Dentro da proposta de fiscalizar o processo eleitoral, técnicos das Forças Armadas decidiram investir em um projeto para conferir em tempo real a totalização dos votos feita pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A medida, inédita na história democrática brasileira, consiste em levar militares em seções eleitorais espalhadas pelo país para tirar e enviar fotos do QR Code dos boletins de urna para o Comando de Defesa Cibernética do Exército, em Brasília, que fará um trabalho paralelo de contagem dos votos.
Militares com conhecimento do assunto disseram à Folha que, a princípio, a conferência será feita com 385 boletins de urna —amostragem que, pelas contas dos técnicos, garantiria 95% de confiabilidade.
O resultado dos boletins de cada urna será conferido com os dados da totalização feita pelo TSE.
Segundo dois militares e um integrante do tribunal que acompanham o assunto, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, fechou um acordo com o ministro da Defesa em reunião no dia 31 de agosto para liberar às entidades fiscalizadoras os arquivos compilados da totalização, que ficam disponíveis na internet.
Em nota, o tribunal disse que não houve qualquer acordo para "permitir acesso diferenciado em tempo real aos dados enviados para a totalização".
Em nota, a Defesa disse que não pediu acesso "diferenciado" aos dados.
"O Ministério da Defesa e as Forças Armadas não demandam exclusividade e tampouco protagonismo em nenhuma etapa ou procedimento da fiscalização do sistema eletrônico de votação e permanecerão pautando a sua atuação pela estrita observância da legalidade, pela realização de um trabalho técnico e pela colaboração com o TSE", afirmou a Defesa.
Os militares queriam ter acesso em tempo real aos dados sobre a totalização do TSE, em vez de ter de coletar as informações na base de dados disponibilizada no site do tribunal.
A conferência da totalização dos votos é uma das fases da fiscalização do processo eleitoral definidas pelo TSE. Em resolução, a corte permite o envio das imagens dos boletins de urnas após a conclusão da totalização dos votos.
Para evitar a demora e fazer o trabalho em tempo real, militares que estarão a serviço em operações de garantia de votação e apuração devem ser escalados para tirar as fotos dos boletins de urna e enviar para os técnicos das Forças Armadas.
A expectativa de militares ouvidos pela Folha é que, na mesma noite em que o resultado for proclamado, já haja também uma conclusão da análise das Forças Armadas.
A participação dos militares na fiscalização do processo eleitoral tem sido usada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para disseminar desconfiança nas urnas eletrônicas e contestar o resultado do pleito.
O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, mantém diálogo com o presidente para repassar as avaliações das Forças Armadas sobre o processo eleitoral.
Em entrevista à Jovem Pan na terça-feira (6), o presidente disse que Paulo Sérgio comentou o acordo com Alexandre de Moraes, no TSE, para viabilizar um projeto-piloto para a mudança no teste de integridade das urnas, como sugeriram as Forças Armadas.
Bolsonaro, no entanto, reforçou as críticas ao sistema eletrônico de votação.
"O último contato com o ministro da Defesa, junto com o ministro Alexandre de Moraes, o que me foi reportado é que com as sugestões das Forças Armadas, caso acolhidas, se reduz a próximo de zero a possibilidade de fraude. Próximo de zero não é zero. O que nós queremos não são eleições limpas?", disse o presidente.
"Esse clima de animosidade poderia ter sido resolvido há muito tempo, se o ministro [Luís Roberto] Barroso, [ex-presidente do TSE,] não fosse para dentro da Câmara dos Deputados interferir diretamente numa Proposta de Emenda à Constituição que estava sendo votada e falava do voto impresso", completou.
Além da conferência da totalização dos votos, as Forças Armadas têm outros dois focos na fiscalização do pleito.
O primeiro é acompanhar as discussões no TSE sobre a sugestão de se alterar o teste de integridade. Em aceno na última reunião com o ministro Paulo Sérgio, Alexandre de Moraes indicou a possibilidade de acolher a proposta dos militares.
A mudança consiste em realizar o teste de integridade, que confirma se as urnas anotam corretamente os votos, dentro das seções eleitorais. Os equipamentos serão desbloqueados pela biometria de eleitores para, segundo os militares, reduzir a chance de um código malicioso alterar votos.
A Folha apurou com militares e membros da área técnica do tribunal que o teste no novo modelo deve ser realizado em uma urna por capital. O número agrada os técnicos das Forças Armadas, considerando a dificuldade logística e o curto prazo para a alteração.
O segundo foco é conferir se os sistemas inseridos nas urnas eletrônicas nos estados são os mesmos lacrados e assinados pelas entidades fiscalizadoras no início do mês.
Por duas semanas, 18 técnicos das Forças Armadas analisaram partes do código-fonte das urnas e fizeram anotações, com caneta e papel, sobre quatro sistemas utilizados nas eleições.
Agora, os militares se preparam para viajar a alguns estados e analisar os códigos inseridos nas urnas eletrônicas. Não há definição de quantas urnas serão verificadas pelas Forças Armadas.
A análise ocorre a despeito de o TSE já prever medidas de segurança contra mudanças nos sistemas do processo eleitoral. Segundo o tribunal, qualquer alteração feita no código após a lacração trava as urnas eletrônicas e impede os registros dos votos.
As medidas para fiscalização do processo eleitoral ocorrem em meio ao armistício entre o ministro da Defesa e Moraes.
A relação dos militares com o antecessor de Moraes, Edson Fachin, estava estremecida. Enquanto o ministro da Defesa tentava viabilizar uma reunião entre técnicos das Forças Armadas e do TSE, Fachin evitava encontros fora da CTE (Comissão de Transparência Eleitoral), sob o argumento de não privilegiar nenhuma entidade fiscalizadora em detrimento das outras.
Com Moraes, no entanto, a situação mudou. O presidente da corte recebeu Paulo Sérgio duas vezes; na segunda, no fim de agosto, promoveu o encontro entre os técnicos, solicitado pelo Ministério da Defesa.
Havia temor por parte de generais consultados pela Folha de que Bolsonaro usasse os palanques do 7 de Setembro para renovar os ataques às urnas eletrônicas e Moraes, um dos principais desafetos do mandatário.
Na prática, os militares acreditavam em uma possível quebra do armistício, com Moraes recuando do acordo para implementar o novo teste de integridade ainda no primeiro turno.
Após as manifestações no Bicentenário da Independência, a avaliação dos militares é que Bolsonaro conseguiu conter os ataques e evitou prejuízos ao trabalho de aproximação entre o Ministério da Defesa e o TSE.
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