismo já marcaram um ato próprio para o sábado (10), justamente para tentar evitar embates e comparações com o ato bolsonarista. O mesmo cenário pode ser pintado para o Rio, mas ali a forte presença militar poderá coibir crises.

E os empresários que ainda organizam e ajudam esses grupos? Nos últimos anos, o inquérito das fake news instaurado por Moraes trabalhou para desarticular redes bolsonaristas extremistas que, acredita a PF, só viviam porque eram financiadas de forma direta ou indireta. Objeto de críticas por decisões polêmicas de Moraes, a ação até aqui parece ter reduzido o escopo dos grupos mais radicais, ideia que resiste à primeira ação de uma única pessoa que seja. Sem comparar motivações políticas, é o que demonstra a tentativa de assassinato da vice-presidente Cristina Kirchner na Argentina.

Além da foto, caso não haja um fracasso de público, o que ganha Bolsonaro? A ideia de que o apoio eleitoral e à sua campanha golpista são do mesmo tamanho, o que não é a verdade. Caso perca a eleição, Bolsonaro certamente contestará o resultado, como já deixou claro a embaixadores, mas o desenho político atual não permite a ele contar com apoios decisivos para além da retórica.

Ele sempre pode, como Jânio Quadros fez, em 1961, radicalizar —sob o risco de acabar como o antecessor, que renunciou na esperança de um autogolpe só para ver todos virarem as costas a ele.

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