Saiba como proteger a saúde mental na reta final das eleições

Processo de autoanálise ajuda a identificar sintomas e necessidade de acompanhamento profissional

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São Paulo

O primeiro passo para preservar a saúde mental na reta final das eleições –em que a tensão política atravessa as relações pessoais– é identificar os fatores que provocam estresse e sofrimento.

Especialistas ouvidos pela Folha relatam casos de pacientes com diferentes sintomas associados ao clima de violência eleitoral, de insônia a crises de ansiedade. Tais condições podem ser alertas para outros problemas de saúde, por isso não devem ser negligenciados.

A autoanálise pode apontar os gatilhos, ajudando a pessoa a alterar rotinas que geram emoções negativas, como a checagem constante das redes sociais. Os profissionais dizem que um risco recorrente de desconforto emocional é cair ou fazer provocações que levam a discussões estéreis.

Entenda como se proteger nesse período:

2 luvas de boxe opostas com uma estrela amarela no meio representando uma 'batida", uma na cor azul com estrelinhas verdes e outra vermelha com estrelinhas brancas. no meio uma bandeir branca com desenho de emoji com carinha feliz
Como evitar embates políticos e proteger a saúde mental - Silvis

De que forma a política interfere nas relações pessoais?

As redes sociais passaram a servir de arena para conflitos entre conhecidos, amigos e familiares, em um contexto de radicalização política que cresce no país desde os protestos de 2013, diz o professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) Cláudio Penteado.

O cientista social afirma que, no ambiente virtual, conteúdos relacionados a afetos negativos são privilegiados pelos algoritmos das plataformas por gerarem maior engajamento.

Esse processo passou a ser chamado de forma equivocada de polarização, uma característica comum do sistema político, na visão do professor, que coordena o observatório de conflitos na internet e integra o Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP.

"As disputas polarizadas fazem parte, mas antes elas não levavam ao radicalismo que vivenciamos agora’’, diz. Penteado questiona a negação do direito legítimo do outro de defender posições ideológicas.

Ele cita como marco o pleito de 2014, no qual Dilma Rousseff (PT) foi reeleita presidente, em um resultado contestado na Justiça Eleitoral pelo PSDB de Aécio Neves, rival na disputa.

Qual é a relação entre ideologia e saúde mental?

Um dos autores do livro Psicologia dos Extremismos Políticos (Editora Vozes), o psicólogo e professor a UFG (Universidade Federal de Goiás) Domênico Hur afirma que o extremismo é o fator determinante para o sofrimento político.

"As pessoas precisam identificar ansiedades e angústias que vêm do próprio sistema social. Outro aspecto é perceber que há uma correlação direta entre o alto grau de ansiedade e o desejo de ter certezas fixas", diz.

O passo seguinte é observar os malefícios causados por essas crenças absolutas, especialmente na convivência com aqueles que manifestam opiniões contrárias, acrescenta.

"Temos que parar, respirar fundo e mudar a conduta. Se a gente fica muito ansioso, quer respostas para tudo e briga com as pessoas, isso mostra que o marketing político deu certo e nos fez vestir a camiseta do candidato".

Não é possível afirmar que uma pessoa é irracional só por se identificar com a extrema-direita ou qualquer outro grupo, diz Hur.

"Independentemente do conteúdo das crenças, há uma conduta extremista que transcende a questão ideológica".

Como a saúde mental dos brasileiros foi afetada nessas eleições?

Os especialistas avaliam que a divisão vista em 2018 –quando política virou tema de consultas– se intensificou para muitos brasileiros neste pleito. O cenário de sofrimento se repete em diferentes estados. Eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) se sentem ameaçados diante da chance de vitória do rival.

Uma das diferenças observadas nessas eleições é o silenciamento entre familiares e amigos sobre política. Psicólogos relatam que o estresse vivenciado em 2018 e as perdas durante a pandemia fizeram muitos eleitores repensarem as brigas políticas.

Para outra parcela do eleitorado, o pleito tem servido como gatilho para emoções negativas. Os sintomas associados à ansiedade e depressão são os mais frequentes.

Como identificar se a sua saúde mental foi afetada pelo cenário político?

Insônia, dores no corpo e irritabilidade são sintomas comuns apontados por especialistas em saúde mental.

A psicóloga clínica Tânia Fagundes, doutoranda do Laboratório Integrado de Pesquisa em Estresse do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, afirma que é importante observar quando o sofrimento começou e o quanto ele tem impactado a rotina.

É preciso considerar ainda que minorias sociais já têm a saúde mental mais afetada –seja pelo preconceito, seja por condições de vida. O histórico clínico também precisa ser observado, diz.

"Se a pessoa já tiver uma tendência, a ansiedade pode se manifestar na forma de preocupações e tensões no corpo, mas também como sintomas físicos".

Sentir o coração acelerado ou dificuldade para respirar são sinais comuns. "A pessoa pode até achar que está tendo um ataque cardíaco."

O professor Wanderley Codo, do Departamento de Psicologia Social do Trabalho da UnB (Universidade de Brasília), diz que os sinais de impacto da tensão política na saúde mental estão nos detalhes.

"Se alguém na sua casa mudou a xícara de lugar e isso te provocou ansiedade, tem alguma coisa acontecendo com você", exemplifica.

A recomendação é buscar o diagnóstico e entender se os sintomas estão relacionados à saúde mental ou a outros quadros, como problemas cardíacos.

"Às vezes, são as duas coisas. A pessoa vai precisar de acompanhamento com o médico clínico, psiquiatra, caso precise tomar medicação, e com psicólogo", diz Fagundes (UFRJ).

Ela afirma que os profissionais da saúde devem considerar as queixas dos pacientes relacionadas à política. Diante dessas questões, é recomendável que o profissional e o paciente analisem de forma realista o que pode ser mudado.

Quais práticas de autocuidado contribuem para preservar a saúde mental?

Como divergências e conflitos são inevitáveis, os profissionais recomendam algumas práticas para lidar com o ambiente de tensão constante. Uma delas é reconhecer os próprios limites, diz o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP.

"Conheça seus pontos fracos. Conheça, vamos dizer assim, aquele ponto em que você vai perder a cabeça, vai falar uma bobagem", afirma. O importante é tentar proteger essa fragilidade e, diante de uma ofensa, não responder.

É aconselhável avaliar quais conversas valem a pena e valorizar o apoio afetivo, acrescenta Fagundes (UFRJ). Práticas de higiene do sono, como se desconectar das redes sociais de uma a duas horas antes de dormir, deixar a luz baixa e consumir conteúdos mais leves, também ajudam.

Mesmo durante o dia o tempo de exposição às redes sociais deve ser reduzido, afirma Cláudio Penteado (UFABC). Em relação à convivência, ele recomenda buscar ouvir o outro lado e respeitar as diferenças.

"É preciso entender que o conflito faz parte do convívio social. Uma sociedade sem conflitos é uma sociedade autoritária", afirma.

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