Material que originou fake news sobre 'kit gay' apareceu em 2010; entenda

Diferentes conteúdos foram atribuídos ao conjunto didático, que nunca chegou às escolas

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São Paulo

As fake news em torno do chamado "kit gay", que marcaram a eleição presidencial de 2018, tiveram origem em um material de combate à homofobia que veio a público em 2010, quando ainda estava sob análise no Ministério da Educação (MEC).

O tema foi explorado desde o início por Jair Bolsonaro (PL), seja em seus mandatos na Câmara dos Deputados, seja em suas campanhas eleitorais. Serviu também de munição contra o PT e Fernando Haddad, titular do MEC à época da análise do material, em todos os pleitos desde então.

Cena de mão segurando celular, de vídeo de material contra homofobia que passou a ser chamado de "kit gay"
Cena de vídeo de material contra homofobia que passou a ser chamado de "kit gay" - Reprodução

Ao longo do tempo, diferentes materiais foram chamados pejorativamente de "kit gay" por Bolsonaro e representantes da bancada evangélica da Câmara dos Deputados.

O original, de 2010, integrava o programa Escola Sem Homofobia, do MEC. Ele tinha o objetivo de, por meio de conteúdos sobre sexualidade, combater o preconceito na educação.

Os conteúdos tinham sido produzidos após cobrança do Ministério Público Federal e foram bancados por emenda parlamentar da Comissão de Participação Legislativa da Câmara.

A elaboração ficou a cargo de cinco ONGs identificadas com a temática, contratadas mediante convênio com o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), ligado ao MEC. O material incluía um caderno direcionado aos gestores, boletins destinados aos estudantes, vídeos e um cartaz.

A controvérsia surgiu quando os vídeos que compunham o conjunto vieram a público antes de serem avaliados internamente pelo MEC e por uma comissão de especialistas que seria consultada. Só depois dessas etapas é que seriam distribuídos a escolas de ensino médio —o que não ocorreu.

Transcrição da Câmara mostra que, já em novembro de 2010, Bolsonaro falou do material, apresentado por representantes das ONGs e do MEC em sessão conjunta das comissões de Legislação Participativa, Educação e Direitos Humanos.

"Não me agrada falar em homossexual. Realmente assumo o que disse na TV Câmara: se um garoto tem desvio de conduta logo jovem, ele deve ser redirecionado para o caminho certo, nem que seja com umas palmadas", afirmou o então deputado federal.

Nos meses seguintes, as discussões em torno do material de combate à homofobia continuaram e acabaram por se cruzar com uma das primeiras crises do governo Dilma Rousseff (PT), a revelação dos negócios milionários da consultoria do então ministro da Casa Civil Antonio Palocci.

Sob ameaça da bancada evangélica de convocar o ministro a se explicar na Câmara, Dilma suspendeu a divulgação do kit contra a homofobia com frase que motivou uma série de críticas do movimento LGBTQIA+.

"O governo defende a educação e também a luta contra práticas homofóbicas. No entanto, não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais", afirmou a petista.

Dilma não especificou a que se referia. À época, circulou que a presidente teria ficado descontente com um dos vídeos, em que o narrador falava de um aluno bissexual que teria tido um "estalo" numa aula.

"Gostando dos dois [garotos e garotas], a probabilidade de encontrar alguém por quem sentisse atração era quase 50% maior. Tinha duas vezes mais chance de encontrar alguém", afirmava o locutor, antes de falar do preconceito que o personagem enfrentaria. Os demais filmes contavam histórias de personagens LGBTQIA+, sem afirmações específicas que tenham sido alvo de fortes críticas.

Na mesma época, outros materiais circularam pela Câmara e foram atribuídos equivocadamente ao Ministério da Educação, inclusive um elaborado pelo Ministério da Saúde e voltado à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis em caminhoneiros, com linguagem mais explícita.

Na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro ressuscitou o tema e atribuiu, em entrevista ao Jornal Nacional, um terceiro material ao chamado "kit gay": o livro infantojuvenil "Aparelho Sexual e Cia.".

A obra, dividida em seis capítulos, é um guia que utiliza toques de humor e linguagem de histórias em quadrinhos para falar sobre sexualidade, amor e relacionamento para o público infantojuvenil.

A Fundação Biblioteca Nacional, ligada ao Ministério da Cultura, comprou, em 2011, 28 exemplares do título, que foram distribuídos em bibliotecas públicas —não nas escolas.

Apesar dos desmentidos, o tema da sexualidade marcou a disputa eleitoral de 2018, a ponto de a fake news mais célebre do período ser a da chamada "mamadeira de piroca": a falsa acusação de que Haddad distribuía mamadeiras com bico em formato de pênis em creches.

Como mostrou a Folha, perfis que estiveram na raiz da viralização do vídeo com o conteúdo seguiram propagando afirmações falsas contra o PT quatro anos depois.

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