Descrição de chapéu Eleições 2022

Candidatos da Universal omitem Bolsonaro enquanto igreja reforça apoio

Santinhos de nomes ligados à igreja foram impressos com cargos de senador, governador e presidente em branco

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São Paulo e Brasília

A ideia de que a Igreja Universal do Reino de Deus possa sentir o gosto inédito do que é estar na oposição a um presidente parece estranha para quem conhece sua trajetória. Caso Jair Bolsonaro (PL) não consiga se reeleger, em tese é o que aconteceria com o império religioso do bispo Edir Macedo.

A igreja vem emitindo fortes sinais de que está inflexível em sua aversão ao PT, partido que já demonizou e endossou no passado, ao sabor dos ventos eleitorais. Ao mesmo tempo, há nas coxias políticas certo ceticismo sobre se a Universal realmente vai bater de frente com um eventual governo petista.

Santinhos de candidatos ligados à igreja corroboram essa desconfiança. Ao menos parte do material de campanha de quadros importantes da Universal, como a deputada estadual Edna Macedo e o deputado federal Marcos Pereira, foi impressa deixando em branco os cargos de senador, governador e presidente.

Ela é irmã de Edir Macedo, e ele, presidente do partido de ambos, o Republicanos, costela da igreja.

Santinhos do deputado Marcos Pereira e da deputada estadual Edna Macedo, ambos da Igreja Universal - Arquivo pessoal

É comum que esse tipo de propaganda forneça uma "colinha" ao eleitor: na frente, o candidato a parlamentar, e, no verso, os números de aliados. Outros candidatos da igreja também omitiram Bolsonaro, como Gilberto Abramo, bispo da Universal em Minas que busca uma vaga na Câmara.

Em seu perfil no Instagram, Edna promoveu sua campanha destacando ela mesma, Pereira e Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro que concorre ao Governo de São Paulo pelo Republicanos. Já Pereira usou a rede para compartilhar uma imagem com o presidente pela última vez há dois meses.

Procurado, Pereira não quis comentar. Antes de ser confrontado sobre os santinhos, havia encaminhado por WhatsApp postagens definindo como fake news qualquer abalo na relação da igreja com Bolsonaro.

A ausência do nome do presidente nos panfletos eleitorais, contudo, foi lida como um indício de que parte da denominação está reticente no apoio incondicional a ele. Afinal, o Republicanos integra a coligação do candidato à reeleição. Se Bolsonaro afundar, valeria partir para o abraço dos afogados?

Ao mesmo tempo, em várias outras instâncias a Universal dobra a aposta no bolsonarismo.

Em editorial publicado no domingo (18), a Folha Universal, jornal distribuído na porta dos templos, afirma que a esquerda pode "chorar copiosamente" à vontade: as "manifestações cívicas" galvanizadas pelo presidente no 7 de Setembro deixaram claro que "o líder supremo da esquerda no Brasil não terá vida fácil".

O jornalista Gilberto Nascimento, autor de "O Reino - A História de Edir Macedo e uma Biografia da Igreja Universal", foi quem passou à Folha os santinhos sem indicação de voto para chefe do Executivo.

Ele enfureceu a igreja na semana passada, ao publicar extensa reportagem no site The Intercept Brasil sobre a possibilidade de Edir Macedo desembarcar da candidatura bolsonarista.

A reação foi fulminante. A Universal logo repeliu a hipótese e acusou o repórter de ter criado "a fantasia de que a igreja pretende apoiar" Lula. Chamou os rumores "mentirosos" e os associou "a uma tentativa do PT de confundir os evangélicos, que já acordaram para o fato de que é impossível ser cristão e de esquerda".

Nascimento, que investiga a Universal há décadas, aponta uma divisão interna. "Quem manda hoje é o Macedo, mas o bispo está menos presente do que sempre foi. Já vem entregando a igreja na mão do Renato", diz. Renato, no caso, é o bispo Renato Cardoso, casado com a primogênita do fundador.

Bispos mais antigos na hierarquia da Universal, contudo, seriam menos entusiastas da defesa intransigente de Bolsonaro, algo que o provável sucessor de Macedo abraça.

Na visão dessa velha guarda, Renato seria menos hábil politicamente, segundo Nascimento. Mas ele, reforça o autor, não faria nada sem aval do líder da igreja. "Só que o próprio Macedo não atacaria Lula com virulência."

Nascimento não descarta que a Universal leve seu apoio a Bolsonaro às últimas consequências e, caso o presidente não vença, fique distante do poder pela primeira vez.

A igreja-farol do neopentecostalismo brasileiro ladeou com todos os governos desde que chamou Lula de demônio ao fazer campanha para Fernando Collor em 1989. Também se aproximou de Lula quando a hora dele na Presidência chegou.

A relação entre o petista e o bispo teve altos e baixos. Ao contrário da maioria dos pares políticos, Lula fez um desagravo público quando Macedo foi preso em 1992, acusado de práticas como charlatanismo. "Se não tomarmos cuidado, daqui a pouco a polícia está na sua casa, prendendo sem critério", disse à época.

Nem por isso a Universal deixou de bater nele. Em 1994, Lula sofreu vários ataques do jornal da igreja. Numa edição, aparecia em foto com a bandeira nacional. A manchete: "Sem ordem e sem progresso".

Os dois fizeram as pazes quando o PT entrou no Palácio do Planalto. O então vice de Lula, José Alencar, era do PL, partido que concentrava nomes da Universal, e depois migrou para o PRB (atual Republicanos), arquitetado pela igreja em 2003. Em 2018, Macedo a princípio respaldou Geraldo Alckmin. A adesão ao bolsonarismo aconteceu de última hora, quando estava claro que o então tucano não tinha chances.

A pecha do fisiologismo acompanha há décadas não só a Universal, mas outras igrejas evangélicas de grande porte. Em geral, esses pastores estão onde o poder está.

Não à toa vários deles que criticaram Lula por anos tiveram, quando ele virou presidente, uma aparente revelação de que ele não era de todo ruim. A rapidez com que muitos subiram em seu palanque foi a mesma com que o abandonaram.

A dúvida que se impõe, agora, é se a ruptura entre PT e essa elite pastoral foi violenta demais em 2018, a ponto de não haver clima para reconciliação. Os anos de distanciamento coincidem com o fortalecimento de pautas identitárias, como as feministas e LGBTQIA+, agenda indigesta para muitas igrejas.

O bispo Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas, braço da Universal, defende a participação evangélica na política. "Durante muito tempo havia a ideia de que o cristão não deveria se envolver. Contudo, sabemos que as decisões políticas influenciam diretamente a vida de toda a população", afirma à Folha.

Bravo recomenda que o segmento escolha candidatos preocupados com "as pautas conservadoras e a família tradicional" e finaliza dizendo que, "no cenário atual de polarização política, atualmente a direita é representada por Bolsonaro".

Na sexta (16), o próprio Macedo respondeu numa rede social a um seguidor que questionou quem ele preferia ver na Presidência. "Eu continuo com o Bolsonaro e o Tarcísio", disse.

Até quando é a pergunta que alguns líderes da própria igreja se fazem.

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