Fragmentação partidária cai quase pela metade no Legislativo

Nova configuração facilita governabilidade, mas redução do centro aumenta polarização

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São Paulo

A fragmentação partidária do Legislativo brasileiro caiu quase pela metade na eleição deste ano em comparação com os resultados de 2018. A nova tendência é consequência de mudanças nas regras do jogo, como o fim das coligações e a criação da cláusula de desempenho.

De acordo com as cientistas políticas Lara Mesquita e Denise Paiva, essa redução é positiva, porque deixa o sistema político mais racional tanto para o governo como para os eleitores.

Prédios do Congresso Nacional, em Brasília - Antonio Molina - 13.abr.22/Folhapress

Se há menos partidos na Câmara, fica mais fácil para o Poder Executivo compor uma base de apoio em torno de uma agenda programática: uma negociação entre três ou quatro atores é mais promissora do que uma com dez ou 12. Ao mesmo tempo, o eleitor consegue ver com mais clareza o comportamento dos partidos, como votaram, qual sua ideologia, quais pautas defendem etc.

Em contrapartida, pelo resultado dessas eleições, esse novo quadro se construiu sobretudo à custa dos partidos de centro, o que contribui para a polarização da Câmara e a radicalização das pautas.

Para analisar a fragmentação, cientistas políticos não consideram a cifra total de siglas. Por essa conta, a bancada eleita na Câmara também teria diminuído, mas em menor proporção: de 30 para 23 legendas.

Em vez disso, usam o chamado número efetivo de partidos, uma fórmula clássica da ciência política para calcular quantas agremiações de fato têm relevância em uma Casa legislativa –afinal, uma legenda com apenas um deputado não tem o mesmo peso que uma com 99.

Aplicando-se essa fórmula, o número efetivo de partidos na Câmara passou de 16,46 na eleição de 2018 para 9,27 agora (ou 9,93, sem considerar as federações partidárias). Isso significa voltar à fragmentação que existia até 2006; representa, além disso, a primeira queda nesse indicador desde 1998.

A escalada interrompida na eleição deste ano ocorreu porque o Brasil era uma exceção entre os países que adotam o sistema eleitoral proporcional, diz Lara Mesquita, pesquisadora da Escola de Economia de São Paulo da FGV. "Todos adotam algum tipo de cláusula de barreira, uma regra que limite o acesso de partidos ao Parlamento. Isto é, a sigla que não atinge um certo percentual de votos fica sem a cadeira."

Em 1995, o Congresso até aprovou uma lei nesse sentido, e ela entraria em vigor em 2006. Só que, em dezembro daquele ano, o STF derrubou o mecanismo, por considerá-lo inconstitucional.

Em 2017, o Congresso aprovou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) proibindo as coligações nas eleições para o Legislativo e instituindo a cláusula de desempenho, que estabelece percentual mínimo de votos e de deputados eleitos para manter o acesso à propaganda partidária e ao fundo eleitoral.

"Ela não é de barreira, porque não impede acesso ao Congresso. Ela só limita acesso a recursos públicos. Mas funciona, porque não é bom para um deputado ficar num partido sem recursos", diz Mesquita.

O fim das coligações também leva a uma redução no número de partidos, porque cada agremiação se vê forçada a eleger seus próprios deputados, sem ajuda dos votos obtidos pelas demais legendas coligadas.

Os partidos começaram a se adaptar às novas regras antes mesmo da eleição deste ano, mas precisarão agora tomar decisões a partir das votações que obtiveram. "Os partidos que já eram pequenos e aqueles que encolheram precisarão se fundir ou formar federações, que é uma solução encontrada para garantir a sobrevivência", diz Denise Paiva, professora titular aposentada da Universidade Federal de Goiás.

Um exemplo típico é o Novo. Surpresa em 2018, o partido tinha oito deputados federais, só elegeu três e não conseguiu superar a cláusula de barreira neste ano. Outros que estão nessa situação são PTB, Pros, PSC, Patriota e Solidariedade.

Paiva chama a atenção para um aspecto negativo nessa reacomodação do quadro partidário: "O encolhimento de centro e o crescimento de uma extrema direita". Isso é ruim, diz a professora, porque os partidos de centro sempre foram uma âncora desde a redemocratização. "Num momento de polarização, era importante ter esses partidos para equilibrar as forças no jogo político", afirma.

Ela também destaca a mudança no perfil das elites políticas. Seja por fracasso nas urnas ou questão geracional, saem de cena lideranças que participaram da transição democrática e tiveram protagonismo.

"Não estou dizendo que é melhor nem pior, mas estão saindo políticos que tinham sido recrutados no movimento estudantil, no movimento social e nos sindicatos e, no lugar deles, entram políticos das redes sociais", diz Paiva. "É a substituição de uma elite conservadora por outra, formada por um grupo com uma agenda de extrema direita que usualmente não tinha tanta visibilidade na cena política brasileira."

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