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Angela Alonso

Disputa em 2º turno mostra que bolsonarismo veio para ficar

Presidente deixará um espólio de destruição duradouro, mesmo que perca eleição

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Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

O ressentimento venceu a esperança, ao menos no primeiro turno. O antipetismo fundo de parte da sociedade adiou o dia tão aguardado pela outra parte, a que se envergonha de ser presidida por Bolsonaro (PL).

O segundo turno encomprida a agonia dos ansiosos por retirar essa canga das costas, esse peso dos ombros, esse pesadelo do sono. Ao mesmo tempo alenta a porção conservadora dos brasileiros a dobrar sua aposta.

Seja qual for o resultado, este presidente improvável já entrou para a história nacional e sua obra não sairá fácil da vida e das vistas. Bolsonaro será lembrado —como membro da estirpe dos Garrastazu Médici, que admira— pelos piores motivos.

O candidato à reeleição para à Presidência da República, Jair Bolsonaro, vota na Escola Municipal Rosa da Fonseca, na vila militar, na zona oeste do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

Sua figura de antiestadista ineficiente e desalmado, inverso perfeito do bom governante, há de assombrar as futuras gerações, que perguntarão como foi possível, como esta sociedade permitiu que um desclassificado em todas as classes a comandasse.

A votação do presidente mostra o quanto o conservadorismo está enraizado no Brasil. Esta sociedade gerou este presidente, pode bem reelegê-lo. Mesmo que não o faça, o legado bolsonarista não escorregará rampa abaixo com o presidente. De seu mandato ficará espólio bem tangível.

Legará um Estado desorganizado. São profundos os efeitos da terra arrasada pela boiada bolsominion.

Houve desmonte de órgãos e tarefas da burocracia estatal, com a ocupação de postos por ineptos, despreparados, ou mal-intencionados, como por portarias e decretos que bagunçaram ou esvaziaram atribuições da gestão pública. A máquina estatal foi afetada para além do sentido ideológico, perdeu eficiência em muitas rotinas administrativas.

Se o eleito for Lula, terá que recompor a estrutura governamental, para que órgãos e políticas públicas voltem a funcionar adequadamente. O que deve se retardar, já que Bolsonaro dificilmente facilitará a transição.

Se reeleito o presidente, é provável que siga na operação a que se afincou, a de destruir a institucionalidade estatal. Uma realização, pela via torta da ineficiência, do sonho liberal de um estado mínimo.

Segunda herança é a relação em frangalhos entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal. O presidente confrontou, desrespeitou e xingou o STF. A liturgia parece besta, mas formalidades protegem as instituições de personalidades disruptivas. Entre o primeiro e o segundo turno é difícil que a confiança mútua se estabeleça.

Se reeleito Bolsonaro, as tensões prosseguirão. Se eleito Lula, será preciso reinstituir os ritos e reestabelecer os limites institucionais. Operação de mão dupla.

O protagonismo do STF —a postura de farol da sociedade e a ambição de nomeada de ministros, exuberantes desde o governo Dilma— carece de revisão. Como a casa também troca de comando, a nova presidente pode imprimir a indispensável conduta discreta que a caracteriza e que nem sempre caracterizou seus predecessores.

Terceiro legado é uma oposição à direita, legislativa e de rua. No Parlamento, contará com figuras como Carla Zambelli, Magno Malta e Damares Alves, que devem seguir na barulhenta batalha dos costumes.

Assim, mesmo se Bolsonaro se for, o bolsonarismo ficará. Essa é uma diferença em relação ao primeiro governo Lula, quando começavam a se organizar movimentos liberais, conservadores e autoritários, que deram as caras nos anos Dilma.

Agora há uma direita organizada, com movimentos bem estruturados e penetração social. Está enraizada em igrejas e associações civis. E nem toda ela é democrática. Parte é oposição feroz e armada, pronta para o combate na ponta da faca.

Durante o segundo turno, é de esperar que Bolsonaro torne a insuflar seus fiéis. O sangue já vem se derramando e há disposição para a violência política. A queda do mito, se ocorrer, vai incitar ainda mais a fúria bolsominion.

Se optar pela insurreição civil, como tentou seu ídolo Trump, ninguém sabe bem, provavelmente nem ele, se, além de sua brigada civil, aparecerão na sua agulha as balas decisivas das Forças Armadas. Apoio internacional ao golpismo é que não. Está bem clara a posição norte-americana de inclemência contra qualquer aventura de coturnos.

O melhor cenário é que, se derrotado, o bravateiro fique no gogó e caminhe pela trilha Figueiredo. O general que amava cavalos, em vez de motos, não teve a dignidade de transmitir a faixa presidencial.

Bolsonaro pode seguir o exemplo. Seria até poético: sair do poder como entrou, pela porta dos fundos.

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